Capital - 20ª vara de relações de consumo

Data de publicação19 Agosto 2021
Número da edição2924
SeçãoCADERNO 2 - ENTRÂNCIA FINAL
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
20ª VARA DE RELAÇÕES DE CONSUMO DA COMARCA DE SALVADOR
SENTENÇA

8107921-63.2020.8.05.0001 Procedimento Comum Cível
Jurisdição: Salvador - Região Metropolitana
Autor: Eric Teixeira
Advogado: Salete Bomfim Nascimento (OAB:0052009/BA)
Reu: Banco Volkswagen S.a.
Advogado: Joao Francisco Alves Rosa (OAB:0017023/BA)

Sentença:

PROCESSO: 8107921-63.2020.8.05.0001

CLASSE: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7)

ASSUNTO: [Revisão do Saldo Devedor]

AUTOR: ERIC TEIXEIRA

REU: BANCO VOLKSWAGEN S.A.



SENTENÇA


Vistos.

ERIC TEIXEIRA ingressou em Juízo com a presente AÇÃO REVISIONAL contra BANCO VOLKSWAGEN, todos devidamente qualificados nos autos. Após requerer assistência judiciária gratuita, aduziu que firmou com o requerido Contrato de Financiamento, tendo por objeto o veículo, devidamente descrito na inicial.

Aduziu que financiou o valor de R$ R$ 29.000,00 (vinte e nove mil reais) para pagamento em 36 (trinta e seis) parcelas de R$ 1.285,05 (um mil, duzentos e oitenta e cinco reais e cinco centavos).

Assinalou que no contrato de financiamento existem cláusulas contratuais ilegais e desproporcionais, o que obriga o requerente a pagar valores a maior e indevidos em favor do réu. Que foram inseridas cláusulas abusivas como: capitalização mensal de juros; juros remuneratórios acima da taxa média; comissão de permanência cumulada com outros encargos da mora; valores cobrados a título de tarifa de cadastro; valores cobrados a título de seguro. Requer a devolução em dobro dos valores pagos a maior indevidamente.

Requereu, em sede de tutela antecipada, que o réu se abstenha de enviar o nome do autor para PROTESTO, SPC, SERASA ou qualquer outro cadastro restritivo de crédito; ou se já houver enviado que se retire ou suspenda o registro do nome do demandante dos cadastros citados, mantendo ainda o autor na posse do veículo adquirido, estipulando multa diária em caso de descumprimento da obrigação. A liminar objetiva que seja autorizado o depósito das parcelas no valor de R$ 998,23 (novecentos e noventa e oito reais e vinte e três centavos), das parcelas vincendas e o valor de R$ 714,27 (setecentos e quatorze reais e vinte e sete centavos) referente ao pagamento das três parcelas vencidas dos meses de junho, julho e agosto de 2020, demonstrado pela planilha anexada a exordial.

Por fim, requereu o julgamento procedente dos pedidos, para que as cláusulas contratuais abusivas sejam declaradas nulas e revisadas e a inversão do ônus da prova.

Instruída a exordial com documentos.

Em decisão de ID 76205826, houve a inversão do ônus da prova.

Regularmente citado, o demandado contestou o feito, ID 81843695, oportunidade em que alegou preliminarmente, inépcia da inicial e ilegitimidade passiva quanto ao seguro. No mérito, defendeu que tudo quanto cobrado ao requerente tem permissão legal e previsão normativa, demonstrando que as taxas aplicadas estão de acordo aos limites impostos pela lei. Pugnou, por fim, que o processo seja extinto sem julgamento do mérito, caso seja acolhida a preliminar. Do contrário, o acionado requer seja a presente ação julgada totalmente improcedente.

O requerido instruiu sua peça contestatória com documentos.

No ID 89976548, o autor se manifestou acerca da contestação apresentada pela ré, momento em que rechaçou as alegações do suplicado confirmando, dessa maneira, os termos da exordial. O requerente pleiteia pela total procedência dos pedidos formulados na inicial.

Vieram os autos conclusos.

RELATADOS. DECIDO.

Versando a demanda sobre matéria unicamente de direito e não possuindo as partes novas provas a realizar, passo a julgar antecipadamente a lide, forte no art. 355 do NCPC.

Arguiu o requerido em preliminar de inépcia da exordial, pleiteando a extinção do feito sem julgamento do mérito.

Não merece guarida esta defesa do demandado porque, para que a peça inicial seja inépta necessário é a incidência de algumas das hipóteses elencadas nos incisos do art. 330, §1º do novo CPC, o que não ocorreu no caso em tela. Pois possui a petição inicial pedido e causa de pedir, da narração dos fatos decorre logicamente a conclusão, os pedidos foram determinados, sendo o valor incontroverso apontado e, por não haver pedidos incompatíveis entre si. Por tais razões REJEITO A PRELIMINAR.

No que diz respeito a alegação da ré de ilegitimidade em relação ao contrato de seguro, não merece prosperar. Isto porque o banco é parte legítima, pois ofereceu tal serviço juntamente com a operação financeira como garantia de eventual saldo devedor, razão pela qual rejeito a preliminar.

Nesse sentido tem decidido a jurisprudência:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA. CONTRATO DE SEGURO. ILEGITIMIDADE PASSIVA. AFASTADA. REPETIÇÃO DO INDÉBITO. REALIZAÇÃO NA FORMA SIMPLES. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE MÁ-FÉ. PRECEDENTES DO STJ. SENTENÇA MANTIDA. 1. O banco apelante é parte legítima a figurar no polo passivo, haja vista que o contrato de seguro prestamista foi viabilizado pela própria entidade bancária que ofereceu esse produto juntamente com a operação financeira para garantir eventual saldo devedor. 2. A repetição do indébito deve ser realizada em sua forma simples, uma vez que inexiste comprovação de má-fé na cobrança efetivada pelo banco, de acordo com a orientação jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça. 3. APELAÇÃO CONHECIDA E DESPROVIDA. (TJ-GO - AC: 02708629720108090175, Relator: DES. GERSON SANTANA CINTRA, Data de Julgamento: 07/06/2016, 3A CAMARA CIVEL, Data de Publicação: DJ 2048 de 16/06/2016)

Ultrapassadas as preliminares, passo ao exame do mérito.

Trata-se de Ação Revisional de Contrato Bancário movida pelo suplicante, o qual almeja modificar cláusulas que reputam abusivas em contrato de financiamento bancário.

Alega o autor a cobrança de juros e taxas está em confronto com inúmeros dispositivos legais, onerando demasiadamente o contrato, causando-lhe sérios prejuízos.

Primeiramente, esclarece este Juízo sentenciante que o Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 3º, §2º determina expressamente que as atividades desempenhadas pelas instituições financeiras se enquadram no conceito de serviço. Assim, os bancos, quando apresentam seus produtos e serviços aos consumidores, enquadram-se no conceito de fornecedores, devendo, portanto, seus contratos serem regidos pelo Código Consumerista.

A jurisprudência do STJ é unânime em aplicar o CDC às relações bancárias. Vejamos:

Os bancos, como prestadores de serviços, especialmente contemplados no art. 3º, § 2º da Lei 8.078/90, estão submetidos às disposições do Código de Defesa do Consumidor.” (STJ, AGA 152497/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJ 28/05/2001)

E, através das súmulas 297 e 285 o Tribunal Superior consolidou tal entendimento:

O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.” (297 STJ)

Nos contratos bancários posteriores ao Código de Defesa do Consumidor incide a multa moratória nele prevista.” (285 STJ)

De mais a mais, defende este posicionamento o Supremo Tribunal Federal ao julgar improcedente a ADI 2.591, a qual pretendia ver excluída da incidência do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90) as operações de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, previstas no art. 3º, § 2º da Lei, alegando que tal dispositivo estaria eivado por inconstitucionalidade formal e material. Note-se:

ART. 3º, §2º, CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. ART. 5º, XXXII, DA CB/88. ART. 170, V, DA CB/88. AÇÃO DIRETA JULGADA IMPROCEDENTE. 1. As instituições financeiras estão, todas elas, alcançadas pela incidência das normas veiculadas pelo código de defesa do consumidor. 2. "Consumidor", para os efeitos do código de defesa do consumidor, é toda pessoa física ou jurídica que utiliza, como destinatário final, atividade bancária, financeira e de crédito. 3. O preceito veiculado pelo art. 3º, § 2º, do código de defesa do consumidor deve ser interpretado em coerência com a Constituição. (STF, Adin 2591, Min. Carlos Velloso, DJ 29/09/2006, com ementa modificada em Embargos Declaratórios julgados dia 14/12/2006)

Destarte, não há dúvidas que as relações bancárias estão sujeitas ao CDC. Pois, sendo o contrato de financiamento uma relação entre banco e cliente é, nitidamente, relação de consumo, estando, portanto, o contrato firmado pelas partes, acostado aos autos, sujeito sim às normas consumeristas da Lei 8.078/90.

Ademais, vale instar que o contrato de financiamento celebrado entre as partes é um contrato de adesão, bem como afirma o demandante, eis que, na forma do art. 54 do CDC, suas cláusulas foram estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor, sem que o consumidor pudesse discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo.

Conforme leciona Cláudia Lima Marques, Antônio Herman Benjamim e Leonardo Roscoe Bessa, na obra Manual de Direito do Consumidor, 2ª Edição, RT, SP, 2009, p. 287, praticamente todos os contratos celebrados no mercado de consumo são de adesão, vale dizer, elaborados unilateralmente pelo fornecedor. Tal técnica de contratação, embora inerente à sociedade industrial e massificada, reduz, praticamente elimina, a vontade real do consumidor. A maior velocidade na contratação e venda de produtos e serviços, bem como a previsibilidade do custo empresarial são os principais motivos para a intensa utilização dos contratos de adesão.

Bem, a Constituição Federal, em seu artigo 170, V, introduziu a figura do consumidor como agente econômico e social, estabelecendo de forma expressa como princípio da ordem econômica a “defesa do consumidor”, possibilitando a intervenção do Estado nas relações privadas, de modo a garantir os direitos fundamentais dos cidadãos.

Assim, a intervenção do Estado...

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