Capital - 20ª vara de relações de consumo

Data de publicação04 Junho 2020
SeçãoCADERNO 2 - ENTRÂNCIA FINAL
Número da edição2628
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
20ª VARA DE RELAÇÕES DE CONSUMO DA COMARCA DE SALVADOR
SENTENÇA

8022806-11.2019.8.05.0001 Procedimento Comum Cível
Jurisdição: Salvador - Região Metropolitana
Autor: Valdinei Gomes Ferreira
Advogado: Antonio Carlos Souto Costa (OAB:0016677/BA)
Réu: Bv Financeira Sa Credito Financiamento E Investimento
Advogado: Antonio De Moraes Dourado Neto (OAB:0023255/PE)
Advogado: Hudson Jose Ribeiro (OAB:0150060/SP)

Sentença:

Vistos etc.

VALDINEI GOMES FERREIRA ingressou em Juízo com a presente AÇÃO REVISIONAL contra BANCO BV FINANCEIRA SA CREDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO, todos devidamente qualificados nos autos. Após requerer assistência judiciária gratuita, aduziu que firmou com o requerido Contrato de Financiamento, tendo por objeto o veículo, devidamente descrito na inicial.

Aduziu que o empréstimo correspondia ao valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais) para pagamento em 36 (trinta e seis) parcelas no valor de R$ 699,01 (seiscentos e noventa e nove reais e um centavos), perfazendo a cifra absurda de R$ 25.164,36 (vinte e cinco mil cento e sessenta e quatro reais e trinta e seis centavos).

Assinalou que no contrato de empréstimo existem cláusulas contratuais ilegais e desproporcionais, o que obrigou o requerente a pagar valores a maior e indevidos em favor do réu. Que foram inseridas cláusulas abusivas como: capitalização mensal de juros; juros remuneratórios acima da taxa média; comissão de permanência cumulada com outros encargos da mora. Requer a devolução dos valores pagos a maior indevidamente.

Postulou ainda a antecipação dos efeitos da tutela, para depósito judicial das parcelas vencidas e vincendas, nos valores que entende devidos, a proibição da inscrição do seu nome nos cadastros dos órgãos restritivos ao crédito e a manutenção da posse do bem financiado.

Por fim, requer o julgamento procedente dos pedidos, para que as cláusulas contratuais abusivas sejam declaradas nulas e revisadas.

Instruída a exordial com documentos ID. 29244075 à 29244112.

Em decisão ID. 29448106, foi deferido os benefícios da assistência judiciária gratuita, quanto ao pedido de antecipação da tutela, não mereceu apreciação liminar.

Regularmente citado, o demandado contestou o feito ID 38902620, oportunidade em que alegou preliminarmente, inépcia da inicial e impugnou os benefícios da assistência judiciária gratuita. No mérito, defendeu que Autor teria livremente aderido ao contrato, sem qualquer vício de vontade e com pleno conhecimento de causa. Pugna, por fim, que o processo seja extinto sem julgamento do mérito, caso seja acolhida a preliminar. Do contrário, o acionado requer seja a presente ação julgada TOTALMENTE IMPROCEDENTE.

O requerido instruiu sua peça contestatória com documentos ID. 38902631 à 38902691.

O autor se manifestou acerca da contestação apresentada pela ré, ID. 49445312. momento em que repeliu a preliminar argüida pelo acionado e, rechaçou, na íntegra, as alegações do suplicado confirmando, dessa maneira, os termos da exordial. O requerente pleiteia pela total procedência dos pedidos formulados na inicial.

As partes não possuem provas a produzir.

RELATADOS. DECIDO.

Não merece guarida a preliminar de inépcia da exordial esta defesa do demandado porque, para que a peça inicial seja inépta necessário é a incidência de algumas das hipóteses elencadas nos incisos do art. 330, §1º do novo CPC, o que não ocorreu no caso em tela. Pois possui a petição inicial pedido e causa de pedir, da narração dos fatos decorre logicamente a conclusão, os pedidos foram determinados, sendo o valor incontroverso apontado e, por não haver pedidos incompatíveis entre si. Por tais razões REJEITO A PRELIMINAR.

Com relação à impugnação a Assistência Judiciária Gratuita, rechaço esta preliminar. E assim decido porque o réu não produziu qualquer prova nos autos para demonstrar a possibilidade financeira do autor de pagar as despesas processuais sem prejudicar o seu sustento e o de sua família. Ficou apenas em meras alegações, sem desconstituir o estado de pobreza presumido e concedido por este Juízo.

Em sendo assim, afasto as preliminares erigidas na defesa e passo a abordar o mérito.

Trata-se de Ação Revisional de Contrato Bancário movida pelo suplicante, o qual almeja modificar cláusulas que reputam abusivas em contrato de empréstimo bancário, que após os encargos indevidos e abusivos aplicados pelo réu, atingiu uma soma total absurda de R$ 25.164,36, a ser paga em 36 parcelas iguais de R$ 699,01.

Alega o autor a cobrança de juros e taxas muito superiores ao que lhe fora informado, onerando demasiadamente o contrato, causando-lhe sérios prejuízos.

Primeiramente, esclarece este Juízo sentenciante que o Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 3º, §2º determina expressamente que as atividades desempenhadas pelas instituições financeiras se enquadram no conceito de serviço. Assim, os bancos, quando apresentam seus produtos e serviços aos consumidores, enquadram-se no conceito de fornecedores, devendo, portanto, seus contratos serem regidos pelo Código Consumerista.

A jurisprudência do STJ é unânime em aplicar o CDC às relações bancárias. Vejamos:

Os bancos, como prestadores de serviços, especialmente contemplados no art. 3º, § 2º da Lei 8.078/90, estão submetidos às disposições do Código de Defesa do Consumidor.” (STJ, AGA 152497/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJ 28/05/2001)

E, através das súmulas 297 e 285 o Tribunal Superior consolidou tal entendimento:

O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.” (297 STJ)

Nos contratos bancários posteriores ao Código de Defesa do Consumidor incide a multa moratória nele prevista.” (285 STJ)

De mais a mais, defende este posicionamento o Supremo Tribunal Federal ao julgar improcedente a ADI 2.591, a qual pretendia ver excluída da incidência do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90) as operações de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, previstas no art. 3º, § 2º da Lei, alegando que tal dispositivo estaria eivado por inconstitucionalidade formal e material. Note-se:

ART. 3º, §2º, CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. ART. 5º, XXXII, DA CB/88. ART. 170, V, DA CB/88. AÇÃO DIRETA JULGADA IMPROCEDENTE. 1. As instituições financeiras estão, todas elas, alcançadas pela incidência das normas veiculadas pelo código de defesa do consumidor. 2. "Consumidor", para os efeitos do código de defesa do consumidor, é toda pessoa física ou jurídica que utiliza, como destinatário final, atividade bancária, financeira e de crédito. 3. O preceito veiculado pelo art. 3º, § 2º, do código de defesa do consumidor deve ser interpretado em coerência com a Constituição. (STF, Adin 2591, Min. Carlos Velloso, DJ 29/09/2006, com ementa modificada em Embargos Declaratórios julgados dia 14/12/2006)

Destarte, não há dúvidas que as relações bancárias estão sujeitas ao CDC. Pois, sendo o contrato de cédula de crédito bancário uma relação entre banco e cliente é, nitidamente, relação de consumo, estando, portanto, o contrato firmado pelas partes, acostado aos autos, sujeito sim às normas consumeristas da Lei 8.078/90.

Ademais, vale instar que o contrato de empréstimo celebrado entre as partes é um contrato de adesão, bem como afirma o demandante, eis que, na forma do art. 54 do CDC, suas cláusulas foram estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor, sem que o consumidor pudesse discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo.

Conforme leciona Cláudia Lima Marques, Antônio Herman Benjamim e Leonardo Roscoe Bessa, na obra Manual de Direito do Consumidor, 2ª Edição, RT, SP, 2009, p. 287, praticamente todos os contratos celebrados no mercado de consumo são de adesão, vale dizer, elaborados unilateralmente pelo fornecedor. Tal técnica de contratação, embora inerente à sociedade industrial e massificada, reduz, praticamente elimina, a vontade real do consumidor. A maior velocidade na contratação e venda de produtos e serviços, bem como a previsibilidade do custo empresarial são os principais motivos para a intensa utilização dos contratos de adesão.

É o caso dos contratos de empréstimo. Seu cunho adesivo já é assunto pacificado tanto na doutrina quanto na jurisprudência dos Tribunais.

Bem, a Constituição Federal, em seu artigo 170, V, introduziu a figura do consumidor como agente econômico e social, estabelecendo de forma expressa como princípio da ordem econômica a “defesa do consumidor”, possibilitando a intervenção do Estado nas relações privadas, de modo a garantir os direitos fundamentais dos cidadãos.

Assim, a intervenção do Estado na atividade econômica encontra autorização constitucional quando tem por finalidade proteger o consumidor. (STJ, MS 4138/DF, DJ 21/10/1996, Rel. Min. José Delgado)

Com o advento do Código de Defesa do Consumidor, foi alterado o sistema contratual do direito civil tradicional, mitigando o antigo princípio que determinava a intangibilidade dos contratos.

Isto porque a revisão contratual não implica violação ao princípio “pacta sunt servanda”, vez que este, de caráter genérico, cede à incidência da norma prevista no art. 6º, inciso V, do Código de Defesa do Consumidor, segundo a qual é plenamente viável "a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas”.

Diante deste dispositivo, observa-se que o magistrado pode intervir na avença celebrada entre as partes, para revisar o seu conteúdo adequando-o às normas de proteção ao consumidor para equilibrar a relação firmada entre consumidor e fornecedor.

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