Capital - 20ª vara de relações de consumo

Data de publicação14 Abril 2023
Número da edição3312
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
20ª VARA DE RELAÇÕES DE CONSUMO DA COMARCA DE SALVADOR
SENTENÇA

8058537-34.2020.8.05.0001 Petição Cível
Jurisdição: Salvador - Região Metropolitana
Requerente: Maria Teresa Marques De Cerqueira Sobral
Advogado: Danielle Marques De Cerqueira (OAB:BA26336)
Requerido: Bradesco Vida E Previdencia S.a.
Advogado: Paulo Eduardo Prado (OAB:BA33407)

Sentença:


I- RELATÓRIO


MARIA TEREZA MARQUES DE CERQUEIRA, devidamente qualificada nos autos, por seu advogado, propôs a apresente ação declaratória de nulidade de cláusulas contratuais, com pedidos cumulativos de repetição de indébito e reparação de danos em face do BRADESCO VIDA E PREVIDÊNCIA S/A, aduzindo, em síntese, o seguinte: a) que aderiu, no ano de 2014, ao Plano de Previdência Privada – VGBL – oferecido pelo Bradesco Vida e Previdência – Proteção Familiar, previdência privada nº 3252154, série 43, inicialmente com investimento de R$ 200.000,00, fazendo, posteriormente, novo aporte de R$ 200.000,00, totalizando a quantia investida de R$ 400.000,00 (quatrocentos mil reais); b) em 12/2014, a autora tomou conhecimento de que foi realizado um resgate, no valor de R$ 100.000,00, sem a sua autorização; c) em 03/2015, houve um novo resgate de R$ 100.000,00, também sem seu consentimento; d) no mês 06/2015, a autora conseguiu realizar o resgate de R$ 46.000,00, sendo informada pelo banco que o restante do investimento estava “bloqueado”; e) em 08/2015 solicitou novo resgate, para ter de volta todos os valores investidos, mas foi surpreendida com novo resgate/baixa, sem sua aquiescência, no valor de R$ 200.000,00; f) que os valores dos resgates foram creditados na conta da pessoa jurídica (agência nº 3121, conta corrente nº 19190-6) da qual a autora é sócia, e utilizados para quitar débitos da empresa junto ao banco; g) que procurou a acionada para verificar o ocorrido, obtendo informação da preposta de nome “Larissa” de que se tratava de um equívoco, pois não sabia explicar como as baixas poderiam ter ocorrido, prometendo resolver a situação; h) que passou por uma gravidez utópica neste período, se submetendo a diversos tratamentos, ficando com psicológico abalado; i) que a notícia das baixas de todo valor de sua previdência, abalou ainda mais seu estado emocional, sobretudo por estar precisando do valor investido; j) que a conduta da acionada foi abusiva, desrespeitosa para com o consumidor, causando enormes danos à autora.

A inicial está aparelhada com os documentos de ID nº 61728932, 61728932 e 60230200.

Ordenada a formação da relação processual, a acionada apresentou contestação (ID nº 71870622), impugnado a assistência judiciária gratuita concedida à autora. Arguiu, ainda, a necessidade de chamamento do Banco Bradesco SA ao processo . No mérito, sustentou que: 1) a autora tomou empréstimo junto o Banco Bradesco (contrato nº 7779799, datado de 14/02/2014), dando como GARANTIA o seu Plano de Previdência Privada; 2) que a previdência privada VGBL foi contratada no mesmo dia, 14/02/2014, havendo a Autora anuído com todas as cláusulas contratuais inclusas na proposta de adesão, regularmente assinada; 3) o resgate dos valores foram realizados de acordo com o contrato firmado entre as partes, inexistindo qualquer irregularidade; 4) no momento da contratação do empréstimo, o plano de previdência foi dado em GARANTIA, por livre e espontânea vontade da autora, não havendo que se falar que o bloqueio dos valores se deu por prática ilegal ou abusiva da acionada; 5) os valores foram creditados na Conta Corrente indicada pela autora, de modo que não há o que se falar em restituição dos valores, sob pena de enriquecimento ilícito desta, já que o valor foi utilizado para pagamento do empréstimo realizado pela autora; 6) não existe ato ilícito capaz de ensejar a pretendida reparação de danos morais.

Réplica, no ID nº 74835626 dos autos.

Despacho saneador no ID nº 208360318, indeferindo o chamamento ao processo do Banco Bradesco SA e mantendo os benefícios da gratuidade de justiça à autora.

Regularmente intimadas, a parte autora declarou não ter interesse na produção de outras provas, enquanto a parte ré pugnou pela expedição de ofício ao Banco Bradesco para informar acerca do contrato de empréstimo que deu causa aos resgates na previdência da autora.

O feito comporta julgamento antecipado do mérito, na forma do art. 355, I, do CPC, pelo que passo a decidir.

II – MOTIVAÇÃO

Dispõe o parágrafo único do art. 370 do CPC que o juiz indeferirá, em decisão fundamentada, as diligências inúteis ou meramente protelatórias. No caso em exame, não merece acolhida o requerimento formulado pela parte ré no ID. 210770107, posto que o chamamento do Banco Bradesco ao processo foi objeto de decisão no momento processual próprio, mantida em segundo grau de jurisdição, conforme ID. 331158612. Já agora, a expedição de ato de comunicação (ID. 210770107), no sentido de compelir o Bradesco, pessoa estranha ao processo, a produzir prova nos autos, implicaria em reexame de matéria já alcançada por preclusão consumativa.

No mérito, a controvérsia gira em torno da validade e eficácia do ato jurídico que, em tese, constituiu os depósitos de previdência privada (VGBL) como obrigação de garantia, vinculada, subsidiariamente, a um outro negócio bancário, qual seja, um mútuo feneratício.

Conforme se verifica nos documentos de ID nº 71870713, Instrumento Particular de Aditamento a Cédula de Crédito Bancário de Constituição e/ou substituição de Garantia, a autora firmou junto a Instituição Financeira contrato de empréstimo em nome da empresa SOMA CONSULTORIA EMPRESARIAL E ENGENHARIA LTDA ME, da qual é sócia, tendo vinculado como garantia da operação a CESSÃO FIDUCIÁRIA DE APLICAÇÃO FINANCEIRA – VGBL, proposta nº 43.3252154, realizada em seu nome.

Vale ressaltar que a obrigação foi ajustada na cédula de crédito (ID nº 71870713) e está devidamente assinada pela empresa, representada pela autora como sócia; e novamente por ela, como devedora solidária (avalista e garantidora).

Da Garantia Fiduciária (Cláusula 2.6 do Instrumento). A despeito do encargo em análise, a Cédula de Crédito Bancário estabeleceu o seguinte:

Pela Cessão Fiduciária de Direitos Creditórios sobre Planos de Previdência Complementar, nas modalidades VGBL, ora realizada, a Eminente Garantidora, como titular do direito em questão autoriza o Credor, em caráter irrevogável e irretratável, em caso de descumprimento de quaisquer obrigações assumidas pela Emitente da Cédula ora Aditada, a promover, sem a necessidade de qualquer concordância do titular, isoladamente junto à Administradora dos Planos de Previdência Complementar cujos direitos foram dados em cessão fiduciária, o resgate, total ou parcial, dos valores relativos aos Planos de Previdência Complementar, identificado(s) no item IV-2 do quadro, podendo, para tanto, receber valores destes decorrentes, transigir, dar recibos e quitação, de modo a se ressarcir, ainda que parcialmente, dos valores advindos do não cumprimento do disposto nesta cláusula. Esta autorização vigorará até o final da liberação desta garantia, quando cumpridas todas as obrigações da Emitente da Cédula ora aditada, dispensando a assinatura do Termo de Pedido de Resgate ou qualquer outro documento.”

Como dito acima, a sócia/avalista MARIA TERESA MARQUES DE CERQUEIRA (ora, autora), garantiu fiduciariamente a Cédula de Crédito Bancário por meio do seu saldo no chamado “Vida Gerador de Benefício Livre” (VGBL) e, no mesmo ato da contratação, forneceu todos os elementos necessários à Instituição Financeira para o implemento da garantia. Consequentemente, não há como prosperar a alegação de vício de vontade no momento da formação do contrato de empréstimo nem na constituição da obrigação de garantia.

Admitir-se o contrário, seria fazer tábula rasa dos princípios de lealdade e boa-fé que devem nortear os contratos, tanto no plano de existência, quanto no de validade e eficácia, vez que a sócia/avalista, manifestou concordância quanto à "cessão fiduciária de saldo de proposta de VGBL", e só se insurgiu contra a validade da Cláusula 3.1 por ocasião da execução forçada do contrato de empréstimo e exigibilidade da obrigação de garantia.

Nesse sentido, em hipótese análoga, os Tribunais decidiram:


APELAÇÃO CIVEL. PREVIDÊNCIA PRIVADA. PLANO DE PREVIDÊNCIAPRIVADA MODALIDADE VGBL - VIDA GERADOR DE BENEFÍCIO LIVRE. CONTRATAÇÃO DE CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO. RESGATE DE VALORES A TÍTULO DE GARANTIA, CONSOANTE INSTRUMENTO CONTRATUAL PRÓPRIO. AUSENCIA DE ABUSIVIDADE. DANO MORAL NÃO CONFIGURADO. Apelo desprovido.(Apelação Cível, Nº 70070190335, Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Elisa Carpim Corrêa, Julgado em: 15-09-2016).

AGRAVO LEGAL E REGIMENTAL. FUNGIBILIDADE RECURSAL. VGBL. POUPANÇA PREVIDENCIÁRIA. PENHORABILIDADE. CLÁUSULA DE GARANTIA PACTUADA. VEDAÇÃO DO VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM. 1. Nos termos da Súmula nº 42 do presente Tribunal, há fungibilidade entres os recursos de Agravo Legal e Regimental. Assim, recebe-se o presente como Agravo Legal; 2. O saldo de depósito em VGBL - Vida Gerador de Benefício Livre - trata-se de previdência privada,
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