Capital - 20� vara de rela��es de consumo

Data de publicação17 Outubro 2023
Número da edição3434
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
20ª VARA DE RELAÇÕES DE CONSUMO DA COMARCA DE SALVADOR
SENTENÇA

8124739-56.2021.8.05.0001 Procedimento Comum Cível
Jurisdição: Salvador - Região Metropolitana
Autor: Valfredo Miguel Silva Souza
Advogado: Pedro Francisco Guimaraes Solino (OAB:BA44759)
Reu: Banco Bmg Sa
Advogado: Denner De Barros E Mascarenhas Barbosa (OAB:MS6835)
Advogado: Flavia Almeida Moura Di Latella (OAB:MG109730)

Sentença:

I- RELATÓRIO

VALFREDO MIGUEL SILVA SOUZA propôs a presente ação anulatória de contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignável contra BANCO BMG, aduzindo, em síntese, o seguinte: a) é beneficiário do INSS e, por necessidade financeira, aceitou a proposta de empréstimo consignado oferecido pelo réu,no valor de aproximadamente R$ 1.000,00 (mil reais), gerando o contrato de adesão número 11470365; b) desconhece detalhes da avença, eis que não lhe foi fornecida cópia do instrumento contratual, nem as informações devidas à época de formação do vínculo; c) o contrato não tem previsão de termo final e a dívida vem se acumulando, independente dos descontos mensais e sucessivos nos seus benefícios previdenciários; d) foi induzido a erro ao realizar contrato de mútuo atrelado a cartão de crédito com reserva de margem consignada.

Os pedidos cumulativos estão alinhados na seguinte ordem: declaração de nulidade do contrato; liberação da margem consignável e cessação dos descontos mensais no respectivo benefício previdenciário; repetição do indébito; compensação por dano moral.

O réu opôs resistência em tempo hábil (ID 165373871), impugnando o valor atribuído à causa e a concessão do benefício da assistência judiciária gratuita.

Ainda com defesa indireta, arguiu a prescrição do direito de ação e a decadência do direito sobre o qual se funda a pretensão autoral.

No mérito, aduziu em síntese que: a) o contrato de cartão de crédito consignado entre o autor e o banco acionado foi formalizado em 2015, sob nº 39565995; b) após a assinatura do contrato foi averbada no benefício da parte autora a reserva de margem consignável; c) não houve “empréstimo consignado”, mas sim a contratação de um cartão de crédito consignado, modalidade contratual completamente diversa; d) as características do cartão de crédito consignado estão bem discriminadas no instrumento contratual e o autor estava ciente de todos os termos e condições para utilização do cartão de crédito consignado; e) inclusive, recebeu em sua residência o cartão (plástico) que foi devidamente desbloqueado; f) realizou diversas compras no comércio, com pagamentos parciais das faturas; i) a reserva da margem consignada está em total consonância com a legislação vigente e prevista no contrato; j) não há qualquer abusividade na cobrança dos juros mensais contratualmente pactuados, uma vez que foram atendidos os limites estabelecidos pelo Banco Central; h) não se encontra configurado qualquer lícito contratual capaz de ensejar a responsabilidade civil do fornecedor.

Réplica no ID. 166766174.

Regularmente intimadas, as partes não manifestaram interesse na produção de outras provas.

É o relatório do essencial.

O feito comporta julgamento antecipado, na forma do art. 355, I, do CPC, pelo que passo a decidir.

II- MOTIVAÇÃO

Segundo o magistério de CLAUDIA LIMA MARQUES (Contratos no Código de Defesa do Consumidor, São Paulo: RT, 2006, p. 305), o direito do consumidor não tem origem constitucional, mas é sim direito fundamental do cidadão. Direito humano de nova geração, positivado no art. 5º, XXXII, da Constituição Federal.

Por seu turno, o art. 6º, inciso VII, do CDC, elenca entre os direitos básicos do consumidor, o acesso aos órgãos judiciários.

Assim é que o acesso à Justiça, considerado pelo legislador ordinário como um direito básico do consumidor, também tem status de direito fundamental, insculpido no art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal.

Acrescente-se que a hipossuficiência de recursos se comprova com a simples afirmação do requerente de que não está em condições de pagar as custas do processo e honorários de advogado, sem prejuízo próprio ou de sua família.

Posto isto, rejeito a impugnação formulada na defesa e mantenho o benefício processual concedido à parte autora.

Melhor sorte não contempla a impugnação ao valor da causa. Dispõe o art. 292, VI, do CPC, que na ação em que há cumulação de pedidos, o valor da causa será a quantia correspondente à soma dos valores de todos eles.

No caso em exame, o autor atribuiu à causa o valor de 18.051,90 (dezoito mil, cinquenta e um reais e noventa centavos), o que atende ao comando da norma processual acima transcrita.

Por outro aspecto, não há que se falar em caducidade do direito do Autor, posto que a pretensão deduzida em Juízo nada tem a ver com vício do produto ou do serviço.

Na verdade, o que o consumidor pretende é a intervenção judicial na autonomia privada, com o fito de modificar cláusulas contratuais que, no seu sentir, estabeleceram prestações desproporcionais.

Justifica-se tal intervenção, para restabelecer o equilíbrio contratual, na hipótese de lesão congênere à formação do vínculo, ou seja, de existência de cláusulas abusivas desde o momento da celebração do contrato, ou adesão (CDC, art. 54, caput).

A tutela específica encontra respaldo no art. 6º, V, do CDC e não se aplicam ao caso concreto os prazos decadenciais previstos no art. 26 da lei consumerista, que tratam de vícios redibitórios.

Desse modo, afasto a preliminar de decadência argüida na contestação.

Também não merece receptividade a prejudicial de mérito referente à prescrição.

O contrato em questão constitui obrigação de trato sucessivo. O termo inicial do prazo prescricional corresponde ao do encerramento de cada ciclo obrigacional, ou seja, quando cada prestação passa a ser exigível.

Aplica-se ao caso concreto o prazo quinquenal previsto no art. 27 do Código de Defesa do Consumidor, sendo certo que o despacho que ordenou a citação interrompe a prescrição (Código Civil, art. 202, I), retroagindo à data de propositura da ação (CPC, art. 240, § 1º). Vale dizer, a prescrição alcança tão somente as parcelas anteriores ao quinquênio pretérito à propositura da ação.

No mérito, a controvérsia gira em torno de suposto vício de consentimento, no momento da formação do contrato.

Alega a parte autora que foi induzida a erro, pois pretendia realizar um empréstimo consignado tradicional e não outra operação de crédito mais onerosa, da qual nem mesmo recebeu informação adequada e clara.

Dispõe o art. 138 do Código Civil que: São anuláveis os negócios jurídicos, quando as declarações de vontade emanarem de erro substancial que poderia ser percebido por pessoa de diligência normal, em face das circunstâncias do negócio.

Substancial é o erro que incide sobre a essência (substância) do ato que se pratica, sem o qual este não se teria realizado.

O erro invalidante há que ser, ainda, escusável, isto é, perdoável, dentro do que se espera do homem médio que atue com grau normal de diligência. Não se admite, outrossim, a alegação de erro por parte daquele que atuou com acentuado grau de displicência.

Ocorre que o réu exibiu o instrumento contratual (ID 165373874) com a informação expressa no seu título de que se trata de um Termo de Adesão a Cartão de Crédito Consignado, com autorização para desconto em folha de pagamento.

O contrato em questão possui cláusulas claras, de fácil compreensão, inclusive quanto à autorização de constituição de reserva de margem consignável, amortização da dívida e os encargos incidentes, não se tratando de termos obscuros ou omissos, restando atendido o dever de informação previsto no art. 6.º, inc. VI, CDC.

Ademais, os extratos de ID 165373875 comprovam que a parte autora, por diversas vezes, utilizou do cartão de crédito para a realização de compras a prazo, usufruindo, assim, dos benefícios do contrato de RMC, fatos incompatíveis com o alegado erro quanto à natureza do contrato firmado.

Ressalte-se que o empréstimo consignado comum tem normas e parâmetros que lhe são próprios (Lei n.º 1.046/1950), de modo que, à míngua de prova de indução do autor a erro, nada justifica nem autoriza a intervenção judicial para alterar a natureza do contrato entre as partes.

É certo que o CDC visa garantir os direitos e a proteção dos consumidores em suas relações comerciais, assegurando transparência, qualidade, segurança e igualdade nas transações de bens e serviços. Todavia, é imperativo que o consumidor exerça seu dever de diligência, analisando detidamente as cláusulas do contrato ao qual pretende se vincular.

Os elementos de convicção carreados aos autos não indicam o vício de consentimento alegado como causa de pedir e que possa comprometer a validade e eficácia do negócio jurídico.

Sobre o tema, vejamos o entendimento do e. Tribunal de Justiça da Bahia:

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