Capital - 20ª vara de relações de consumo

Data de publicação21 Novembro 2023
Gazette Issue3456
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
20ª VARA DE RELAÇÕES DE CONSUMO DA COMARCA DE SALVADOR
SENTENÇA

8138577-03.2020.8.05.0001 Petição Cível
Jurisdição: Salvador - Região Metropolitana
Requerido: Banco Bmg Sa
Advogado: Joao Francisco Alves Rosa (OAB:BA17023)
Requerente: Fernanda Santos De Lima
Advogado: Andre Luiz Da Cruz Moura (OAB:BA40620)

Sentença:

I – RELATÓRIO

FERNANDA SANTOS DE LIMA propôs a presente ação indenizatória contra o BANCO BMG, aduzindo, em síntese, o seguinte: a) que ao verificar seu extrato bancário foi surpreendida com depósito no valor de R$2.000,00 (dois mil reais) realizado pelo réu; b) que ao buscar informações acerca da origem da quantia disponibilizada foi informada se tratar de contratação de empréstimo consignado, a ser quitado mediante descontos mensais no seu benefício do INSS; c) que jamais realizou qualquer contratação de empréstimo consignado junto ao réu, razão pela qual solicitou o cancelamento da operação mediante protocolo nº 161188714 e procedeu com a devolução administrativa do valor indevidamente recebido; d) que mesmo após a devolução da quantia depositada o réu não procedeu com a baixa do empréstimo no sistema e continuou realizado descontos mensais nos seus rendimentos; e) que a conduta ilícita do réu lhe causou prejuízos de ordem material e moral, pelos quais deve ser ressarcida.

Requer a procedência da ação para que o réu seja condenando “a devolver a quantia de R$ 2.000,00 (dois mil reais), acrescido de juros e correção monetária, referente ao valor cobrado indevidamente”, além do pagamento de indenização por danos morais.

Requereu e obteve os benefícios da assistência judiciária gratuita (ID. 161188714).

Regularmente citado, o réu ofereceu contestação no ID. 99600570. Como defesa de mérito, em síntese, sustentou: a) a existência e regularidade do contrato de empréstimo consignado nº 303977353; b) que procedimento de contratação do empréstimo ocorreu mediante autenticação eletrônica e apresentação dos documentos pessoais necessários em conformidade com a legislação aplicável ao caso; c) que o valor acordado no contrato foi depositado na conta bancária da demandante, tornando lícita as cobranças das parcelas correspondentes a quitação do débito; d) não cometeu ilícito capaz de ensejar reparação por danos materiais ou morais.

Juntou documentos à defesa.

Réplica no ID. 102791467.

O ato ordinatório ID. 102803852 intimou as partes para se manifestarem acerca do interesse na produção de outras provas.

O réu manifestou seu desinteresse na produção de outras provas (ID. 102803852), ao tempo que a demandante manteve-se silente.

É o necessário a relatar.

O feito comporta julgamento antecipado, na forma do art. 355, I, do CPC, pelo que passo a decidir.

II – MOTIVAÇÃO

Cinge-se a controvérsia na existência e validade do contrato de empréstimo consignado celebrado entre as partes e no dever ou não da parte demandada indenizar supostos danos materiais e morais suportados pela autora.

Inicialmente, no que diz respeito à existência e validade do contrato em tela, o art. 104, inciso III, do Código Civil estabelece que a validade do negócio jurídico requer não apenas a presença de um agente capaz e objeto lícito, possível e determinado, mas também a observância da forma estabelecida por lei ou a ausência de proibição legal.

Isso implica que, dentro da esfera da autonomia da vontade das partes, a celebração de negócios jurídicos ocorre de forma livre, a menos que haja proibição expressa em lei ou a exigência de uma forma específica para a relação jurídica contratual que se pretende estabelecer.

No contexto do contrato de empréstimo consignado em apreço, é importante observar que a legislação não impõe uma forma específica de celebração. Portanto, teoricamente, a contratação desse tipo de empréstimo pode ocorrer por meios eletrônicos, inclusive através de um aplicativo móvel que viabilize autenticação eletrônica, conforme alegado pelo réu.

Conforme disposto no art. 107 do CC, a declaração da vontade não necessita, em princípio, de uma forma especial, a menos que a lei exija especificamente. No entanto, para que reconheça a validade e existência do negócio jurídico entre as partes, é imprescindível que a instituição financeira ré apresente provas que demonstrem a clara e inequívoca manifestação da autora, ou seja, a expressão livre e consciente em concordar com os termos e condições do contrato e se comprometer com as obrigações ali estabelecidas.

Nesse sentindo, o réu anexou a proposta de contratação de empréstimo com desconto em folha de pagamento ID. 99600572 com autentificação eletrônica n° D8EB0F2242CAF0488F500F231963CFDB, celebrada no dia 02/08/2020. Ocorre que, tal documento, destituído de outros elementos de convicção não é hábil a demonstrar que a contratação tenha sido efetivamente realizada pela demandante.

É que, apesar de o acionado ter apresentado uma cópia do documento pessoal da demandante e uma foto “selfie” registrada (ID. 99600572 – Páginas 10-12), não conseguiu comprovar de forma convincente o vínculo causal entre a entrega desses documentos e a contratação contestada.

Sob outra ótica, é importante destacar que no instrumento contratual apresentado pela defesa, consta a seguinte previsão:

Tendo a presente contratação ocorrido por meio remoto (por telefone, dispositivos móveis de comunicação (mobile), caixas eletrônicos (ATM), internet ou através de correspondente), você poderá, no prazo de até 7 (sete) dias após o recebimento do valor da operação contratada, solicitar o seu cancelamento, desde que devolva integramente o valor recebido. ID. 99600572 – Pág. 2.

Examinando os documentos presentes nos autos, é evidente que o depósito no valor de R$2.000,00 (dois mil reais) foi efetuado na conta bancária em questão em 13/10/2020 e, posteriormente, revertido para a instituição financeira mediante o pagamento de um boleto bancário no dia subsequente, em 14/10/2020 (ID. 84751093). Fatos estes que não foram contestados pelo réu, portanto, incontroversos.

Portanto, seja devido à falta de evidência da clara intenção da autora em contratar, reforçada pela pronta restituição do montante recebido, seja pela disposição explícita no contrato que prevê a possibilidade de cancelamento da operação, desde que observadas as condições nele estabelecidas, a manutenção da contratação e os descontos subsequentes no benefício do INSS da demandante configuram-se como abusivos.

Deste modo, dado que o réu não conseguiu satisfazer o ônus de prova estipulado pelo artigo 373, II, do Código de Processo Civil, e considerando a evidente invalidade na formação do contrato em questão, torna-se imprescindível a anulação da relação jurídica impugnada nesta demanda e, por consequência, a declaração de inexistência da dívida diante da não observância dos requisitos legais, dentre eles, a vontade livre e consciente de contratar.

Face à declaração de nulidade, as partes devem retornar aos respectivos status quo anteriores. Com isso, o banco demandado deverá se abster de efetuar cobranças (presentes ou futuras) com embasamento no negócio inexistente.

Quanto ao dano moral à pessoa física, esse tem como causa a injusta violação de uma situação jurídica subjetiva extrapatrimonial, protegida pelo ordenamento jurídico através da cláusula geral de tutela de personalidade, diretamente decorrente do princípio geral de respeito à dignidade humana.

Em síntese, é o princípio da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III) que fundamenta a cláusula geral da tutela da personalidade e legitima a reparabilidade do dano extrapatrimonial. É uma nova ordem, calcada na primazia das situações existenciais sobre aquelas outras de cunho meramente patrimonial.

Inegavelmente, a cobrança ilegítima, decorrente de um contrato nulo, causou indignação e constrangimento à parte autora.

Na falta de parâmetro normativo, a jurisprudência vem se firmando no sentido de que o valor da compensação por dano moral deve ser arbitrado em termos razoáveis, não se justificando que a reparação venha a constituir-se em punição excessiva à parte que indeniza nem o enriquecimento indevido pela parte lesada.

Recomenda-se que o arbitramento deva operar-se com moderação, mas que cumpra o seu papel preventivo de dissuadir o infrator a praticar condutas futuras similares. A exemplaridade norteia o regramento do dano moral, com mais razão em situações onde o violador é poderoso e a vítima é considerada vulnerável.

I – DISPOSITIVO

Ante o exposto, julgo procedente o pedido formulado na inicial para declarar a inexistência de relação jurídica entre as partes, referente o contrato de adesão nº. G4487844 e condenar o réu a restituir os valores cobrados indevidamente no benefício do INSS da autora, cujo montante poderá ser apurado em fase liquidação, com atualização monetária pelo INPC, mais juros de 1% (um por cento) ao mês, incidentes desde a data do ilícito e com base no art. 487, I, do CPC.

Condeno, ainda, o acionado, ao pagamento de indenização por danos morais, no valor de R$ 3.000,00 (três mil reais), no prazo de quinze dias, acrescido de juros moratórios de 1% a.m., a partir da citação e correção monetária, com base no INPC, a partir da publicação (STJ, Súmula 362) desta decisão.

Por força da sucumbência, condeno o réu ao pagamento das despesas do processo e honorários de...

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