Capital - 20ª vara de relações de consumo
Data de publicação | 14 Novembro 2023 |
Gazette Issue | 3452 |
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
20ª VARA DE RELAÇÕES DE CONSUMO DA COMARCA DE SALVADOR
SENTENÇA
8126035-16.2021.8.05.0001 Procedimento Comum Cível
Jurisdição: Salvador - Região Metropolitana
Autor: Antonio Araujo Dos Santos
Advogado: Jaqueline Silva De Freitas (OAB:BA64004)
Reu: Banco Bmg Sa
Advogado: Felipe Gazola Vieira Marques (OAB:MG76696-A)
Sentença:
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
20ª VARA DE RELAÇÕES DE CONSUMO DA COMARCA DE SALVADOR
Processo: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL n.8126035-16.2021.8.05.0001 | ||
Órgão Julgador: 20ª VARA DE RELAÇÕES DE CONSUMO DA COMARCA DE SALVADOR | ||
AUTOR: ANTONIO ARAUJO DOS SANTOS | ||
Advogado(s): JAQUELINE SILVA DE FREITAS registrado(a) civilmente como JAQUELINE SILVA DE FREITAS (OAB:BA64004) | ||
REU: BANCO BMG SA | ||
Advogado(s): FELIPE GAZOLA VIEIRA MARQUES (OAB:MG76696-A) |
SENTENÇA |
I- RELATÓRIO
ANTONIO ARAUJO DOS SANTOS propôs a presente ação anulatória de contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignável contra BANCO BMG S.A, aduzindo, em síntese, o seguinte: a) é beneficiário do INSS e, por necessidade financeira, aceitou a proposta de empréstimo consignado oferecido pelo réu; b) foi informado de que as parcelas do empréstimo contratado seriam descontadas do seu benefício previdenciário; c) desconhece detalhes da avença, eis que não lhe foi fornecida cópia do instrumento contratual, nem as informações devidas à época de formação do vínculo; d) ao observar no extrato de empréstimos consignados emitido pelo INSS, observou que estava sendo descontado a Reserva de Margem Consignável; e) em momento algum o requerente solicitou os referidos serviços de cartão de crédito.
Os pedidos cumulativos estão alinhados na seguinte ordem: declaração de nulidade do contrato; liberação da margem consignável e cessação dos descontos mensais no respectivo benefício previdenciário; repetição do indébito; compensação por dano moral.
Regularmente citado, o réu opôs resistência em tempo hábil (ID. 163182515), arguindo a prescrição do direito de ação e a decadência do direito sobre o qual se funda a pretensão autoral.
No mérito, aduziu em síntese que: a) o contrato de cartão de crédito consignado entre o autor e o banco acionado foi formalizado em 2016, sob nº 41194127; b) não houve “empréstimo consignado”, mas sim a contratação de um cartão de crédito consignado, modalidade contratual completamente diversa; d) as características do cartão de crédito consignado estão bem discriminadas no instrumento contratual e o autor estava ciente de todos os termos e condições para utilização do cartão de crédito consignado; e) o autor solicitou um saque inicial no valor de 3.357,99 (três mil, trezentos e cinquenta e sete reais e noventa e nove centavos); f) entre 2018 e 2021, foram disponibilizados sete saques complementares; g) à época da celebração do contrato, o autor não possuía margem consignável liberada para a obtenção de empréstimo e por essa razão contratou o cartão; h) a reserva da margem consignada está em total consonância com a legislação vigente e prevista no contrato; i) não há qualquer abusividade na cobrança dos juros mensais contratualmente pactuados, uma vez que foram atendidos os limites estabelecidos pelo Banco Central; j) não se encontra configurado qualquer lícito contratual capaz de ensejar a responsabilidade civil do fornecedor.
Réplica no ID. 181088172.
Regularmente intimadas, as partes não manifestaram interesse na produção de outras provas.
É o relatório do essencial.
O feito comporta julgamento antecipado, na forma do art. 355, I, do CPC, pelo que passo a decidir.
II- MOTIVAÇÃO
De início, não há que se falar em caducidade do direito do Autor, posto que a pretensão deduzida em Juízo nada tem a ver com vício do produto ou do serviço.
Na verdade, o que o consumidor pretende é a intervenção judicial na autonomia privada, com o fito de modificar cláusulas contratuais que, no seu sentir, estabeleceram prestações desproporcionais.
Justifica-se tal intervenção, para restabelecer o equilíbrio contratual, na hipótese de lesão congênere à formação do vínculo, ou seja, de existência de cláusulas abusivas desde o momento da celebração do contrato, ou adesão (CDC, art. 54, caput).
A tutela específica encontra respaldo no art. 6º, V, do CDC e não se aplicam ao caso concreto os prazos decadenciais previstos no art. 26 da lei consumerista, que tratam de vícios redibitórios.
Desse modo, afasto a preliminar de decadência arguida na contestação.
Também não merece receptividade a prejudicial de mérito referente à prescrição.
O contrato em questão constitui obrigação de trato sucessivo. O termo inicial do prazo prescricional corresponde ao do encerramento de cada ciclo obrigacional, ou seja, quando cada prestação passa a ser exigível.
Aplica-se ao caso concreto o prazo quinquenal previsto no art. 27 do Código de Defesa do Consumidor, sendo certo que o despacho que ordenou a citação interrompe a prescrição (Código Civil, art. 202, I), retroagindo à data de propositura da ação (CPC, art. 240, § 1º). Vale dizer, a prescrição alcança tão somente as parcelas anteriores ao quinquênio pretérito à propositura da ação.
No mérito, a controvérsia gira em torno de suposto vício de consentimento, no momento da formação do contrato.
Alega a parte autora que foi induzida a erro, pois pretendia realizar um empréstimo consignado tradicional e não outra operação de crédito mais onerosa, da qual nem mesmo recebeu informação adequada e clara.
Dispõe o art. 138 do Código Civil que: São anuláveis os negócios jurídicos, quando as declarações de vontade emanarem de erro substancial que poderia ser percebido por pessoa de diligência normal, em face das circunstâncias do negócio.
Substancial é o erro que incide sobre a essência (substância) do ato que se pratica, sem o qual este não se teria realizado.
O erro invalidante há que ser, ainda, escusável, isto é, perdoável, dentro do que se espera do homem médio que atue com grau normal de diligência. Não se admite, outrossim, a alegação de erro por parte daquele que atuou com acentuado grau de displicência.
Ocorre que o réu exibiu o instrumento contratual (ID 163182520) com a informação expressa no seu título de que se trata de um Termo de Adesão a Cartão de Crédito Consignado, com autorização para desconto em folha de pagamento.
O contrato em questão possui cláusulas claras, de fácil compreensão, inclusive quanto à autorização de constituição de reserva de margem consignável, amortização da dívida e os encargos incidentes, não se tratando de termos obscuros ou omissos, restando atendido o dever de informação previsto no art. 6.º, inc. VI, CDC.
Ressalte-se que o empréstimo consignado comum tem normas e parâmetros que lhe são próprios (Lei n.º 1.046/1950), de modo que, à míngua de prova de indução do autor a erro, nada justifica nem autoriza a intervenção judicial para alterar a natureza do contrato entre as partes.
É certo que o CDC visa garantir os direitos e a proteção dos consumidores em suas relações comerciais, assegurando transparência, qualidade, segurança e igualdade nas transações de bens e serviços. Todavia, é imperativo que o consumidor exerça seu dever de diligência, analisando detidamente as cláusulas do contrato ao qual pretende se vincular.
Os elementos de convicção carreados aos autos não indicam o vício de consentimento alegado como causa de pedir e que possa comprometer a validade e eficácia do negócio jurídico.
Sobre o tema, vejamos o entendimento do e. Tribunal de Justiça da Bahia:
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA Quarta Câmara Cível Processo: APELAÇÃO CÍVEL n. 8055937-40.2020.8.05.0001 Órgão Julgador: Quarta Câmara Cível APELANTE: AUGUSTO NASCIMENTO DA SILVA Advogado(s): CAROLINA SANTOS RODRIGUES, CAROLINE OLIVEIRA SANTOS APELADO: BANCO BMG SA Advogado(s):JOAO FRANCISCO ALVES ROSA ACORDÃO APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C DANOS MORAIS E MATERIAIS E PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. CONTRATO DE EMPRÉSTIMO DE CARTÃO DE CRÉDITO. RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL – RMC. PREJUDICIAIS DE DECADÊNCIA E PRESCRIÇÃO. REJEITADAS. REGULARIDADE DA CONTRATAÇÃO DEMONSTRADA. AUSÊNCIA DE PROVA DE VÍCIO DE CONSENTIMENTO. ÔNUS DO CONSUMIDOR. ART. 373, I, CPC. LEGALIDADE DOS DESCONTOS. FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. INOCORRÊNCIA. APELO PARCIALMENTE PROVIDO. O prazo prescricional para reclamar vício do serviço decorrente de princípios, normas e falha no dever de informação, previsto no art. 6º, II, do CDC, é aquele previsto no art. 27 do diploma consumerista, sendo o termo inicial o último desconto no benefício/provento. Caso em que, embora o contrato tenha sido firmado em 2014, os descontos persistiram até abril de 2019, de modo que, com o ajuizamento da ação em junho de 2020, não há que se falar em decadência ou prescrição, devendo a sentença recorrida ser parcialmente reformada. Nos termos do art. 1.013, § 4º, do CPC, “quando reformar sentença que reconheça a decadência ou a prescrição, o tribunal, se possível, julgará o mérito, examinando as demais questões, sem determinar o retorno do processo ao juízo de primeiro grau”. É a hipótese dos autos. O contrato de reserva de margem consignável – RMC é modalidade prevista na Lei n.º 10.820/2003, que permite a retenção em folha de pagamento e no benefício previdenciário. Para legitimar o desconto, necessária a prova da efetiva contratação e autorização expressa do consumidor, o que foi comprovado nos autos. O vício de consentimento não se presume, recaindo o ônus da prova sobre a parte que alega. Não tendo o Autor se desincumbido do ônus de demonstrar o vício capaz de anular o negócio jurídico celebrado, não é possível invalidar o contrato, tampouco revisá-lo tendo como parâmetro modalidade de...
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