Capital - 5ª vara da fazenda pública

Data de publicação05 Maio 2022
Número da edição3090
SeçãoCADERNO 2 - ENTRÂNCIA FINAL
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
5ª V DA FAZENDA PÚBLICA DE SALVADOR
INTIMAÇÃO

8041607-67.2022.8.05.0001 Ação Popular
Jurisdição: Salvador - Região Metropolitana
Autor: Lindeval Siqueira Costa Junior
Advogado: Gabriel Victor Oliveira Fialho (OAB:BA65362)
Reu: Camara Municipal De Salvador

Intimação:

LINDEVAL SIQUEIRA COSTA JUNIOR, devidamente qualificado nos autos, por intermédio de seu advogado Gabriel Victor Oliveira Fialho (OAB/BA 65362) ingressou com Ação Popular em procedimento previsto pela Lei de n° 4.717/65 em face da CÂMARA MUNICIPAL DE SALVADOR, já qualificada nos autos.

A parte autora impugna as alterações promovidas no regimento interno da Câmara Municipal, uma vez que foi por meio delas que, no dia 29 de março de 2022, o Vereador e Presidente da Câmara de Vereadores de Salvador foi reeleito junto com outros vereadores na mesa executiva (ID 189879405).

No cabimento da ação popular, a parte autora alega perceber "que toda construção jurídica feita pela Câmara dos Vereadores fora para antecipação das eleições de 2023 e a possibilidade da mesa diretora ser reeleita de forma antecipada. Tais condutas demonstram uma violação à moralidade administrativa, também podendo se dizer que há existência de um vício pela quebra do decoro parlamentar”.

Traz, ainda que, "demonstra-se ser um ato ilegal em desrespeito ao art. 16 da Constituição Federal que determina o respeito à anterioridade eleitoral, que não é visto apenas com eleição aos mandatos eletivos, mas também internamente nos regimentos e lei orgânica do município”.

E diante de tudo relatado e exposto, o autor conclui que as alterações regimentais, assim como os atos preparatórios do pleito da mesa executiva e, até mesmo, a própria eleição é eivada de nulidade, devendo ser invalidada.

É o relatório. Decide-se.


FUNDAMENTAÇÃO

I


Compulsando os autos, verifica-se que se trata de ação popular que visa a anular alterações realizadas pela Câmara Municipal ao seu regimento interno, assim como subsequente eleição para a Mesa Executiva realizada alegadamente em conformidade com esse novo parâmetro normativo.

O propósito da ação popular é anular ato administrativo que lesou o patrimônio público bem como atentou contra a moralidade administrativa, o meio ambiente e o patrimônio histórico e cultural, nos termos enumerados no art. 5º, LXXIII, da Constituição Federal. Não é outro o entendimento do Supremo Tribunal Federal, como segue:

AÇÃO POPULAR. ABERTURA DE CONTA EM NOME DE PARTICULAR PARA MOVIMENTAR RECURSOS PÚBLICOS. PATRIMÔNIO MATERIAL DO PODER PÚBLICO. MORALIDADE ADMINISTRATIVA. ART. 5º, INC. LXXIII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. O entendimento sufragado pelo acórdão recorrido no sentido de que, para o cabimento da ação popular, basta a ilegalidade do ato administrativo a invalidar, por contrariar normas específicas que regem a sua prática ou por se desviar dos princípios que norteiam a Administração Pública, dispensável a demonstração de prejuízo material aos cofres públicos, não é ofensivo ao inc. LXXIII do art. 5º da Constituição Federal, norma esta que abarca não só o patrimônio material do Poder Público, como também o patrimônio moral, o cultural e o histórico. As premissas fáticas assentadas pelo acórdão recorrido não cabem ser apreciadas nesta instância extraordinária à vista dos limites do apelo, que não admite o exame de fatos e provas e nem, tampouco, o de legislação infraconstitucional. Recurso não conhecido.

(STF; Processo: RE 170768 SP; Órgão Julgador: Primeira Turma; Partes: WADY MUCARE E OUTROS, CARLOS EDUARDO MENDONÇA MELLUSO; Publicação: DJ 13-08-1999 PP-00016 EMENT VOL-01958-03 PP-00445; Julgamento: 26 de Março de 1999; Relator: ILMAR GALVÃO)

A primeira questão que deve ser levantada é se o ato questionado consiste em um ato administrativo. Nesse sentido, importa distinguir os atos políticos ou de governo dos atos administrativos.

Os atos administrativos são “atos jurídicos editados pela Administração Pública e sujeitos ao regime de direito público” (CUNHA JÚNIOR, 2019, p. 105), ao passo que os atos políticos ou de governo “são aqueles expedidos pelo Estado no exercício de funções tipicamente políticas, como a iniciativa de projeto de leis, a sanção, o veto, o indulto e as deliberações dos órgãos legislativos, que são atos conhecidos como “interna corporis”. Os atos políticos, na verdade, são editados pelo Estado no desempenho de funções de governo e não de Administração Pública [...]” (CUNHA JÚNIOR, 2019, p. 105).

II


O Egrégio Tribunal de Justiça do Estado da Bahia já possui precedentes no sentido de que as normas de regência das eleições para mesa diretora da Câmara Municipal são a Lei Orgânica do Município e o Regimento Interno da respectiva Câmara de Vereadores. Não se aplicam, portanto, as normas de direito eleitoral. Nesse sentido, segue transcrição:

[...]

8. Inexistindo disposição na lei orgânica do Município e no Regimento Interno da Câmara de Vereadores acerca do critério de desempate a ser aplicado na hipótese das chapas inscritas para eleição da Mesa Diretora da Casa Legislativa obterem o mesmo número de votos, é inviável falar-se em aplicação do princípio da simetria para se impor a utilização do critério etário com base no art. 77, § 5º, da Constituição Federal.

9. A eleição da diretoria da Câmara não deve observância ao art. 110 do Código Eleitoral, que traz regra de desempate para pleito referente a deputado federal, estadual e vereador.

10. Não é possível a aplicação automática de regra prevista no regimento interno de outras casas legislativas e de tribunais, no evidente intuito de favorecer candidato.

(TJBA; Processo: 0008842-32.2015.8.05.0000; Órgão Julgador: Quinta Câmara Cível; Publicação: 03/09/2015; Relator: Des. José Edivaldo Rocha Rotondano)

Esse entendimento deve ser especialmente seguido por, em regra, não caber ao Poder Judiciário imiscuir-se nos demais poderes. Essa deferência ao espaço político está expressa em diversos precedentes judiciais. Inicialmente, destaca-se o seguinte julgado do Excelso Supremo Tribunal Federal:

MANDADO DE SEGURANÇA – DENÚNCIA CONTRA O VICE-PRESIDENTE DA REPÚBLICA – IMPUTAÇÃO DE CRIME DE RESPONSABILIDADE – RECUSA DE PROCESSAMENTO POR INÉPCIA DA PEÇA ACUSATÓRIA: INSUFICIÊNCIA DOCUMENTAL E AUSÊNCIA DE DESCRIÇÃO ADEQUADA DA CONDUTA IMPUTADA AO DENUNCIADO – IMPUGNAÇÃO MANDAMENTAL A ESSE ATO EMANADO DO PRESIDENTE DA CÂMARA DOS DEPUTADOS – RECONHECIMENTO, NA ESPÉCIE, DA COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL PARA O PROCESSO E O JULGAMENTO DA CAUSA MANDAMENTAL – PRECEDENTES – A QUESTÃO DO “JUDICIAL REVIEW” E O PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES – ATOS “INTERNA CORPORIS” E DISCUSSÕES DE NATUREZA REGIMENTAL: APRECIAÇÃO VEDADA AO PODER JUDICIÁRIO, POR TRATAR-SE DE TEMA QUE DEVE SER RESOLVIDO NA ESFERA DE ATUAÇÃO DO PRÓPRIO CONGRESSO NACIONAL OU DAS CASAS LEGISLATIVAS QUE O COMPÕEM – PRECEDENTES – RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO.

(STF; MS 34099 AgR, Relator (a): Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 05/10/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-226 DIVULG 23-10-2018 PUBLIC 24-10-2018)

Em mesmo sentido, mas tratando especificamente de eleições para mesa diretora de Câmara Municipal, o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado da Bahia decidiu nestes termos:

[...]

3. As matérias interna corporis do Poder Legislativo — conceito que abarca as questões decididas pelos órgãos de direção nos limites de sua competência e apoiadas em fundamentos exclusivamente regimentais, sem qualquer conotação de índole jurídico-constitucional — são imunes à revisão pelo Judiciário, já que dizem respeito à interpretação do regimento da casa.

[...]

(TJBA; Processo: AI 8029142-68.2018.8.05.0000; Órgão Julgador: PRIMEIRA CAMARA CÍVEL; Publicação: 02/10/2019: Relator: Des. MÁRIO AUGUSTO ALBIANI ALVES JÚNIOR.

O Supremo Tribunal Federal, nesse sentido, possui firme jurisprudência de que não cabe ao Poder Judiciário avaliar os atos interna corporis, ou seja, aqueles de natureza regimental, como segue:

A possibilidade extraordinária dessa intervenção jurisdicional, ainda que no próprio momento de produção das normas pelo Congresso Nacional, tem por finalidade assegurar aos parlamentares (e a estes, apenas) o direito público subjetivo – que lhes é inerente ( RTJ 139/783) – de verem elaborados, pelo Legislativo, atos estatais compatíveis com o texto constitucional, garantindo-se, desse modo, àqueles que participam do processo legislativo (mas sempre no âmbito da Casa legislativa a que pertence o congressista impetrante) a certeza de observância da efetiva supremacia da Constituição, excluídos, necessariamente, no que se refere à extensão do controle judicial, os aspectos discricionários concernentes às questões políticas e aos atos “interna corporis” (RTJ 102/27 – RTJ 112/598 – RTJ 112/1023, v.g.).

(STF; Processo: MS 0001145-12.2017.1.00.0000 DF 0001145-12.2017.1.00.0000; Órgão Julgador: Segunda Turma; Publicação: 15/10/2020; Julgamento: 10 de Outubro de 2020; Relator: CELSO DE MELLO

Em questão similar levada a julgamento pela 2a Vara Federal Cível da Seção Judiciária do Distrito Federal do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, a sentença foi expedida nos seguintes termos:

Com efeito, foge ao controle do Poder Judiciário, quanto ao mérito, emitir juízo sobre fatos reservados privativamente ao Senado Federal. Matérias relativas à...

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