Capital - 5ª vara de relações de consumo

Data de publicação24 Março 2022
Gazette Issue3064
SectionCADERNO 2 - ENTRÂNCIA FINAL
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
5ª VARA DE RELAÇÕES DE CONSUMO DA COMARCA DE SALVADOR
SENTENÇA

8112022-12.2021.8.05.0001 Procedimento Comum Cível
Jurisdição: Salvador - Região Metropolitana
Autor: Wilson Dos Santos Silva Filho
Advogado: Joao Luiz De Lima Oliveira Junior (OAB:BA44774)
Advogado: Pedro Francisco Guimaraes Solino (OAB:BA44759)
Reu: Banco Pan S.a
Advogado: Carlos Eduardo Cavalcante Ramos (OAB:BA37489)

Sentença:

PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DA BAHIA

5ª VARA DE RELAÇÕES DE CONSUMO DA COMARCA DE SALVADOR


PROCESSO N. 8112022-12.2021.8.05.0001

AUTOR: WILSON DOS SANTOS SILVA FILHO

Advogado(s) do reclamante: PEDRO FRANCISCO GUIMARAES SOLINO, JOAO LUIZ DE LIMA OLIVEIRA JUNIOR

REU: BANCO PAN S.A

Advogado(s) do reclamado: CARLOS EDUARDO CAVALCANTE RAMOS

SENTENÇA


Vistos e examinados.

WILSON DOS SANTOS SILVA FILHO, devidamente representado em Juízo, ingressou com a presente ação contra BANCO PAN S.A., aduzindo os fatos delineados na inicial.


Aduz a parte autora que é beneficiária do INSS e que contratou junto ao banco requerido, empréstimo consignado, sendo informada de que o pagamento do saldo devedor seria realizado com os descontos mensais diretamente de seu benefício, conforme sistemática de pagamento dos empréstimos consignados.

Ocorre que para a sua surpresa tais valores foram emprestados através de cartão de crédito, do tipo RMC – Reserva de Margem Consignável, onde o valor mínimo da fatura do cartão é descontado do benefício previdenciário mensal. Detalha que passou a ter descontos mensais de R$213,71.

Salienta que na modalidade de contratação de cartão de crédito com margem consignável – RMC, não há a indicação dos termos contratados de forma transparente, o desconto em folha de pagamento varia conforme os respectivos rendimentos, é indeterminado no tempo e, além do desconto em folha, há a rolagem mensal da dívida em caso de não quitação integral da dívida.

Sustenta que em nenhum momento houve a intenção de contratação de cartão de crédito com reserva de margem consignável, muito menos a constituição da reserva de margem consignável (RMC); que a descaracterização do contrato acarreta prejuízos incalculáveis à parte autora, que jamais quitará tal operação financeira, uma vez que o pagamento mínimo não é um parcelamento, mas sim um financiamento da dívida, que sempre será prorrogado para o mês seguinte com o acréscimo de encargos abusivos.

Pugna pela declaração de nulidade do contrato, com suspensão imediata dos descontos em sua folha de pagamento e repetição do indébito, em dobro. Subsidiariamente, pede que sejam aplicados juros e encargos médios de empréstimo consignado durante o período do contrato. Requer ainda condenação da ré em danos morais.

Gratuidade de acesso à Justiça deferida e pedido liminar indeferido no id nº 145945598.

Citado, o réu apresentou a sua contestação no id nº 154823067, com preliminar de ausência de pretensão resistida.No mérito aduz não haver que se falar em ato ilícito, tendo em vista que a parte autora contratou serviços junto à ré e deles usufruiu regularmente.

A parte autora replicou no id nº 158370954.

Instados a se manifestarem acerca do interesse na produção de outras provas, a autora pugnou pelo julgamento antecipado da lide, enquanto o réu não apresentou requerimentos.

A preliminar de ausência de interesse de agir não deve prosperar.

Como é sobejamente sabido, para que se configure o interesse de agir por parte do autor, faz-se necessária a presença do binômio necessidade-adequação, vale dizer, é preciso que a prestação jurisdicional buscada seja necessária à satisfação do direito pleiteado, bem como que a via escolhida seja igualmente adequada para tanto.

A imposição da utilização da via administrativa como condição para a prestação jurisdicional configura ofensa ao princípio constitucional do livre acesso ao Poder Judiciário, consagrado no art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, conforme segue:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;

No caso concreto, mostrou-se inegável a necessidade da parte autora em comparecer às portas do Judiciário, a fim de obter a medida adequada a fim de compelir a empresa acionada a reparar o ato ilícito descrito na inicial, sendo que a análise sobre a existência ou não de tal ilicitude deve ser relegada para a avaliação meritória.

Passo a análise do mérito.

DA VIOLAÇÃO AO DEVER DE INFORMAÇÃO

É cediço que, tratando-se de relação de consumo, demonstrada a verossimilhança das alegações autorais ou sua hipossuficiência, o ônus da prova incumbe ao fornecedor dos serviços quanto à inverdade da afirmação da consumidora (artigo 6º, VIII, da Lei 8.078/90), bem como em relação à alegação de existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito alegado pela parte autora (art. 373, II do CPC/2015).

Considerando ainda a responsabilidade objetiva da empresa na prestação de serviços, diante da relação de consumo, cabe a esta a responsabilização por eventual falha, sem comprovação de culpa exclusiva do consumidor ou de terceiros nos termos do art. 14, §3º do CDC.

O desconto de forma consignada para pagamento de débitos decorrentes de cartão de crédito é permitido, conforme previsão da lei 10.820/03. Existindo valores em aberto, lícito, portanto, mediante anuência do consumidor, a utilização de 5% do valor disponível de seus rendimentos, para pagamento do mínimo da fatura.

Entretanto, imprescindível a prova de que houve inequívoca anuência do consumidor sobre os termos da contratação, inclusive sobre o saque e formas de pagamento que envolvem encargos significativos.

No caso, a autora nega a contratação de cartão de crédito com margem consignável ou qualquer outra operação de empréstimo realizada através da utilização do cartão. Informa que solicitou empréstimo consignado.

Nesse contexto, diante da verossimilhança da alegação da parte consumidora, havida ainda como hipossuficiente, caberia ao réu trazer elementos documentais/testemunhais que pudessem comprovar a regularidade do serviço contratado e a ausência de danos à parte Autora.

O réu, entretanto, não se desincumbiu do seu ônus probatório, não comprovando fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor, tampouco desconstituiu satisfatoriamente a verossimilhança trazida pelo reclamante.

O réu apenas juntou faturas não juntando o contrato firmado entre as partes.

No caso em tela, é imprescindível a prova de que houve inequívoca anuência do consumidor sobre os termos da contratação, inclusive sobre o saque e formas de pagamento que envolvem encargos significativos. Além disso, no cartão de crédito com reserva de margem consignável, são descontados do benefício previdenciário apenas os encargos do financiamento, sem amortização do saldo devedor, ao passo que, no empréstimo consignado, todos os encargos contratuais estão incluídos nos descontos efetuados do benefício previdenciário, trazendo maior transparência e previsibilidade ao mutuário.

DA READEQUAÇÃO DO CONTRATO

Cumpre destacar que o autor reconhece a solicitação de empréstimo, na forma consignada.

Portanto, uma vez reconhecida a abusividade do pacto, com fulcro no princípio da conservação do negócio jurídico, conforme o previsto no artigo 170 do Código Civil, é devida a conversão do contrato de cartão de crédito em contrato de empréstimo consignado.

Deverá haver a incidência de juros remuneratórios limitados à taxa média de mercado divulgada pelo Banco Central para empréstimos dessa modalidade, além da necessária dedução dos valores já descontados do saldo devedor.

No presente, deverá ser utilizada a taxa 20746 - Taxa média de juros das operações de crédito com recursos livres - Pessoas físicas - Crédito pessoal consignado para aposentados e pensionistas do INSS - % a.a.

Ainda, cada parcela do novo empréstimo deverá ter o valor máximo lmitado à reserva de margem consignável.

DA REPETIÇÃO DO INDÉBITO

Sobre a repetição de indébito, o art. 42, parágrafo único, do CDC estabelece que "o consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável".

Conforme entendimento pacificado no STJ, é cediço que “(...) a repetição em dobro do indébito, sanção prevista no art. 42, parágrafo único, do CDC, pressupõe tanto a existência de pagamento indevido quanto a má-fé do credor (...)”. STJ. 4ª Turma. AgRg no AREsp 196.530/SP, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 23/06/2015.

No caso, resta evidente a má-fé da instituição financeira que, diante das características da operação contratada, induziu a parte autora ao erro no momento da contratação e, mesmo ciente de que ela já tinha atingido grau de endividamento que supera sua capacidade de pagamento (ausência de margem consignável), conduziu-a à contratação de uma modalidade de crédito com maior incidência de juros do mercado, camuflado pelos benefícios de um suposto crédito consignado.

Após o recálculo com a dedução de todas as parcelas pagas, caso se apure a quitação do saldo devedor, terá a parte Autora direito à repetição de valores pagos a maior, na forma dobrada (artigo 42 do CDC), acrescido de correção monetária a partir do pagamento indevido e juros de mora de 1% ao mês a partir da citação.

DO DANO MORAL

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