Capítulo 1: A telemedicina

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Capítulo 1
A TELEMEDICINA
1.1 Breve histórico da relação médico-paciente
Historicamente, os médicos eram tratados como
sacerdotes e a cura das doenças seria consequência de um
ato religioso, divino, desprovido de qualquer conhecimento
científico pertinente9.
Nesta época, diante da completa ausência de
conhecimento sobre o funcionamento do corpo humano e
dos processos de cura correspondentes, assim como da
medicina sacerdotal estabelecida, a responsabilidade civil
dos médicos não era regulada.
O primeiro documento a tratar da responsabilidade
civil do médico foi o Código de Hammurabi (1790-1770
a.c), o qual dispunha sobre a punição nos casos de erro
9“A figura do médico, em tempos mais remotos, estava associada à noção
religiosa, mística, de curandeirismo, cuja ação era calcada em respostas
divinas e com respaldos empíricos, desprovido de qualquer fundamentação
racional. A medicina era considerada a arte de curar, não havia
conhecimento da etiologia da doença, vigorava a total inconsciência do
modo pelo qual o organismo humano reagia aos processos de cura. Por isso,
o médico era visto como um mago ou sacerdote, com poderes sobrenaturais
de cura, e não como um profissional dotado de conhecimento técnico -
científico.” (PEREIRA, Paula Moura Francesconi de Lemos. Relação
médico-paciente: o respeito à autonomia do paciente e a responsabilidade
civil do médico pelo dever de informar. Ed. LumenJuris: Rio de Janeiro,
2011, p. 5)
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médico. Para exemplicar, cumpre mencionar que o art. 218
versava que se um erro médico causasse a morte de alguém,
a mão do médico deveria ser cortada10. Percebe-se que a
culpa não era requisito para imputar a responsabilidade civil
ao médico naquela época, sendo observado apenas o risco
daquela atividade.
Mais tarde, no direito romano, a Lei das XII Tábuas
trouxe os princípios gerais da responsabilidade civil, mas,
em relação à profissão médica, somente a Lei Cornélia
passou a tratar de determinados delitos e as respectivas
penas. Todavia, a introdução do conceito de culpa apenas
foi estabelecido na Lex Aquilia de Damno, destacando os
erros médicos que poderiam ensejar a imputação da
responsabilidade.
Com o desenvolvimento da sociedade e o
surgimento das primeiras escolas médicas na Grécia, os
vestígios da visão mística sobre a medicina cederam lugar
a elementos racionais, científicos e deontológicos,
configurando-se, assim, a efetiva separação da ciência e da
religião na área médica. Essa mudança é atribuída à
Hipócrates, considerado o pai da medicina moderna, que
elaborou o Corpus Hippocrattium, coletânea de diversos
manuscritos sobre noções de medicina, que até hoje
influencia a comunidade médica11. Nesse sentido,
atualmente, ao concluir a graduação, os médicos fazem o
10 BOUZON, Emanuel. O Código de Hammurab i. 10ª ed. Editora Vozes,
2003, p. 189.
11 PEREIRA, Paula Moura Fr ancesconi de Lemos. Relação médico-
paciente: o respeito à autonomia do paciente e a responsabilidade civil do
médico pelo dever de informar, op. cit. p. 6/7.
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juramento de Hipócrates12, o que demonstra a sua
importância para a história da medicina.
Nesse tempo, o médico era considerado o
protagonista da relação médico-paciente, a decisão sobre o
tratamento do paciente era exclusiva do médico, inexistindo
qualquer participação do paciente no processo terapêutico.
Somente o médico tinha capacidade para escolher, pois
apenas o médico possuía conhecimento cientifíco para
tanto, e o paciente, em razão da sua doença, era incapaz de
manifestar qualquer decisão sobre o seu tratamento13.
12 “Eu juro, por Apolo médico, por Esculápio, Hígia e Panacea, e tomo por
testemunhas todos os deuses e todas as deusas, cumprir, segundo meu poder
e minha razão, a promessa que se segue: Estimar, tanto quanto a meus pais,
aquele que me ensinou esta arte; fazer vida comum e, se necessário for, com
ele partilhar meus bens; ter seus filhos por meus próprios irmãos; ensinar-
lhes esta arte, se eles tiverem necessidade de aprendê-la, sem remuneração
e nem compromisso escrito; fazer participar dos preceitos, das lições e de
todo o resto do ensino, meus filhos, os de meu mestre e os discípulos
inscritos segundo os regulamentos da profissão, porém, só a estes. Aplicarei
os regimes para o bem do doente segundo o meu poder e entendimento,
nunca para causar dano ou mal a alguém. A ninguém darei por comprazer,
nem remédio mortal nem um conselho que induza a perda. Do mesmo modo
não darei a nenhuma mulher uma substância abortiva. Conservarei
imaculada minha vida e minha arte. Não p raticarei a talha, mesmo sobre
um calculo so confirmado; deixarei essa operação aos práticos que disso
cuidam. Em toda casa, aí entrarei para o bem dos do entes, mantendo-me
longe de todo o dano voluntário e de toda a sedução, sobretudo dos prazeres
do amor, com as mulheres ou com os homens liv res ou escravizados.
Àquilo que no exercício ou fora do exercício da profissão e no convívio da
sociedade, eu tiver visto ou ouvido, que não seja preciso divu lgar, eu
conservarei inteiramente secreto. Se eu cumprir este juramento com
fidelidade, que me seja dado gozar felizmente da vida e da minha profissão,
honrado para sempre entre os homens; se eu dele me afastar ou infringir, o
contrário aconteça.” (Disponível em: https://www.cremesp.org.br/?siteAca
o=Historia&esc=3. Acesso realizado em 06/09/2022)
13 Por oportuno, sobre o entendimento acerca da desnecessidade do
consentimento do paciente, André Pereira Gonçalo Dias menciona que: “A
relação médicopaciente era de tipo vertical, de forma que o médico

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