Capítulo 2 - Guarda e avaliação psicológica

Páginas17-28
CAPíTulo 2
GUARDA E AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA
“Ouvir com amor é ouvir sem esperar respostas.”
Glicia Brazil
Caminho percorrido
Ultimamente ando pensativa sobre o lugar do perito. Todos esperam que o perito
dê conta da verdade, que seja capaz de dizer ‘o que realmente aconteceu’, quem está
com a razão, com quem a criança deve car, se deve pernoitar, se a criança tem con-
dições emocionais para residir em duas casas aos dois anos de idade, por exemplo.
Paradoxalmente, conclui que o lugar do não saber é o lugar do perito. O bom
perito não sabe de nada, não espera respostas. O perito-psicólogo apenas escuta. Escuta
com amor. Escuta com empatia. Coloca-se no lugar do periciando e é capaz de sentir
compaixão por ele, ainda que ele seja um pervertido daqueles de carteirinha, e que
isso reste demonstrado ao nal do estudo do caso, realizado pelo perito.
Uma pessoa se constrói ao longo da vida, ao longo do casamento e também com
o divórcio. Para construir é preciso desconstruir e isso leva tempo: uma mulher terá
que aprender a não ter marido e o marido irá aprender como é não ter esposa. E tem
uma outra questão que se soma ao luto do divórcio: o sofrimento nem sempre é só
pela perda do parceiro, mas também pela perda da família do parceiro e pelos amigos
que eram do casal. Esse é um relato bastante comum dos casais que se separam: não
sofrem tanto pela perda do parceiro, mas pela perda da instituição casamento e pela
perda do sonho de uma família.
Então, voltando à divagação do que isso tem a ver com o lugar do perito psicólo-
go: entender as razões pelas quais um pai ou uma mãe agem de tal forma com o lho
importam; entender os motivos que levaram o casal a litigar judicialmente importam;
perceber que o processo judicial tem uma função naquela família, importa.
Os momentos que mais me graticam como Psicóloga do Poder Judiciário são
quando eu me sinto instrumento de intervenção e transformação naquela família aten-
dida, na medida em que eu intervenho com uma palavra, com um olhar atento, com
um feedback sem ser aquele do lugar do suposto saber do perito, mas simplesmente,
com um “eu entendo”.
Um dia eu tive um insight: eu descobri que essa postura que eu adotava há muito
tempo, muito se parecia com a recomendação de Freud aos analistas: que eles man-
tivessem no setting terapêutico uma atenção utuante, que deixassem utuar a sua
escuta a respeito do que o paciente estava narrando, sob pena do analista invadir o
espaço íntimo e privado do inconsciente com perguntas ou demonstrando interesse
em um ponto especíco da fala do paciente. Da mesma forma, no espaço forense eu
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