Caracterização e reflexões sobre feminicídios no Estado de Santa Catarina

AutorBibiana Beck Garbero, Verônica Bem dos Santos, Adriano Beiras
CargoBacharel em Psicologia Universidade Federal de Santa Catarina, Departamento de Psicologia, Florianópolis, Brasil/Doutoranda no Programa de Pós-graduação em Psicologia, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)/Praduação e mestrado em Psicologia pela UFSC e Doutorando em Psicologia Social pela UERJ
Páginas1-21
Revista Internacional Interdisciplinar INTERthesis, Florianópolis, v. 19, p. 01-21, jan./dez. 2022.
Universidade Federal de Santa Catarina. ISSN 1807-1384. DOI: https: //doi.org/10.5007/1807-1384.2022.e86140
Artigo
Original
CARACTERIZAÇÃO E REFLEXÕES SOBRE
FEMINICÍDIOS NO ESTADO DE SANTA CATARINA
Characterization and reflections on feminicide in the state of Santa Catarina
Bibiana Beck Garbero
Bacharel em Psicologia pela Universidade
Federal de Santa Catarina,Florianópolis, Brasil
bibianabeck@gmail.com
https://orcid.org/0000-0003-3361-9857
Verônica Bem dos Santos
Doutoranda no Programa de Pós-graduação em
Psicologia, da Universidade Federal de
Santa Catarina, Departamento de Psicologia,
Florianópolis, Brasil.
veronica.bem@gmail.com
https://orcid.org/0000-0002-0003-5743
Adriano Beiras
Doutor em Psicologia Social pela
Universidade Autónoma de Barcelona, Espanha.
Departamento de Psicologia, Universidade
Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Brasil
adrianobe@gmail.com
https://orcid.org/0000-0002-1388-9326
A lista completa com informações dos autores está no final do artigo
RESUMO
Por meio deste artigo, são apresentados dados que caracterizam as ocorrências de feminicídio do ano de 2020 no Estado
de Santa Catarina. Para a caracterização do fenômeno, as informações, oriundas da Polícia Civil, foram categorizadas
de acordo com: território de ocorrência; local de ocorrência; raça/etnia das vítimas; identidade de gênero das vítimas;
existência ou não de denúncias anteriores de violência do autor contra a vítima; e ocorrência ou não de suicídio do autor
após a prática do crime. As reflexões foram produzidas com base em referenciais teóricos da psicologia social jurídica e
dos estudos de gênero, aliados a produções acadêmicas sobre a temática da violência. Como resultados, foram
identificadas especificidades no fenômeno do feminicídio nesse recorte de tempo e nesse território, que merecem atenção
para a formulação das políticas públicas de prevenção e das estratégias de investigação policial: alta ocorrência no meio
rural; prevalência de mulheres b rancas e cisgênero na cl assificação oferecida pelo sistema policial; baixa ocorrência de
denúncias por agressão anteriores à prática criminosa; e alto índice de feminicídios seguidos de suicídio do autor. Por
fim, é apresentada uma reflexão sobre como o reconhecimento do feminicídio, enquanto expressão máxima da violência
de gênero, passa por questões culturais e institucionais que precisam ser problematizadas para o alcance de políticas
efetivas de enfrentamento.
PALAVRAS-CHAVE: Feminicídio. Violência. Psicologia Social Jurídica. Estudos de Gênero. Investigação Policial.
ABSTRACT
This article presents data that characterize the occurrences of femicide in the year 2020 in the State of Santa Catarina,
Brazil. For the characterization of the phenomenon, the information, coming from the Civil Police, was categorized
according to: territory of occurrence; place of occurrence; victims' race/ethnicity; victims' gender identity; existence or n ot
of previous reports of violence by the author against the victim; and whether or not the author committed suicide after
committing the crime. The highlights were produced based o n theoretical references from legal social psychology and
gender studies, combined with academic productions on the theme of violence. As a result, specificities were identified in
the phenomenon of femicide in this time frame and in this territory, which deserve attention for the formulation of public
prevention policies and police investigation strategies: high occurrence in rural a reas; prevalence of white and cisgender
women in the classification offered by the police system; low occurrence of complaints of aggression prior to the criminal
practice; and a high rate of femicides followed by the author's suicide. Finally, a reflection is presented on how the
recognition of femicide, as the maximum expression of gender violence, goes through cultural and institutional issues that
need to be problematized to reach effective policies of confrontation
KEYWORDS: Femicide. Violence. Legal Social Psychology. Gender Studies. Police investigation.
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Revista Internacional Interdisciplinar INTERthesis, Florianópolis, v. 19, p. 01-21, jan./dez. 2022.
Universidade Federal de Santa Catarina. ISSN 1807-1384. DOI: https: //doi.org/10.5007/1807-1384.2022.e86140
1 INTRODUÇÃO
O feminicídio representa a forma mais extrema de violência contra a mulher. O termo
ganhou evidência a partir da promulgação da Lei n.° 13.104/15, conhecida como Lei do
Feminicídio, que o definiu como mortes de mulheres motivadas por razões de sexo
feminino, em casos em que um homicídio envolve violência doméstica e familiar e/ou
menosprezo ou discriminação pela condição de mulher. Com isso, o feminicídio passou a
ser considerado como circunstância qualificadora do crime de homicídio (alterando o
Decreto-Lei n.° 2.848/40 do Código Penal) e foi incluído na lista de crimes hediondos
(modificando também a Lei n.° 8.072/90). A Lei é um marco, pois diferenciar um assassinato
motivado por questões de gênero produz efeito de justiça social para as mulheres e
repercução na responsabilização do autor.
O feminicídio, enquanto um problema social, de segurança e de saúde pública, es
presente na sociedade brasileira desde muito antes de sua nomeação jurídica em 2015.
Desse modo, a promulgação da Lei é um reflexo de demandas sociais por justiça e
proteção, impulsionadas por meio dos movimentos feministas dos anos 1970 e 1980, que
às lutas contra o regime ditatorial, uniam as manifestações contra a opressão às mulheres
(LOPES, 2019). Segundo a publicação divulgada pela ONU Mulheres, “Mapa da Violência
2015: Homicídio de mulheres no Brasil”, entre os anos de 2010 e 2013 o país foi o 5º no
mundo com maior registro de homicídios de mulheres em um ranking de 83 países e, em
2015, a taxa de mulheres assassinadas era de 4,8 a cada 100 mil (WAISELFISZ, 2015).
Entre 2007 e 2017, uma análise realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(IPEA, 2019), registrou aumento de 30,7% nos homicídios de mulheres no país.
Questões de gênero são complexas, e evitar que elas sejam invisibilizadas se
configura como um dos principais desafios nas investigações dos homicídios de mulheres.
Para apoiar os profissionais envolvidos neste processo, em 2014 foi publicada uma
ferramenta didática, elaborada de maneira multidisciplinar e levando em conta padrões
internacionais e regionais de direitos humanos: o “Modelo de protocolo latino-americano de
investigação das mortes violentas de mulheres por razões de gênero
(femicídio/feminicídio)”. Para adaptar este modelo de protocolo para a realidade brasileira,
em 2016 a ONU Mulheres publicou a cartilha “Diretrizes Nacionais Feminicídio: investigar,
processar e julgar com perspectiva de gênero as mortes violentas de mulheres” (ONU

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