Carreira política e sistema partidário no Brasil entropia ou reconfiguração?

AutorLuis Felipe Miguel
CargoProfessor titular livre da Universidade de Brasília (UnB)
Páginas233-258
DOI: https://doi.org/10.5007/2175-7984.2022.e.84566
233233 – 258
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Carreira política e sistema partidário
no Brasil: entropia ou reconguração?
Luis Felipe Miguel1
Resumo
O artigo discute as mudanças no perl dos eleitos no Brasil em 2018, à luz das eleições anteriores.
Embora a carreira política no Brasil seja descrita como “porosa” e o sistema partidário seja reco-
nhecidamente maleável, uma mudança da magnitude da ocorrida na última eleição é inédita. São
analisados dados relativos a deputados federais, senadores e governadores, observando-se quesitos
como experiência política prévia e posse de diferentes tipos de recurso político, como capital fami-
liar, visibilidade na mídia, vinculação com religião organizada e participação em movimento sindi-
cal. A desorganização da disputa política a partir do golpe de 2016, com o crescimento do discurso
“antipolítica” da extrema-direita, e os novos circuitos comunicativos abertos com as novas tecno-
logias da informação e comunicação são os principais fatores explicativos do resultado de 2018.
Palavras-chave: Carreira política. Sistema partidário. Capital político. Novas tecnologias da infor-
mação e da comunicação. Extrema-direita.
1. Introdução
As eleições de 2018 indicaram um ponto de virada na política brasileira2.
Não foi só a vitória de um candidato extremista, até então gura marginal
no jogo político, para a presidência da República. A taxa de renovação do
Congresso Nacional foi ainda mais alta do que de costume. Um grande
número de novatos absolutos – pessoas sem nenhuma experiência prévia
1 Professor titular livre da Universidade de Brasília (UnB), onde coordena o Grupo de Pesquisa sobre Democracia
e Desigualdades (Demodê), e pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPq). E-mail: luisfelipemiguel@gmail.com.
2 Este artigo integra o projeto “Democracia representativa e ruptura institucional: da teoria ao Brasil”, apoiado pelo
CNPq com uma bolsa de Produtividade em Pesquisa. Agradeço as críticas e sugestões de Regina Dalcastagnè e
Túlio Pustrelo Celini. Evidentemente, continuo sendo o único responsável por eventuais equívocos e lacunas.
Carreira política e sistema partidário no Brasil: entropia ou reconguração? | Luis Felipe Miguel
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em cargos eletivos – assumiu cadeiras não apenas na Câmara dos Depu-
tados mas também no Senado Federal e nos governos estaduais, posições
que, em geral, são quase monopólio de políticos veteranos. O sistema par-
tidário voltou várias casas atrás em seu processo ainda muito deciente de
consolidação. A fragmentação das bancadas na Câmara, sempre elevada,
bateu um novo recorde, e não só no aumento na quantidade de siglas
representadas: partidos grandes minguaram, ao passo que legendas, antes
irrelevantes, passaram a constar entre as maiores.
Não é estranho que mudanças gerais no perl dos eleitos acompa-
nhem a alternância no centro do poder – no caso brasileiro, a presidência da
República. Em seu estudo sobre a Câmara dos Deputados, Leôncio Martins
Rodrigues (2006, p. 8) observa que, “pelo menos no curto prazo”, as al-
terações dependem “[...] mais dos resultados das disputas políticas que de
mudanças na estrutura da sociedade, quer dizer, de elementos externos ao
sistema político-institucional”. No entanto, a magnitude das transformações
ocorridas em 2018 excede, e muito, a de momentos anteriores (como a che-
gada do PT ao poder, em 2002, que é o foco na análise de Rodrigues).3
É possível apontar diferentes fatores para explicar tal cenário. Dois deles
parecem óbvios. Os elementos mobilizados para a deagração do golpe de
2016 – Operação Lava Jato, criminalização da política – acabaram por não
atingir apenas o PT e a esquerda; em vez disso, contaminaram todo o sistema
político, abrindo as portas tanto para o avanço da extrema-direita quanto
para uma renovação meio caótica das elites eleitorais. E agentes políticos
antes à margem souberam utilizar de forma mais efetiva os novos circuitos
de comunicação e de produção de lealdades políticas, disponibilizados pelos
novos meios eletrônicos, ao passo que aqueles que estavam mais próximos
das posições centrais do campo permaneceram acomodados às formas tradi-
cionais de campanha eleitoral e pagaram um alto preço por isso.
3 Relação de siglas: CUT – Central Única dos Trabalhadores; DEM – Democratas; MBL – Movimento Brasil Livre;
MDB – Movimento Democrático Brasileiro; OAB – Ordem dos Advogados do Brasil; PDT – Partido Democrático
Trabalhista; PMDB – Partido do Movimento Democrático Brasileiro; PPS – Partido Popular Socialista; PRB –
Partido Republicano Brasileiro; PRONA – Partido de Reedificação da Ordem Nacional; PSB – Partido Socialista
Brasileiro; PSD – Partido Social Democrático; PSDB – Partido da Social Democracia Brasileira; PSL – Partido
Social Liberal; PSOL – Partido Socialismo e Liberdade; PT – Partido dos Trabalhadores; PV – Partido Verde;
RAPS – Rede de Ação Política pela Sustentabilidade; TSE – Tribunal Superior Eleitoral.

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