Cartas de Cesare Pavese: uma confissão dos pecados

AutorFurio Jesi
Páginas97-103
doi:10.5007/1984-784X.2014v14n22p97
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CARTAS DE CESARE PAVESE
UMA CONFISSÃO DOS PECADOS
Furio Jesi
Comecei a ler o conjunto de cartas escritas por Cesare Pavese nos últimos
seis anos de sua vida, procurando nelas, sobretudo, documentos que se refe-
rem à gênese da “Coleção de estudos religiosos, etnológicos e psicológicos”,
que me dissessem algo de novo sobre as relações entre Pavese e o mito. Os
“velinos” de escritório que constituem a maior parte do epistolário 1945-50,
agora recolhido em livro, deveriam, de fato, permitir reconstruir o trabalho
de Pavese no tempo em que também decidiu imprimir seu trabalho editorial
voltado à experiência do mito e do sagrado, transferindo, portanto, ao plano
mais abertamente público e coletivo a revelação pessoal tida pela etnologia,
pela ciência do mito e pela psicologia do profundo.
Entre os textos do primeiro ano, porém, detive-me numa carta muito
secreta, enviada “a uma amiga”, em 25 de novembro de 1945, que, talvez,
ilumina a experiência religiosa e mitológica de Pavese, pelo menos no que diz
respeito aos escritos em que ele falou explicitamente de rituais e de mitos. Na-
quela carta, a palavra “mito” jamais aparece; ela é, muito mais, testemunho de
uma experiência religiosa profunda e antiga, para a qual existe uma denomina-
ção clara: confissão dos pecados. A carta-confissão constitui uma categoria
não rara das “cartas de amor”, entre as quais poderia constar a carta de Pave-
se. Esta, no entanto, reconduz de modo particularmente evidente a confissão-
carta de amor ao seu protótipo religioso, como autoacusação que determina a
expulsão do pecado e é o pressuposto da regeneração.
Na carta de 25 de novembro de 1945, Pavese chega, além do mais, a elen-
car suas culpas numa espécie de tabela que poderia ser uma paródia da téc-
nica de confissão católica; mas o tom do discurso mostra, sem equívocos, que
a paródia foi reduzida pela angústia do agora à simples função de precedente
Lettere di Cesare Pavese: una confessione dei peccati.
Publicado pela primeira vez em Uomini e idee, Napoli, ano VIII, n. 5-6, set.-dic. 1966.
Posteriormente In: JESI, Furio. Letteratura e mito. Torino: Einaudi, 1968, p. 179-186.
Tradução de Davi Pessoa Carneiro.
|boletim de pesquisa nelic, florianópolis, v. 14, n. 22, p. 97-103, 2014|

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