O Casamento entre Pessoas do Mesmo Sexo na Suprema Corte Norte-Americana: uma reflexão baseada no diálogo entre Honneth-Fraser

AutorMaria Eugenia Bunchaft
CargoUniversidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, RS, Brasil
Páginas233-267
O Casamento entre Pessoas do Mesmo Sexo na
Suprema Corte Norte-Americana: uma reflexão
baseada no diálogo entre Honneth-Fraser
The Same-sex Marriage in the U.S Supreme Court: un insight based on the
dialogue between Honneth and Fraser
Maria Eugenia Bunchaft
Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo – RS, Brasil
Resumo: Este trabalho objetiva analisar a de-
cisão majoritária no julgamento do caso Ober-
gefell v. Hodges à luz dos referenciais teóricos
desenvolvidos por Axel Honneth e Nancy Fra-
ser e seus reflexos na interpretação e na críti-
ca de posturas proativas do Poder Judiciário.
Sustenta-se que o voto de Justice Kennedy con-
templa um conjunto de discursos implícitos que
não apenas estabelecem a subordinação de sta-
tus de casais homossexuais não casados – que é
tão criticada por Fraser – mas essencializam a
identidade gay. Utiliza-se o método de indução
analítica e a análise crítica do discurso feminis-
ta. Outrossim, o trabalho também emprega a
documentação indireta.
Palavras-chave: Casamento Gay. Minorias
Gays. Reconhecimento. Direitos Fundamentais.
Abstract: This work aims to assay the majority
decision in the trial of the case Obergefell v.
Hodges in light of the theoretical framework
developed by Axel Honneth and Nancy
Fraser and its impact on the interpretation
and criticism of proactive attitudes of the
judiciary. It is argued that the vote of Justice
Kennedy includes a set of implicit discourse
that not only establish the subordination status
of homosexual unmarried couples – often so
criticized by Fraser – but essentializes the
gay identity. It uses the analytic induction
method and the analysis of critical feminist
discourse. Moreover, it also uses the indirect
documentation.
Keywords: Marriage Gay. Gays Minorities.
Recognition. Fundamental Rights.
Recebido em: 18/03/2016
Revisado em: 27/10/2016
Aprovado em: 06/11/2016
http://dx.doi.org/10.5007/2177-7055.2016v37n74p233
234 Seqüência (Florianópolis), n. 74, p. 233-268, dez. 2016
O Casamento entre Pessoas do Mesmo Sexo na Suprema Corte Norte-Americana:
uma reflexão baseada no diálogo entre Honneth-Fraser
1 Introdução
Neste trabalho tenciona-se analisar o julgamento do caso Obergefell
v. Hodges, especificamente a decisão majoritária prolatada pelo Justice
Kennedy à luz dos referenciais teóricos desenvolvidos por Axel Honne-
th e Nancy Fraser e seus reflexos na interpretação e na crítica de formas
de judicialização do Poder Judiciário que resguardam os direitos das mi-
norias Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros
(LGBT). De início, embora o presente trabalho não propugne investigar a
legitimação democrática da judicialização, é premente distinguir os con-
ceitos de judicialização e de ativismo judicial. Para Luís Roberto Barroso
(2012, p. 6), a judicialização, “[...] no contexto brasileiro, é um fato, uma
circunstância que decorre do modelo constitucional que adotou, e não um
exercício deliberado de vontade política”. Diferentemente, o ativismo ju-
dicial “[...] é uma atitude, a escolha de um modo específico e proativo de
interpretar a Constituição, expandindo o seu sentido e alcance.(BAR-
ROSO, 2012, p. 6).
Portanto, esta pesquisa se apoia na necessidade de legitimar filo-
soficamente e ao mesmo tempo criticar discursos implícitos ao voto es-
sencialista do Justice Kennedy, para que as decisões sejam efetivamente
capazes de desestabilizar o caráter patriarcal do casamento. Primeiramen-
te, pretende-se investigar os aportes teóricos de Honneth e de Fraser, para
que se possa elucidar como, a partir de fundamentações diversas, deli-
neiam o tema do reconhecimento. Propugna-se constatar os reflexos filo-
sóficos na investigação da temática da efetivação dos direitos fundamen-
tais de minorias gays e lésbicas na Suprema Corte, especificamente no
tocante ao voto de Justice Kennedy em Obergefell. Para tanto, objetiva-se
compreender a perspectiva tridimensional de Fraser e o paradigma da au-
torrealização estabelecido por Honneth, assim como sua concepção de li-
berdade social, com o intuito de verificar qual dessas teorias revela maior
alcance para potencializar a efetivação dos direitos de minorias LGBT na
Suprema Corte, desestabilizando o caráter patriarcal e excludente do ca-
samento.
Honneth (2003a), em Luta por Reconhecimento, desenvolve seus
estudos sobre o reconhecimento com base nos primeiros escritos do jo-
Seqüência (Florianópolis), n. 74, p. 233-268, dez. 2016 235
Maria Eugenia Bunchaft
vem Hegel e resgata também as contribuições da Psicologia Social de
Herbert Mead. Já em El Derecho de la Libertad, o autor preconiza que
uma sociedade justa é aquela em que as diferentes esferas sociais – esfera
íntima, mercado e Estado Democrático – efetivam a liberdade individual
(HONNETH, 2012).
Por sua vez, Fraser (2003a), em sua estrutura conceitual, teoriza
duas esferas do conflito: a esfera do reconhecimento, que seria determi-
nada pelo status social, e a esfera da redistribuição, que contemplaria os
conflitos de classe. Posteriormente, em Scales of Justice, abarca a terceira
esfera da justiça – a representação relativa ao plano político – em que
se desenvolvem as lutas pela distribuição e pelo reconhecimento. Portan-
to, o principal problema enfrentado por este trabalho questiona: em que
medida o referencial teórico dos estudiosos pode elucidar – ou criticar
– a estratégia argumentativa implícita ao voto de Justice Kennedy? O se-
gundo problema indaga: à luz da distinção estabelecida por Fraser entre
remédios afirmativos e transformativos, o reconhecimento do casamento
entre pessoas do mesmo sexo nos EUA pode transgredir o caráter patriar-
cal do matrimônio, desafiando a heteronormatividade ou os casais gays
serão transformados pela instituição do casamento com a perda de suas
autonomias?
Com efeito, seu objetivo geral consiste em analisar, à luz do debate
Honneth-Fraser, em que perspectiva tais instrumentais teóricos se mos-
tram coerentes com os desafios capazes de encarar formas de judicializa-
ção expressas no julgamento do caso Obergefell v. Hodges (ESTADOS
UNIDOS, 2015) pela Suprema Corte, criticando discursos implícitos in-
suscetíveis de desestabilizar o caráter patriarcal do casamento. Assume-
-se então como primeiro objetivo específico, a estratégia de confrontar
criticamente os subsídios teóricos de Fraser (2003a; 2003b) e de Honneth
(2003b; 2003c; 2015), constatando a relevância da dimensão deontológi-
ca do reconhecimento.
De outro lado, incorpora-se como segundo objetivo específico a
perspectiva de analisar o raciocínio essencialista do voto de Justice Ken-
nedy à luz dos referenciais de Honneth (2003b; 2003c; 2015) e Fraser
(2003a; 2003b). Por fim, tem-se como terceiro objetivo específico con-

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