Categorias de análise do mundo do trabalho e dinâmica da economia dos setores populares: aderências e disjunções

AutorGabriel Kraychete
CargoDoutorando em Políticas Sociais e Cidadania. Professor titular da Universidade Católica do Salvador. E-mail: gabriel.sobrinho@ucsal.br
Páginas196-214
Categoria s de análise do mundo do tra balho...
892
Caderno s do CEAS, Salvador, n. 239, p. 892-910, 2016.
CATEGORIAS DE ANÁLISE DO MUNDO DO TRABALHO E
DINÂMICA DA ECONOMIA DOS SETORES POPULARES:
ADERÊNCIAS E DISJUNÇÕES
Resumo
O texto problematiza a relação entre as
categorias de análise que embasam os projetos
e as ações para a inserção social pelo trabalho
e a dinâmica efetiva do cotidiano dos agentes
dos setores populares. Nesta linha, interpela as
categorias a partir de cenas da vida da
economia dos setores populares, buscando
identificar aderências e disjunções. Ao final,
sustenta a hipótese de que, numa realidade
como a brasileira, as categorias de análise
centradas no trabalho assalariado mantêm na
penumbra, ou como uma face oculta e
indefinida desse nosso capitalismo, o trabalho
e a vida cotidiana de milhões de pessoas, que
parecem compelidas, do ponto de vista
analítico, ao limbo das relações sociais,
sugerindo a necessidade de novas abordagens
teóricas e práticas voltadas para uma afirmação
cidadã do trabalho.
Palavras-chave: Trabalho. Economia dos
setores populares. Inserção social. Categorias
de análise.
Gabriel Kraychete
Doutorando em Políticas Sociais e Cida dania. Prof essor
titular da Universida de Católica do Salvador. E-mail:
gabriel.sobrinho@ucsal.br
INTRODUÇÃO
Assim, não é apena s a nossa ignorâ ncia; é também o nosso
conhecimento que nos cega.
(Edgard Morin)
Em geral, as categorias de análise utilizadas para a compreensão do mundo do
trabalho e que balizam, de um ponto de vista teórico, os projetos e as ações de inclusão social
pelo trabalho têm por referência o emprego assalariado organizado. O trabalho é usualmente
definido por oposição ao capital, reduzindo-se aquele que é o seu modo histórico no
capitalismo o trabalho assalariado. Até mesmo quando se fala em precarização, tem-se por
referência o emprego assalariado regular. Dada a centralidade da empresa capitalista e do
emprego assalariado, as demais relações de trabalho são usualmente catalogadas com a
denominação genérica de trabalho informal.
Categoria s de análise do mundo do tra balho...
893
Caderno s do CEAS, Salvador, n. 239, p. 892-910, 2016.
Tradicionalmente, as ações e os programas de inclusão pelo trabalho enfatizam as
medidas1 para a formalização do trabalho entendida como: i) inserção no mercado de trabalho
assalariado; ii) apoio ao empreendedorismo e iii) mais recentemente e muito residualmente,
apoio à economia solidária.
Este texto está organizado acerca da seguinte questão: qual a relação entre as
categorias de análise que embasam os projetos e as ações para a inserção social pelo trabalho
e a dinâmica efetiva do cotidiano dos agentes dos setores populares, ou seja, os trabalhadores
e suas famílias? A inserção social entendida como o acesso do conjunto dos trabalhadores aos
esquemas de proteção social ou, em outros termos, o reconhecimento e a garantia dos direitos
sociais pelo Estado ao conjunto dos trabalhadores.
O artigo está dividido em três itens. O primeiro, descreve “cenas da vida” que se
reportam à dinâmica dos agentes da economia dos setores populares, percebidas e
reconstruídas a partir de um ponto de vista que contém um determinado percurso teórico e
prático anterior.2 Assim, não são, nos termos de Bourdieu (2010), um ponto de partida
empírico, mas expressam um processo de síntese, um resultado que se configura na relação
teoria/prática. No item dois, destaco os conceitos e categorias de análise relacionadas ao
mundo do trabalho, as quais busco interpelar a partir das “cenas da vida”. No último item,
discuto as aderências e as disjunções entre os conceitos e a realidade social.
CENAS DA VIDA
A mulher que produz geladinho na periferia de Salvador
Uma mulher em idade adulta que produz e vende “geladinho” num bairro popular da
cidade do Salvador. Não é uma pessoa que está ingressando no mercado de trabalho agora.
Trabalha desde muito jovem, mas nunca teve um emprego assalariado com carteira assinada.
Na escola, não pôde concluir o primeiro grau. Produz e vende “geladinho” há muitos anos.
Não é um trabalho temporário, passageiro, eventual, um “bico” enquanto não consegue um
emprego assalariado. É um trabalho permanente. O local de trabalho é a sua própria
residência e os clientes são moradores do mesmo bairro. Trabalha várias horas por dia, fins de
semana, dias santos e feriados. Bens de consumo duráveis, como fogão e geladeira, para ela
também são instrumentos de trabalho. Embora sejam meios de trabalho, tem que comprá-los
1
Em geral, essas medidas abrangem ações voltadas par a a (re)quali ficação profissional, a intermedia ção de mão de obra e o
incentivo à fo rmalização de pequenos n egócios.
2
Trata-se de “cen as” que expressam uma re alidade social que tem sid o campo de atuação do pro grama de pesquisa e
extensão Econ omia dos Setores Popular es, no âmbito do Núcleo d e Estudos do Trabalho da UCSal nos últimos 15 ano s. Ver
Kraychete (20 00;2002;2015).

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT