Ações afirmativas em favor dos homossexuais: fundamentos jurídicos

AutorCelina Kazuko Fujioka Mologni/Daniela Massaro/Fernanda Emi Inagaki/Thalita Youssef
CargoMestre em Direito Negocial (UEL)/Discente do Curso de Direito da Universidade Norte do Paraná (UNOPAR)/Discente do Curso de Direito da Universidade Norte do Paraná (UNOPAR)/Discente do Curso de Direito da Universidade Norte do Paraná (UNOPAR)
Páginas15-22

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1 Introdução

A sexualidade humana, culturalmente, leva à noção de procriação, exigindo-se para tal ato a união do sexo masculino e do feminino, sendo este o modelo da família tradicional, constituída pelo casamento e pela união estável.

Contudo, no atual cenário familiar, e desde a Constituição Federal de 1988, admite-se a sua pluralidade, para além do casamento. Foi reconhecida a união estável "entre o homem e a mulher como entidade familiar", nos termos do disposto no artigo 226 § 3º da Constituição Federal. Reconheceu-se, ainda, a família monoparental, "a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes", como textua o artigo 226 § 4º da Constituição Federal, fazendo-o com a cláusula de inclusão - "também". Assim, pode-se afirmar que a partir do sentido abrangente do termo "também", não se pode excluir outra forma de entidade familiar, como a homossexual, igualmente conhecida como homoafetiva.

É o reconhecimento jurídico do afeto como valor e elemento fundante de um novo perfil da família eudemonista, voltada à realização dos interesses afetivos e existenciais de seus membros como direito fundamental de garantia à felicidade.

A família é o "locus" indispensável à realização existencial e afetiva do ser humano. Esta proteção dáse "na pessoa de cada um dos membros que a integram", nos termos do disposto no artigo 226 § 8 da Constituição Federal, vinculados entre si por laço de afeto, que confere "status" de família, merecedora da proteção do Estado.

Neste contexto constitucional, como inserir, juridicamente, a união homossexual como categoria familiar? No presente artigo, reflete-se sobre os mecanismos de proteção jurídica das uniões homossexuais, por meio de ações afirmativas, que permitem a realização de seus direitos, no âmbito do Direito de Família, de Sucessões e outros ramos. Para tanto, discutem-se os fundamentos da homossexualidade, ressaltando a sua origem, a evolução histórica e os efeitos jurídicos nas áreas de Direito.

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2 Ação Afirmativa
2. 1 Conceito e Fundamentos Jurídicos da Ação Afirmativa

A "ação" tratada no presente trabalho, denominada de "afirmativa", envolve medidas judiciais e extrajudiciais, tendentes a abolir a discriminação contra os homossexuais. Refere-se a qualquer providência que outorga e reconhece direitos aos homossexuais, como os concedidos aos heterossexuais e como se assim o fossem.

As ações afirmativas são implementadas de várias formas e tratam de aplicação de leis, regulamentos, políticas voluntárias e, sobretudo, de decisões judiciais. No presente estudo, a abordagem terá como foco as decisões judiciais decorrentes de união homoafetiva.

As ações afirmativas, porém, ultrapassam a noção do princípio da ação ou da demanda, que se refere à atribuição a qualquer cidadão ofendido em seu direito de provocar o exercício da função jurisdicional, visando à solução de conflitos, através do processo, vedada que é, em princípio, a autotutela.

Assim, a ação afirmativa pode ser utilizada como mecanismo judicial, por meio de ações, visando a obter tutela jurisdicional, bem como extrajudicial, tendo como finalidade igualar os direitos dos grupos que estão marginalizados na sociedade, por práticas discriminatórias - como é o caso dos homossexuais - conferindo-lhes direitos negados por preconceito.

Outras expressões são utilizadas como sinônimos da ação afirmativa, tais como: "discriminação positiva, discriminação reversa, ação positiva, ação corretiva, medidas compensatórias, etc." (MENEZES, 2003, p. 40).

A origem da expressão ação afirmativa está na "affirmative action" dos Estados Unidos da América, cujo termo foi consagrado pelo Presidente Kennedy na "Executive Order 1095 ao proibir qualquer discriminação na contratação de funcionários públicos com base na raça, credo, cor ou origem nacional", conforme se verá no tópico seguinte. (MENEZES, 2003, p. 41).

Quanto à semântica da ação afirmativa pode-se afirmar que:

Na tradução literal para a língua portuguesa, o termo perde um pouco de impacto, na medida em que não consegue transmitir a mesma idéia de conduta pró-ativa, presente na língua inglesa. Ao menos nesse particular, a expressão adotada pelos portugueses (ação positiva) mostra-se mais apropriada. (MENEZES, 2003, p. 52).

O tema abordado refere-se às ações judiciais, como variante da ação afirmativa, cuja finalidade é corrigir as desigualdades existentes na outorga dos direitos entre as uniões homossexuais e heterossexuais, conferindo àquelas os mesmos direitos destinados a estas, partindo-se dos princípios da isonomia e da dignidade humana e tendo como critério de análise a mesma causa e efeito das relações afetivas de ambas as modalidades de uniões.

A lei exige que haja diversidade de sexos para reconhecer a união havida fora do casamento a merecer a proteção do Estado. O afeto é o elemento identificador da família eudemonista, "que busca a felicidade individual vivendo um processo de emancipação de seus membros." (WELTER, 2003 apud DIAS, 2005, p. 48). A união homossexual não preenche este requisito da união entre o homem e a mulher, isto é, da diversidade de sexos.

Contudo, não se pode negar a existência de união entre pessoas do mesmo sexo, com a finalidade de formar família, com comunhão de esforços, produzindo deste fenômeno efeitos pessoais e patrimoniais, no âmbito do Direito de Família, como, por exemplo, direito à pensão alimentícia, à adoção, à meação na partilha de bens, com reflexo, também, no Direito das Sucessões, com reconhecimento de direitos hereditários como herdeiro, direito real de habitação e outras tutelas outorgadas em nosso ordenamento jurídico, desde que preenchidos os requisitos legais da entidade familiar e do estado de pessoa que nela ocupa seus membros, na condição de cônjuges ou conviventes.

Questiona-se, então: a falta de diversidade de sexos na união homossexual teria força jurídica para aniquilar direitos de família e sucessórios e outros de membros nela envolvidos? É jurídico situar parceiros homossexuais no âmbito do Direito das Obrigações, conferindo-lhes efeitos patrimoniais da sociedade de fato, como se sócios fossem na operação de divisão de lucros na partilha de bens, ignorando o elemento constitutivo e desenvolvimento da união - o afeto?

O ambiente de Estado Democrático de Direito tem como um dos fundamentos a dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III, Constituição Federal). Assim, inserem-se todos os cidadãos na sociedade com igualdade de condições, abolindo-se qualquer forma de discriminação.

É o direito de ter direito, inerente à condição humana, só pelo fato de ter nascido ser humano, sem distinção de qualquer natureza, "promovendo o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação," (artigo 3, IV da Constituição Federal), com objetivo de "construir uma sociedade livre, justa e solidária," (artigo 3, I da Constituição Federal).

O fundamento do princípio da isonomia - mesmo que nem todos sejam iguais, devem ser tratados como iguais - assenta-se na igualdade, que consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida em que se desigualam. Dessa forma, tratar igualmente desiguais, ou desigualmente iguais, importaria em injustiça e em violação da própria igualdade. (FERREIRA FILHO, 2002, p. 114).

Não são iguais na sexualidade os parceiros heterossexuais e os parceiros homossexuais. Mas, o elemento comum que caracteriza ambas as uniões é o mesmo - o afeto.

A causa de rompimento também tende a ser o mesmo - a extinção do afeto. Logo, a homossexualidade poderia ser tratada juridicamente igual às uniões heterossexuais.

Este é o sentido e o alcance do princípio da isonomia, inserido no artigo 5º caput da Constituição Federal.

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A igualdade formal, moldada pela igualdade fria do texto de lei, se aplicada sem levarem em conta algumas diferenças que há nos indivíduos, tende a não ser suficiente para promover a justiça. Por conseqüência, a igualdade almejada é a material, considerando-se e respeitando-se as diferenças existentes entre os cidadãos envolvidos na mesma situação fática e jurídica.

Assim, em respeito à dignidade humana dos homossexuais, reconhecendo-se a força jurídica da afetividade, que identifica o atual perfil da família, recomenda-se a aplicação, por analogia, das disposições legais que tratam do casamento e da união estável. Seriam aplicadas normas destinadas aos heterossexuais também aos homossexuais, sem discriminação quanto à diversidade ou não de sexos.

Pode-se, assim, estabelecer a isonomia e atingir o real objetivo da lei, pois é na finalidade da lei que está presente o critério de sua correta aplicação a um dado caso. Se o direito consiste em atingir os fins sociais, sua compreensão encontra-se nesses objetivos. (DINIZ, 2002, p. 165).

Os fins sociais e o bem comum inseridos no artigo 5 da Lei de Introdução ao Código Civil ("Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum") sintetizam a ética da sociabilidade humana, na vida em comunidade.

Em outras palavras, "o aplicador deverá ter por escopo a felicidade da sociedade política," nela...

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