Resolução dos conflitos familiares através da mediação e acesso à justiça

AutorCelina Kazuko Fujioka Mologni
CargoDocente do curso de Direito da Universidade Norte do Paraná (UNOPAR)
Páginas35-42

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1 Introdução

Este trabalho é resultado de pesquisa desenvolvida, tendo como objeto a abordagem do tema no contexto do Direito de Família, e com sua operacionalidade em situação conflituosa entre os membros da família, em questões práticas assistidas pelos estagiários discentes, sob a supervisão do docente, na disciplina de Prática Jurídica.

Procurou-se despertar a necessidade de trato especial em lides familiares, no contexto da humanização do direito e preservação do respeito e da dignidade humana em relação aos laços de afetividade entre os membros da família, quando do rompimento do vínculo conjugal ou de união estável.

Portanto, dois princípios estariam sendo prestigiados: o da justiça e do afeto. Na atualidade, o afeto tende a ser o fator primordial na formação de uniões, com casamento e sem casamento. Diferente era nas famílias antigas, sobretudo, nas romanas, cujos membros eram unidos em torno do fogo doméstico de casa, tendo sido, assim, a religião a causa de uniões, como se verá adiante.

Tratar-se-ão, inicialmente, as questões envolvendo o acesso à Justiça, sobretudo, da classe menos favorecida economicamente, enfocando a mediação familiar como forma alternativa de solução dos problemas decorrentes da própria estrutura do Poder Judiciário, e como forma humana de se lidar com o rompimento da conjugalidade ou união estável.

Serão abordadas as origens e notícias históricas da mediação ao longo do tempo. A partir destes dados, serão apresentados a conceituação e os aspectos gerais da mediação. Os procedimentos da técnica de mediação serão detectados, visando à realização do Direito, no seu aspecto econômico, temporal e relacional humano entre os membros da família, preservando o seu histórico, desde a sua formação até a dissolução, transcendendo à formação de novo projeto de vida, após a separação.

2 Formação e Desenvolvimento da Família ao Longo do Tempo Interesse Religioso, Patrimonialista e Eudemonista

Em tempos atuais, a realidade demonstra ser o afeto o fator determinante na formação da família, o que requer assistência especial dos envolvidos na resolução de conflitos familiares. O envolvimento de carga emocional de afeto e desafeto de seus membros tende a aumentar os conflitos no estabelecimento das cláusulas de dissolução da união, quanto à guarda e à visita dos filhos, à pensão alimentícia e à partilha de bens.

Na sociedade antiga, sobretudo, na romana e na grega, o interesse na formação de famílias girava em torno da religião, isto é, do culto aos deuses domésticos. A história registra que cada família cultuava os seus antepassados, sob a crença de que, após esta vida, com a morte, o ser humano passava para outra existência, sob a terra, para seu repouso e felicidade, para o que recebia oferendas dos vivos, como: vinho, leite, bolos e frutas, sendo os respectivos túmulos a segunda morada. Em troca dessas oferendas, os membros vivos da família pediam proteção, fertilidade no campo, prosperidade na casa e corações virtuosos. Acreditavam que, se desafortunada a alma do morto, este atormentava os vivos, enviando-lhes enfermidades, devastando-lhes as searas, ou causando medo em aparições do morto (COULANGES, 2001).

Coulanges (2001), narra este interesse religioso na formação da família na sociedade romana, que ignorava o princípio da afetividade:

O princípio da família não reside, tampouco, na afeição natural, visto que o direito grego e o romano não consideravam de modo algum esse sentimento. [...] Tendo os historiadores do direito romano observado com muita justiça que nem o nascimento nem a afeição natural constituíam o fundamento da família romana, acreditaram que tal fundamento devia se encontrar no poder paterno ou marital (p. 40).

Contudo, no Direito Romano, a autoridade do poder paterno ou marital, como era de se notar em nosso ordenamento jurídico até antes da promulgação constitucional do princípio da igualdade entre o marido e a mulher, demonstra não ter sido a causa da formação da família, e sim a religião:

O que uniu os membros da família antiga foi algo mais poderoso que o nascimento, que o sentimento e que a força física: foi a religião do fogo doméstico e dos ancestrais, a qual fez com que a família formasse um corpo nesta e na outra vida. (COULANGES, 2001, p. 40).

Assim, em torno do fogo doméstico, em cujo altar se cultuavam os antepassados, foi estabelecido o casamento na Roma Antiga.

Cumpre frisar que essa religião do fogo doméstico e dos antepassados, que era transmitida em linhagem masculina, não pertencia, contudo, unicamente ao homem: a mulher participava do culto. Como filha, assistia aos atos religiosos de seu pai; como mulher casada, àqueles de seu marido. Só por isso estimase bem o caráter essencial da união conjugal entre os antigos. Duas famílias vivem uma ao lado da outra, mas têm deuses diferentes. Em uma delas, uma jovem toma parte, desde sua infância, na religião de seu pai.

[...] Se um jovem de família vizinha a pede em casamento, trata-se para ela de algo bem diferente do que simplesmente transferir-se de uma casa para outra. Trata-se, sim, de abandonar o fogo doméstico paterno para pôr-se doravante a invocar o fogo doméstico do esposo. (COULANGES, 2001, p. 41).

Verifica-se, desta forma, que o afeto era papel secundário, ou até inexistente na formação da família romana antiga, pois o interesse girava em torno da religião do culto doméstico aos antepassados.

Na atualidade, pelas próprias vicissitudes econômicas, sociais e políticas da vida, o Direito, acompanhando a dinâmica da realidade, elegeu novos paradigmas, cujo centro é o ser humano, incluindo o interesse religioso como inerente à vida do ser humano, e não como causa da formação da família.

A partir deste posicionamento do homem, como centro dos interesses da vida, consagrou a Constituição Federal, o princípio da "dignidade da pessoa humana", como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, preconizado no art. 3, III, tendo, ainda, como um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, "promover o bem de todos, sem preconceitos

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de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação" (art. 3, IV, CF).

A tendência da atualidade, na era da pós-modernidade, é a resistência à família hierarquizada, na qual reinava o império do chefe de família na figura do homem, como paradigma do "paterfamilias" do Direito Romano. A figura da mulher era inferiorizada, em seu papel de subordinação às ordens do marido e simples colaboradora. Contudo, com o decorrer do tempo, a mulher conquistou seus direitos, reconhecidos pelo princípio da isonomia entre o homem e a mulher, estabelecendo a igualdade de direitos e obrigações pelo princípio da co-gestão e co-responsabilidade na sociedade conjugal, nos termos do art. 226, § 5º e art. 5, I, da Constituição Federal.

Nota-se, assim, a prevalência da realização do ser humano, o homem e a mulher, no pleno desenvolvimento de sua personalidade, na formação da união, sem interesse religioso, como era na sociedade antiga, sobretudo, na romana, ou patrimonialista, hierarquizada e individualista, como era na época do Estado Liberal. Nesta época, o ser humano se libertava e alcançava a plenitude do seu ser, por ser proprietário de bens. O seu patrimônio o dignificava, sendo este o centro dos interesses, em torno do qual giravam os direitos.

Pode-se afirmar que a vertente do Direito, com reflexos na formação familiar, caminhou do interesse religioso, patrimonial para a afetividade, em que parece residir a plenitude da felicidade e bem estar do ser humano em união entre o homem e a mulher. Foge, por enquanto, do âmbito do Direito de Família, no contexto do ordenamento jurídico pátrio, a união entre homossexuais, cuja análise, portanto, está excluída do presente estudo.

A Constituição Federal de 1988 veio a efetivar a finalidade da família pluralista, na sua modalidade de família com casamento, união estável e monoparental, em seu art. 226 § 1º, 2º, 3º e 4º. Em todas elas, há a presença dos laços de amor, solidariedade e do afeto entre seus membros, tanto que:

[...] atualmente, promove-se a (re)personalização das entidades familiares e o cultivo do afeto, a solidariedade, a alegria, a união, o respeito, a confiança, o amor, enfim, o projeto de vida comum, permitindo o pleno desenvolvimento pessoal e social de cada partícipe, com base em ideais pluralistas, solidaristas, democráticos e humanistas (GAMA, 2000 apud WELTER, 2002, p. 148).

No desenvolvimento da vida conjugal, projetos de comunhão de vida são traçados pela família eudemonista. Conforme Ferreira (1986, p. 734), a expressão eudemonista significa "doutrina que admite ser a felicidade individual ou coletiva o fundamento da conduta humana moral, isto é, que são moralmente boas as condutas que levam à felicidade."

Assim:

[...] a família eudemonista busca a felicidade individual, vivendo um processo de emancipação de seus membros, todos disputando espaços próprios de crescimento e de realização de suas personalidades, convertendo-se para o futuro em pessoas socialmente úteis, pois ninguém mais deseja e ninguém mais pode ficar confinado à mesa familiar (MADALENO, 2000 apud WELTER, 2002, p. 160).

Pode-se afirmar que as famílias constitucionais, a formada pelo casamento, pela união estável e a família monoparental estão voltadas "à realização espiritual e o desenvolvimento da personalidade...

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