Mudanças nas políticas públicas: a perspectiva do ciclo de política

AutorIsabela Cardoso de Matos Pinto
CargoUniversidade Católica de Salvador (UCSal). Universidade Federal da Bahia (UFBa)
Páginas27-36

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1 Introdução

Nos últimos anos, o processo de reorientação das políticas públicas do Estado brasileiro tem se pautado no direcionamento conferido à reforma do Estado pela esfera federal. No caso das políticas sociais, trata-se da redefinição da sua “missão” e das formas de gestão das organizações públicas responsáveis pela produção direta de serviços.

A área da seguridade social apresenta-se como uma das áreas onde se configuraram embates técnicos e políticos, em torno dos projetos e das estratégias de reforma, em um processo complexo que se desdobra em vários níveis de governo.

As dificuldades na implementação de novas práticas, na área da gestão governamental, têm estimulado questionamentos acerca dos fatores que influenciam o processo de decisão, formulação e implementação das políticas públicas. Em função disso, alguns estudos têm gerado uma série de modelos explicativos do processo de decisão, elaboração, implementação e avaliação das ações governamentais.

O objetivo deste artigo é apresentar o estado da arte, mapeando como o tema vem sendo tratado na literatura; particularmente, os aspectos teóricometodológicos, com uma revisão dos enfoques utilizados para explicar e compreender o processo decisório, no âmbito das políticas públicas, como essas políticas são formuladas pelo Estado e como são definidas as responsabilidades pela implementação dessas políticas, nos diversos níveis de governo. Ou seja, entender como e por que os governos optam por determinadas ações cujo impacto se dá na vida dos cidadãos.

Nesse sentido, a decisão sobre o que entra e o que sai da agenda governamental constitui o ponto de partida para a formulação das políticas públicas. Para compreender o momento de construção da agenda da política pública, especificamente o processo de tomada de decisão governamental, discuto o modelo elaborado por John W. Kingdon (1994) para a compreensão dos elementos que compõem o processo. Esse modelo teóricometodológico foi testado para analisar a ascensão de uma questão na agenda governamental e considerado adequado para a análise dos momentos de “pré–decisão” e de “decisão”, isto é, a seleção dos problemas e a escolha das alternativas de políticas que se constituem em objeto do processo decisório1.

2 O processo de formulação das políticas públicas

A incorporação de problemas na agenda dos governos, ponto de partida para a elaboração de propostas de políticas públicas e de ação governamental, envolve uma série de etapas que têm início com o “acatamento” de um assunto pelo governo, podendo-se identificar, assim, a forma como ele chega ao debate público (COSTA; MELO, 1998) e como captura a atenção dos elaboradores da política (definição da agenda), daí gerando opções de política pública. Em seguida, torna-se necessária a legitimação da decisão, momento no qual se busca apoio político dos atores envolvidos com a política pública, para a obtenção da sua aprovação. Finalmente, implementa-se a política formulada, através da operacionalização em programas e projetos pelas áreas competentes.

Nas últimas décadas, vários modelos foram desenvolvidos para ajudar a compreender o processo decisório das políticas públicas. Algumas teorias foram formuladas para tentar explicar questões como a tomada de decisão, a formulação e a implementação de políticas, podendo-se destacar a teoria da escolha racional, o incrementalismo, a análise de sistemas, o ciclo da política pública, a política da burocracia, a “coalização de defesa” e a teoria da escolha pública (KELLY; PALUMBO, 1992; SOUZA; CARVALHO, 1999).

Uma revisão preliminar da literatura sobre policy analysis permite a identificação de três dimensões da política pública: a dimensão institucional [polity] que se refere à organização do sistema político, delineada pelos sistemas legal e jurídico e pela estrutura institucional do sistema políticoadministrativo; a dimensão processual[politics]que se refere ao processo político, freqüentemente conflituoso, no que diz respeito à imposição de objetivos, aos conteúdos e às decisões de distribuição dos custos e benefícios de uma dada política pública; a dimensão material [policy], que se refere aos conteúdos concretos que envolvem a configuração dos programas políticos, aos problemas técnicos e ao conteúdo material das decisões políticas (FREY, 2000).

Basicamente de origem norte-americana, os estudos sobre policy analysis e policy making buscam entender e analisar o funcionamento da máquina estatal, tendo como ponto de partida a identificação das características das agências públicas “fazedoras de políticas”, dos atores participantes desse processo, dos mecanismos, critérios e estilos decisórios utilizados e das interrelacões entre essas variáveis (agências e atores) com as variáveis externas que influenciam o processo.

Entre as contribuições, encontra-se a teoria do ciclo das políticas públicas [policy cycle], que tenta explicar a interação entre intenções e ações, ao mesmo tempo em que busca desvendar a relação entre o ambiente social, político e econômico, de um lado, e o governo, de outro. As ações no campo da política pública e os saberes técnicos a ela associados definem-se a partir de inúmeras decisões que são tomadas e que estão permeadas por paradoxos (STONES, 1988). Essas ações partem de um conjunto de pressupostos que determinam a atribuição de responsabilidades, aPage 29 seleção dos assuntos relevantes, as alternativas a serem adotadas, a avaliação de necessidades e a determinação do público-alvo (FISHER; FORESTER, 1993).

A literatura do ciclo de política tem adquirido progressiva importância nos estudos sobre a elaboração da política pública. Vários trabalhos mencionados por Vianna (1996)indicam a evolução dos estágios de desenvolvimento dessas políticas. Autores como Kingdon (1994), Kelly e Palumbo (1992) apontam fases ou etapas que compõem o processo: a) determinação da agenda, onde a dinâmica da definição do problema é questão essencial para a compreensão da política pública; b) formulação e legitimação da política (seleção de proposta, construção de apoio político, formalização em lei); c) implementação de políticas (operacionalização da política em planos, programas e projetos no âmbito da burocracia pública e sua execução); d) avaliação de políticas (relato dos resultados alcançados com a implementação das propostas e programas de governo, avaliação dos impactos dos programas e sugestão de mudanças).

De acordo com a teoria do ciclo da política pública, o caminho seguido começa com a elaboração de uma agenda, onde interesses e propostas são colocados na “mesa” de negociações, definindo-se preferências que são adaptadas ao projeto político governamental, seguido das etapas de formulação de propostas, escolha de alternativas e implementação das políticas públicas.

As explicações acerca da incorporação de determinado item, na agenda do governo, estão baseadas nas perspectivas pluralista ou elitista. Na primeira perspectiva, pluralista, os itens da agenda provêm de fora do governo e de uma série de grupos de interesse, sendo que as questões podem alcançar a agenda, através da mobilização de grupos relevantes. Na segunda, elitista, a explicação privilegia o entendimento de que há um tipo de estabelecimento fechado dentro da determinação da agenda pelo governo, que opera através da difusão de idéias nos círculos profissionais e entre as elites que decidem ou influenciam a política pública (LUKES, 1976).

As críticas em relação à abordagem da política pública como um ciclo baseiam-se no fato de que a descrição do processo é seqüencial e ordenada, pressupondo-se que todas as alternativas são cuidadosamente discutidas para o alcance dos objetivos (modelo racional-abrangente), quando, na prática, a elaboração da política é complexa e interativa. Kingdon (1994) acrescenta às limitações da perspectiva incrementalista que pressupõe que as mudanças se dão de forma gradual, a partir da incorporação de pequenas alterações, nas políticas e nos programas, uma crítica do caráterincremental do processo. Nesse sentido, ressalta que a determinação das agendas tem mostrado uma grande quantidade de mudança não incremental.

Kingdon, principal formulador da teoria do ciclo da política pública, a qual, por sua vez, é uma variante do modelo analítico de March & Olsen denominado de garbage can [lata de lixo], rebate as críticas, afirmando que os modelos alternativos não têm as mesmas propriedades do modelo garbage can2 e não funcionam bem em vários aspectos: o ciclo de uma política pública não parece incremental ou hierárquico, ou racional ou dirigido simplesmente por força e pressão política ou localizados em simples estágios cronológicos e, sim, por força das propriedades das preferências problemáticas, tecnologias pouco claras e participação fluida. Kingdon (1994) defende um modelo probabilístico, discutido em seguida, apontando como razão, que o torna mais satisfatório do que o modelo determinístico, o reconhecimento do “resíduo randômico”, ou seja, a possibilidade de contar com o acaso na elaboração de propostas de políticas.

Apesar de suaslimitações, pesquisas produzidas a partir do referencial do ciclo da política pública (SCHNEIDER, 1971; KINGDON, 1994) têm fornecido importante ferramenta analítica, permitindo esclarecer vários pontos, relativamente obscuros, sobre como as decisões são tomadas, indicando, também, aspectos cruciais da elaboração e implementação da política pública. Ademais, esses trabalhos também iluminam a identificação dos determinantes de cada etapa do...

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