Modernização ecológica e a política ambiental catarinense

AutorCristiano Luis Lenzi
Páginas118-134

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Eu ficava observando o embarque de grossas toras de madeira de lei pelo porto de Itajaí, cidade onde nasci, e não me cansava de admirar as belezas naturais da pequena Armação de Itapocoroi, hoje pertencente ao município de Penha, onde passei bons momentos. Dessas imagens, surgiu a certeza de que era necessário compatibilizar tecnologia e meio ambiente.

Antonio Carlos Konder Reis

Introdução

Este artigo* busca realizar uma reflexão sobre a política ambiental catarinense, tomando como ponto de referência o conceito de modernização ecológica (ME). ME emergiu nos países industrializados como um novo discurso da política ambiental e, nas ciências sociais, especificamente na sociologia e na ciência política, passou a servir como meio de avaliar como países, regiões e setores produtivos estão embarcando numa nova trajetória de desenvolvimento sustentável.

Para os propósitos deste texto, usa-se a ME de um ponto de vista prescritivo , isto é, como uma perspectiva que fornece diretrizes e princípios que deveriam governar a política ambiental contemporânea. Contudo, fazem-se, ao longo do texto, várias ponderações sobre esse ponto, em razão das diferentes interpretações que surgem ao redor do conceito. Como se verá, há muitos aspectos que envolvem a política ambiental catarinense e que lembram as mudanças associadas a esse conceito. No entanto, argumenta-se que, apesar dessa aparente semelhança, as mudanças ocorridas em Santa Catarina estão distantes de muitos princípios que governam o novo discurso ambiental da ME. As razões dessa discrepância serão analisadas na segunda parte do estudo.

Teses sobre a “virada verde” catarinense

Ao longo da década de 1990, alguns jornais de Santa Catarina busca vam mostrar a emergência de uma inversão de valores, no que diz respeito às práticas ambientais dos catarinenses e, especialmente, das principais empresas do Estado. Ao mesmo tempo, essas transformações passaram a ser vinculadas às heranças culturais deixadas pelos antepassados que colonizaram a região de Santa Catarina. Não é incomum encontrar na mídia catarinense a percepção de que a região apresenta vigorosa cultura ambiental, a qual teria bases em seus colonizadores.

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O caso do Vale do Itajaí é um exemplo disso. Segundo matéria da revista Expressão , publicada na década de 90, as mudanças ambientais presenciadas por Santa Catarina teriam origem na herança cultural deixada pelos imigrantes que fundaram as primeiras colônias no estado. Segundo a revista: “Quando imigrantes europeus chegaram ao Vale do Itajaí e arredores, eles não trouxeram apenas o vírus da industrialização. Eles já tinham um embrião da visão ecológica que faz da Alemanha um dos mais fortes redutos ambientalistas mundiais” (EXPRESSÃO, 1992, p. 18).

Os fatos representativos que são apontados como exemplos dessa herança cultural distinta são vários. Eles são marcados pelas preocupações e orientações dos colonizadores das principais cidades do estado, como Hermann B. O. Blumenau, o qual foi biólogo e colonizador da cidade de Blumenau. Hermann Blumenau mostrou-se, ao longo de sua vida, fascinado pela fauna e flora de Santa Catarina. Fritz Mueller, outra figura proeminente da história do Vale do Itajaí, manteve contato ao longo de sua vida com o pai da biologia, Charles Darwin. Essa ligação direta entre a região e a preocupação com o verde é vista, em outros momentos, impregnando a cultura regional de forma mais ampla. Como visto na passagem acima, sugere-se que os colonizadores teriam deixado aos catarinenses certa sensibilidade ambiental. Essa sensibilidade poderia ser comprovada especialmente na vida privada dos descendentes da cultura germânica. Como indica a mesma revista: “O gosto pelo verde faz parte da cultura germânica. Os alemães são conhecidos pelo cuidado que têm com seus jardins” (EXPRESSÃO, 1992, p. 08).

Essa visão apresenta vários problemas. Quando extrapolada para entender as mudanças de mais longo alcance operadas no âmbito da política ambiental de Santa Catarina, essa visão é insuficiente e demasiadamente simplista. Mesmo pressupondo que esse “gosto” pelo verde possa representar uma cultura ecológica específica, não se sabe porque esse “gosto” conviveu harmoniosamente com a degradação ambiental crescente que o estado apresenta desde a metade do século XX. Essa interpretação pressupõe que as mudanças que se cristalizaram no Estado tiveram suas razões internas (cultura regional), como obra de um voluntarismo ambiental predestinado pela herança cultural (ou será genética?). Mas essa visão não é satisfatória. Afinal, pode-se perguntar: por que esse “gosto” pelo verde surgiu apenas depois que a degradação ambiental se generalizou para todo o estado? Teria sido um lapso cultural que foi rapidamente corrigido? Na década de 90, na mesma revista Stallbaum (1990, p. 07), informava que os rios da região tinham se transformado naquele período “em depósitos de espuma, manchas de óleo e cardumes mortos, pelo lançamento de toneladas de carga orgânica e dejetos industriais”.

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Como poderia uma cultura ecológica permitir que a degradação ambiental atingisse o nível que alcançou no estado, comprometendo a saúde e a vida humana? O gosto pelo verde pode dizer algo sobre a cultura privada dos catarinenses, mas não diz muita coisa sobre a política ambiental da região em seus traços mais importantes.

Para outros, a política ambiental catarinense caracterizou-se por uma debilidade institucional, que se manteve ao longo das décadas de 1970 e 80. Essa debilidade seria marcada pela “ausência crônica e persistente daqueles recursos necessários à eficácia de uma política pública quando comparada a seus objetivos formais” (BURINELLI, 1998, p. 04). Essa debilidade institucional indicaria um processo em que a política, pela falta de recursos e de estrutura, vê-se impossibilitada de concretizar os objetivos que estabelece para si mesma. Seu destino é tornar-se, portanto, uma política simbólica.

Dois conjuntos de fatores teriam contribuído para o surgimento dessa debilidade institucional. Em primeiro lugar estaria a estrutura de poder catarinense, dividida num eixo político-cultural (poder oligárquico); e, por outro lado, o predomínio do poder econômico, ou seja, as exigências e os limites impostos pelo próprio processo de acumulação capitalista no âmbito regional. A fragilidade da política ambiental, no período de 1975 a 1983, pode ser vista pelo que foi realizado. As únicas decisões tomadas no âmbito ambiental foram de cunho eminentemente conservacionista. Depois disso, de 1983 a 1991, houve pequena mudança em razão da crescente conscientização ambiental. Surgiram novos instrumentos de condução da política ambiental e a Fundação do Meio Ambiente (FATMA) viu-se fortalecida ao obter maior poder de fiscalização.

A influência do poder político parece ser clara no período inicial de funcionamento da Fatma. Primeiramente, já em sua fundação, a Fatma foi posicionada no setor econômico da estrutura do governo, gerando pouca ou nenhuma influência nessa área. Ficou, ao mesmo tempo, submetida aos interesses econômicos regionais. Augusto Batista Pereira, importante empresário do setor carbonífero, foi nomeado secretário geral da Setma, secretaria que antecedeu a Fatma, permanecendo no cargo por um curto período de tempo. Ele foi o fundador das empresas Carbonífera Treviso S.A. e Treviso Agrícola S.A., que, por coincidência, exploravam carvão no Sul de Santa Catarina desde 1941.

As conseqüências desse quadro político e econômico já se conhecem. Em razão dessa infeliz aliança, a região Sul, onde justamente as empresas carboníferas do ex-secretário atuavam, transformou-se na 14ª Área Crítica Nacional no Brasil durante o governo do presidente Figueiredo.

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Contribuiu para esse quadro também o fato de a política ambiental ser usualmente considerada área de baixo capital político. Essa área não era de muito interesse nas alianças que nasciam do processo de barganha eleitoral na política regional. As palavras de Burinelli (1998, p. 219) resumem bem a condição da política ambiental nesse período. Ela dispunha, segundo ele, de “um pequeno orçamento, baixo status político institucional” e “alto nível de conflito”.

Contudo, a idéia de debilidade institucional não parece fazer sentido no presente, pelo o que ela pressupõe. Debilidade institucional indicaria a situação em que há uma ausência crônica dos recursos necessários para garantir a eficácia de uma política pública quando examinada em perspectiva aos seus objetivos formais (BURINELLI, 1998, p. 04). No entanto, atualmente, entre as políticas promovidas pelo governo do estado, é difícil encontrar uma área que movimente a soma de recursos financeiros e humanos que são mobilizados por ela. É certo que a política ambiental tinha no passado pequeno orçamento, baixo status político institucional e alto nível de conflito. Talvez esse último fator permaneça hoje, mas será que as outras duas condições fariam ainda parte da política ambiental catarinense? Frente a esses limites, parece oportuno procurar novas referências para analisar essa nova fase.

Modernização ecológica como novo discurso da política ambiental

O conceito de modernização ecológica (ME) parece se apresentar como possibilidade para entender o que vem ocorrendo em Santa Catarina no âmbito da política ambiental. A seguir, faz-se apenas um exame bastante exploratório em direção a essa hipótese. Consideram-se aspectos gerais associados a esse discurso ambiental e, em seguida, fazem-se algumas considerações sobre as diferentes...

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