CEMIG - Prorrogação da concessão com obrigatoriedade de cindir a empresa em três (geração, transmissão e distribuição de energia) - Ausência de autorização legislativa - incompetência absoluta do governador do estado para assumir tal obrigação

AutorProf ª. Lucia Valle Figueiredo
CargoProfessora Titular de Direito Administrativo da PUC-SP. Advogada e Consultora Jurídica em São Paulo. Juíza aposentada do Tribunal Regional Federal da 3ª Região.
Páginas1-19

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OBJETO DA CONSULTA: A COMPANHIA ENERGÉTICA DE MINAS GERAIS - CEMIG sociedade de economia mista integrante da Administração Indireta do Estado de Minas Gerais, foi criada para prestar os serviços de competência da União, como concessionária dos serviços públicos federais de energia elétrica, sendo esses serviços de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica.Tais concessões foram outorgadas inicialmente por meio de decretos federais, cujo término ocorreria em diferentes datas. Depois da Constituição Federal de 1988, em obediência a suas disposições, editou-se legislação infraconstitucional regulando a matéria, Leis de n.º 8.987/95 e 9.074/95.Fazia-se, entretanto, necessária a prorrogação da concessão da COMPANHIA ENERGÉTICA DE MINAS GERAIS - CEMIG para que o serviço pudesse continuar a ser prestado regularmente. Os contratos de prorrogação tiveram seus termos e condições fixados unilateralmente pelo poder concedente, por meio da ANEEL, Agência Nacional de Energia Elétrica, representando a União e foram assinados pela Concessionária, inclusive pelo acionista majoritário, Governo do Estado de Minas Gerais, representando o acionista controlador, o então Governador à época.

Constava a seguinte cláusula no contrato em que se prorrogaram as concessões outorgadas à COMPANHIA ENERGÉTICA DE MINAS GERAISCEMIG,: Page 2

"O ACIONISTA CONTROLADOR e o SÓCIO ESTRATÉGICO obrigamse a organizar e administrar separadamente os contratos de concessão de distribuição, de transmissão e de geração; inclusive no que se refere à contabilidade, gestão de ativos e compromissos contratuais, nos seguintes prazos:

I - contábil, até 31 de dezembro de 1997;

II - ativos, compromissos contratuais e administrativos, até 31 de dezembro de 1998;

III - reorganização societária da COMPANHIA ENERGÉTICA DE MINAS GERAIS - CEMIG, até 31 de dezembro de 2000, com a constituição de empresas juridicamente independentes destinadas a explorar, separadamente, os serviços de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica de que é titular a COMPANHIA ENERGÉTICA DE MINAS GERAIS - CEMIG, preservados, em cada uma dessas empresas, os direitos e obrigações previstos no acordo de acionistas referido no preâmbulo deste contrato. (grifos nossos)

Subcláusula única - A CONCESSIONÁRIA compromete-se a implementar a limitação de contratação de suprimento de energia elétrica entre empresas pertencentes ao mesmo grupo econômico, em conformidade com a nova disciplina de caráter geral que vier a ser estabelecida".

Cumpriram-se integralmente o disposto nos incisos I e II e foram implementadas as providências internas tendentes à reorganização societária da COMPANHIA ENERGÉTICA DE MINAS GERAIS - CEMIG. Houve a separação contábil e de ativos, compromissos contratuais e administrativos, o que passou a permitir a contabilização e administração individualizada dos contratos de geração, transmissão e distribuição. Todavia, para a constituição de empresas distintas, foi criado grupo de trabalho, contratada consultora externa e identificou-se o modelo de três companhias independentes, organizadas sob a forma de subsidiária integral, para explorar separadamente os segmentos de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica.Note-se que o fundamento da cláusula era de tornar mais transparente a prestação do serviço público, sem que, entretanto, houvesse qualquer estudo ou argumento técnico (pelo menos, nacional) de que esse modelo de prestação do serviço por empresas distintas pudesse levar ao aperfeiçoamento da concessão.No entanto, não foi efetivada a transformação da COMPANHIA ENERGÉTICA DE MINAS GERAIS - CEMIG em três empresas distintas, ou seja, o inciso III da cláusula referida não pode ser cumprido no prazo determinado nos contratos, por diversas razões versadas no recurso administrativo, ao qual foi negado provimento. As razões, alegadas no pedido de prorrogação, em síntese, são as enumeradas a seguir.

  1. O Acordo de Acionistas firmado entre a COMPANHIA ENERGÉTICA DE MINAS GERAIS - CEMIG e a Southern Eletric Brasil Participações Ltda. - o denominado sócio estratégico - foi questionado em juízo e encontrava-se, até o momento, sub judice, tendo sido deferida liminarmente a suspensão da Page 3 eficácia do referido acordo. Tal fato, desde logo, inviabilizaria a mudança societária da COMPANHIA ENERGÉTICA DE MINAS GERAIS - CEMIG, pois sua configuração societária estava sendo questionada. Portanto, havia fato impeditivo para o adimplemento da cláusula contratual. De outra parte, não se poderia desconsiderar o quadro societário da COMPANHIA ENERGÉTICA DE MINAS GERAIS - CEMIG - composto de mais de 130.000 acionistas - o que dificultaria, ainda mais, a mudança em sua estrutura societária. 2. Ademais disso, acresça-se, ainda, que tal reorganização societária criaria reconhecido ônus de natureza tributária para a Companhia, podendo comprometer a geração, transmissão e distribuição de energia elétrica ou, então, onerar demasiadamente o preço da tarifa para o consumidor final. 3. A prorrogação não foi concedida pela ANEEL, que também negou o pedido de reconsideração dessa decisão, pedido este formulado pelo Governador do Estado e pela Procuradoria-Geral do Estado, no dia 23 de janeiro último, persistindo, dessa forma, o alegado descumprimento do contrato pela concessionária COMPANHIA ENERGÉTICA DE MINAS GERAIS - CEMIG, com a conseqüente aplicação de multa pelo descumprimento contratual.4. Agregue-se que a cláusula contratual, cujo implemento se pretendia, dependeria de lei para ser cumprida, em face de a COMPANHIA ENERGÉTICA DE MINAS GERAISCEMIG, concessionária, ser empresa estatal.

    Expostos os fatos, foram formulados, a seguir, os quesitos.

  2. Poderia ter sido imposta, pelo Concedente à Concessionária, a obrigação de cindir a empresa, obrigação essa cujo cumprimento depende expressamente de lei?

  3. Teria o Governador do Estado de Minas Gerais, representando o acionista controlador, competência para aceitar tal cláusula?

  4. Somente ad argumentandum pelo princípio da eventualidade, ainda que tivesse o Governador competência, quais os limites de alteração pelo Concedente de cláusulas contratuais de concessão?

    Respondemos a consulta da maneira que segue.

Parecer

Dada à exiguidade do prazo para elaboração desse parecer, uma vez que havia sido assinalada a extrema urgência, o que impediria estudo mais aprofundado, resolvemos enfrentar os tópicos mais importantes para as respostas pretendidas.

Destarte, optamos por considerar, inicialmente, o regime jurídico das empresas estatais, para, em seguida, tratarmos da obrigação imposta à Concessionária de cindir a Companhia. E, finalmente, verificaremos o limite da discricionariedade administrativa para alteração das cláusulas da concessão. Page 4

I - O regime das empresas estatais
  1. Cabe, inicialmente, breve análise das empresas estatais e de suas principais características ou, por outra, o exame, ainda que incipiente, de seu regime jurídico.

    E, necessariamente, devemos recordar que a Concessionária COMPANHIA ENERGÉTICA DE MINAS GERAIS - CEMIG é sociedade estatal, portanto, somente pode ser criada ou modificada por lei, nos termos constitucionais1.

  2. Deveras, são as empresas públicas e sociedades de economia mista autorizadas por lei para se constituírem, se extinguirem e se transformarem. Ou, por outra, se somente podem ser criadas por lei, obviamente, como corolário, somente podem ser extintas com autorização legislativa, como, também, transformadas, cindidas, etc., da mesma forma (paralelismo e formas).

    Um de seus traços característicos é que devem necessariamente perseguir o próprio escopo; isto é, criadas pelo Estado para determinado fim, encontram-se coarctadas pela finalidade definida pela lei criadora.

    É importante lembrar, a fim de que fique curialmente claro: as pessoas de direito público, como, também, as de direito administrativo, não têm vontade - como os particulares - mas, sim, competências a implementar.

    Enfatize-se: é o ente político que, por lei, autoriza a criação de ente administrativo, descentralizando competências, originariamente, detidas por ele, retirando-as, portanto, do centro, isto é, da Administração Central.

  3. Já tivemos oportunidade de averbar, em parecer dado ao próprio Governo de Minas Gerais, que a atividade administrativa é desenvolvida de maneira direta ou indireta. E' dizer, ou temos somente um centro investido de poderes, que apenas os desconcentra transferindo funções dentro da mesma estrutura, ou, então, temos pessoas distintas do centro desenvolvendo parcelas da atividade administrativa. Page 5

  4. Portanto, a Administração atuará diretamente por meio de seus órgãos e agentes, apenas desconcentrando o plexo de competências que por lei lhe são atribuídas, ou determinadas competências também por lei podem ser a ela negadas e cometidas a outros centros dotados de personalidade própria, quando, então, atuará indiretamente.

    Nesse último caso, esses entes estatais agirão em nome próprio porém sob a tutela do Estado. O regime jurídico, a que se irão submeter, dependerá, efetivamente, da lei que os criar ou autorizar sua criação.

  5. A importância de examinarmos, pelo menos, alguns traços do regime das empresas públicas e sociedades de economia mista, prende-se ao fato que, somente assim, poderemos verificar a validade ou não da cláusula imposta à Concessionária, quando da prorrogação da concessão.

    Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, ao tratar das empresas estatais, coloca, de maneira escorreita, que as pessoas jurídicas de direito privado, criadas pelo Estado, apresentam diferenças em relação às outras pessoas de direito privado, surgidas da vontade de particulares.

    Um de...

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