Os centros offshore de negociação de produtos financeiros denominados em renminbi e o by-pass institucional

AutorAlexandre Ramos Coelho
CargoSecretário do Comitê de Estudos Asiáticos e do Pacífico da International Political Science Association ? IPSA
Páginas543-575
Cadernos do CEAS, Salvador/Recife, v. 47, n. 257, p. 543-575, set./dez. 2022 | ISSN 244 7-861X
OS CENTROS OFFSHORE DE NEGOCIAÇÃO DE PRODUTOS
FINANCEIROS DENOMINADOS EM RENMINBI E O BY-PASS
INSTITUCIONAL
Offshore Centers for trading financial products entitled in renminbi and the
institutional by- pass
Alexandre Ramos Coelho
Escola de Economia da Fundação Getúlio Vargas-SP;
Instituto de Relações Internacionais (IRI)-Universidade de S ão
Paulo (USP), Brasil
Informações do artigo
Recebido em 08/11/2022
Aceito em 20/03/2023
doi>: https://doi.org/10.25247/2447-861X.2022.n257.p54 3-575
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COELHO, Alexandre Ramos. Os Centros Offshore de
negociação de produtos financeiros denominados em
renminbi e o by-pass institucional. Cadernos do CEAS:
Revista Crítica de Humanidades. Salvador/Recife, v. 47,
n. 257, p. 543-575, set./dez. 2022. DOI:
https://doi.org/10.25247/2447-861X.2022.n257.p543-575
Resumo
O objetivo principal de ste artigo é contribu ir para os estudos sobre a
internacionalização da moeda chinesa, o renminbi (RMB), por meio de
uma teoria pouco conhecid a nas Relações Internaciona is, mas adotada na
área de Direito e Desenvolvimento, qual seja, o International Inst itutional
Bypass (by-pass institu cional). Segundo Prado e Hoffman (2017), o by-
pass institucional ass emelha-se aos desvios cri ados pelos cirurgiões em
torno de uma artéria obstruída, utilizando uma nova veia retirada de o utra
parte do corpo do paciente. Nas ciências sociais, isso significa que as
autoridades governamen tais criam instituições em vez de reformar
aquelas tradicionais . Em determinados casos, por meio do desvio
institucional, os gove rnos formam novas institui ções que, na prática,
ignoram as funções daquel as que consideram disfuncionais. Depois, as
instituições “defeit uosas” acabam coexist indo, complementando ou
desaparecendo em virtude daquelas recém-criadas. Aplico a teoria do by-
pass institucional para estudar um fenômeno específ ico do processo de
internacionalização do RMB. Trata-se de inovações constituídas so b a
liderança de Pequim dent ro do sistema financeiro global. São centros
financeiros internacio nais que oferecem ativos f inanceiros, tais como
ações e títulos públicos, denominados em RMB (RMB Offshore Centers). A
minha hipótese é a de que os RMB Offshore Centers podem ser classificados
como by-pass institucional, per mitindo uma avaliação mais ap urada dos
movimentos estratégi cos realizados pela China de ntro do sistema
financeiro internacion al.
Palavras-Chave: China. Renminbi. Yuan. Finanças internacionais.
RMB Offshore Centers.
Abstract
The paper’s main objective is to contribute to studies on the
internationalization of the Chinese currency, the renminbi (RMB), through
a theory seldom used within In ternational Relations, but adopted in the
Law and Development area, which is the International Institutional Byp ass
(institutional bypass). A ccording to Prado and H offman (2017),
institutional bypas s resembles the deviations created by surgeons around
an obstructed artery, u sing a new vein taken from another part of the
patient’s body. In the social sciences, th is means that government
authorities create institu tions rather than reforming traditional ones.
Through institutional bypass, governments form new institut ions that, in
practice, bypass the fu nctions of institutio ns they consider dysfun ctional.
Afterwards, the “defective” institutions end up coexisting,
complementing, or disappearing due to these newly created. I apply the
institutional bypas s theory to study a specific institutional phe nomenon
of the RMB international ization process. These are institutional
innovations built on Beij ing's initiatives wit hin the global financial sy stem.
They are offshore financia l centers that offer financia l assets, such as
stocks and government bonds, denominated in RM B (RMB Offshore
Centers). My hypothesis is that the RMB Offshore Centers can be
classified as institution al bypass, allowing a more accurate assessment of
the strategic moves made by China within the international financ ial
system.
Keywords: China. Renminbi. Yuan. International finan ce. RMB Offshore
Centers.
Cadernos do CEAS, Salvador/Recife, v. 47, n. 257, p. 543-575, set./dez. 2022.
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Os Centros Offshore de negociação de produtos financeiros denominados em renminbi... | Alexandre Ramos Co elho
INTRODUÇÃO
Este artigo tem como objetivo principal contribuir com os estudos sobre o processo
de internacionalização da moeda chinesa, o renminbi (RMB), por meio de um conceito ainda
pouco conhecido no campo das Relações Internacionais, mas adotado na área de estudos
conhecida como Direito e Desenvolvimento, isto é, o International Institutional Bypass (by-
pass institucional). De acordo com Prado (2011) e Prado e Hoffman (2017), o by-pass
institucional assemelha-se aos desvios criados por cirurgiões ao redor de uma artéria
obstruída, usando uma veia nova retirada de outra parte do corpo do paciente. De forma
semelhante, ainda com base em Prado (2011) e Prado e Hoffman (2017), autoridades criam
instituições ao invés de reformar aquelas tra dicionais. Por intermédio do by-pass institucional,
os governos formam novas instituições que, na prática, contornam as funções daquelas por
eles consideradas disfuncionais. Após, essas instituições “defeituosas” acabam por conviver
de forma paralela, complementar ou desaparecem em virtude daquelas recém-criadas.
No caso, o conceito do by-pass institucional é aplicado, notadamente, para entender
um fenômeno institucional específico do processo de internacionalização do RMB. Os centros
financeiros offshore em relação à China continental (onshore), voltados à oferta de ativos
financeiros1 denominados em RMB (RMB Offshore Centers). Trata-se de inovações
institucionais dentro do sistema financeiro internacional,2 constituídos sob a liderança de
Pequim.
É importante ressaltar o ineditismo dessa estratégia por parte da China, pois não se
trata de avaliar institucionalmente fenômenos já ocorridos dentro da história monetária. De
1 Produtos financeiros, ativos financeiros ou simplesmente ativos, seja m eles denominados em dólares, em
renminbi ou em qualquer outra moeda, serão consi derados para os efeitos deste artigo: (i) ações negociadas ou
não em bolsas de valores; (ii) títulos de dívida, pública e corporativa (bonds); (iii) financiamentos ou
empréstimos; (iv) cotas de fundos de investimentos; (v) derivativos, tais como opções, contratos futuros e a
termo e contratos de swap; e (vi) entre outr os instrumentos financeiros negociáveis, seja em bolsas de valor es
ou não.
2 Considera-se como sistema financeiro internaci onal neste texto a rede de instituições (leis, recomendaç ões,
acordos, regras formais e informa is + organizações) que produz efeitos além das fronteiras políticas do estado-
sede de determinado centro fin anceiro internacional, interdependent es e conectadas por sistemas de depósito,
mensageria, de negociação e liquidaçã o de recursos financeiros, títulos e valores mobiliários em geral, entre
outros. Esse sistema é composto pelos mercados bancário, de câmbio, de derivativos, securitário, de ações, de
títulos de dívida ou mercado de cap itais em geral, bem como os respecti vos agentes desses mercados, tais com o
as instituições financeiras e inter mediários em geral (bancos e corretoras de valores mobi liários), trusts, fundos
de investimentos, investidores pessoas físicas e institucionais (bancos, seguradoras e fundos de in vestimento),
gestores e consultores financeiros e as companhias abertas ou fechadas, bancos de liquidação de transações
financeiras (clearings) e de cu stódia ou de depósitos de títulos e valores mobiliários (s ecurities).
Cadernos do CEAS, Salvador/Recife, v. 47, n. 257, p. 543-575, set./dez. 2022.
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acordo com a literatura de Economia Política Internacional, essa estratégia chinesa de liderar
e constituir um mercado offshore para a sua moeda, é diferente daquelas anteriormente
adotadas pelos Estados Unidos ( anos 50 com os eurodólares), Alemanha (anos 60 e 70 com o
marco alemão), Japão (anos 80 e 90 com o iene) e União Europeia (anos 2000 com o euro)
(MEDHORA, 2019; SUBACCHI, 2017; PARADISE, 2016; SOHN, 2015; COHEN, 2015; 2014).
Trata-se de um procedimento não usual e sem precedentes, pois o governo chinês procura
deliberadamente, de forma ativa, desenvolver um mercado offshore para a sua moeda,
enquanto mantém, simultaneamente, controles dos fluxos de capitais junto ao sistema
financeiro doméstico (SUBACCHI, 2017; COHEN, 2015; 2014; PRASAD E YE, 2012; FRANKEL,
2012).
Esse citado ineditismo é materializado quando os RMB Offshore Centers exercem
serviços e ofertam produtos denominados em RMB de forma semelhante a outras instituições
que realizam atividades relacionadas, dando concretude à teoria do by-pass institucional. E
quais seriam essas outras instituições consideradas ineficientes do ponto de vista chinês e que
dão causa ao surgimento dos RMB Offshore Centers? Essas “outras instituições” seriam os
centros offshore de produtos financeiros denominados em dólares, criados em meados dos
anos 50 para difundir o uso de ativos emitidos na referida moeda estadunidense (USD
Offshore Centers Exemplo: centro financeiro internacional de Londres). Para implementar da
forma mais rápida possível, o governo chinês tem atuado para que os RMB Offshore Centers
também ofertassem produtos financeiros denominados em renminbi, diferentemente do
mercado offshore com ativos em dólares, que foi desenvolvido e implementado
majoritariamente pelas organizações e agentes privados desde o final dos anos 50, quando
teve início o chamado mercado de eurodólares.
Em princípio questiona-se em que constitui, sob o ponto de vista institucional, essa
estratégia chinesa em torno do surgimento dos RMB Offshore Centers vis a vis instituições e
estruturas tradicionais que empreendem serviços equivalentes, os USD Offshore Centers.
Dessa forma, a hipótese é a de que esse movimento estratégico praticado pela China nos
mercados financeiros internacionais mediante a criação dos RMB OFCsconfigura-se em
um by-pass institucional.

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