Cipó - Vara cível

Data de publicação26 Julho 2021
Gazette Issue2907
SectionCADERNO 4 - ENTRÂNCIA INICIAL
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
1ª V DOS FEITOS DE REL DE CONS CIV E COMERCIAIS DE CIPÓ
INTIMAÇÃO

8001658-83.2019.8.05.0181 Procedimento Do Juizado Especial Cível
Jurisdição: Cipó
Autor: Pedro Antonio De Jesus
Advogado: Melquisedec Brito Da Silva (OAB:0040380/BA)
Advogado: Fernanda Lima De Queiroz (OAB:0024640/BA)
Reu: Ages Empreendimentos Educacionais Ltda
Advogado: Marcos Paulo De Carvalho Andrade (OAB:0035969/BA)

Intimação:

PROC N. 8001658-83.2019.8.05.0181

SENTENÇA

Vistos, etc.

Deixo de apresentar o relatório com fulcro no art. 38 in fine da Lei n.º 9.099/95.

PASSO A DECIDIR.

DAS PRELIMINARES

Inicialmente, deixo de acolher a preliminar de ilegitimidade passiva, uma vez que restou comprovado documentalmente o vínculo jurídico existente entre as partes desta demanda.

De igual modo, com relação à prejudicial de mérito alegada (decadência), tal não deve prosperar, porque não se trata de vício do produto ou do serviço, mas, de repetição de indébito por cobrança indevida, paga a maior, em função do que se trata de prazo prescricional, nos termos do art. 206, § 3º, IV, do CC/02.

DO MÉRITO

Evoluindo ao mérito da demanda, a responsabilidade civil adquiriu, com a Constituição Federal de 1988, status de norma constitucional, haja vista se encontrar inserta no rol dos direitos individuais, mais precisamente no art. 5º, V e X. Os arts. 186 e 927, do Código Civil, regulamentando genericamente a matéria, determinam que:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

Referidos dispositivos legais versam, em termos gerais, sobre a responsabilidade civil, que tem como requisitos configuradores, de regra: (a) ação ou omissão; (b) culpa lato sensu (dolo ou negligência, imprudência ou imperícia); (c) dano e (d) nexo de causalidade.

Segundo a doutrina e jurisprudência pátrias, a responsabilidade civil poderá ser objetiva ou subjetiva, a depender da necessidade de aferição de culpa lato sensu (imprudência, negligência, imperícia e o dolo) na conduta danosa.

No primeiro caso, há desnecessidade de verificação do requisito subjetivo que anima a conduta danosa, hipótese normativa prevista no art. 927, parágrafo único, do Código Civil. No segundo, é imprescindível a sua verificação nos autos para que seja reconhecido o dever jurídico de indenizar, situação regulada pelo art. 186, do Diploma Civilista.

A hipótese dos autos é, sem dúvida, de responsabilidade civil objetiva, por estar submetida às normas do código de defesa do consumidor.

Sabe-se que o CDC surgiu como uma legislação capaz de proteger o consumidor diante de sua vulnerabilidade e hipossuficiência, sejam de ordem econômica, técnica ou jurídica.

Sendo assim, resta claro que a parte Ré aproveita-se desta vulnerabilidade atinente ao consumidor, enquanto parte mais frágil da relação, para causar-lhe um enorme dano, conforme se depreende dos autos.

As instituições de ensino possuem autonomia administrativa no que se refere ao estabelecimento dos valores cobrados por seus serviços, contudo, o valor da mensalidade deve guardar correspondência com o serviço prestado.

Assim, o valor estipulado para a mensalidade de um aluno que cursa todas as disciplinas da grade curricular não pode ser o mesmo da mensalidade estipulada para um aluno que esteja cursando apenas uma ou duas matérias, configurando uma prática abusiva, como no caso em espeque.

Percebe-se dos autos, portanto, que a parte demandada vem agindo de forma abusiva, reiterando práticas corriqueiras nas relações consumeristas, sem levar em consideração os ditames legais e a responsabilidade civil objetiva do fornecedor de produto ou serviço.

As universidades, apesar da autonomia garantida pelo art. 207 da CR/88, sujeitam-se às normas de proteção ao consumidor, tal como previsto na Lei n.º 9.870/99.

Mostra-se abusiva a cobrança da mensalidade integral referente ao período cursado, quando o aluno não irá cursar, ou não cursou todas as disciplinas oferecidas para aquele período. Trata-se de um claro caso de enriquecimento sem causa por parte da ré.

A autonomia administrativa não é ilimitada e absoluta, encontrando restrições na ordem social, especialmente na proteção ao consumidor, como regula o inciso V do referido art. 170 da CR/88, e CDC de maneira mais especificada.

Destarte, a autonomia de gestão financeira, bem como a previsão do art. 1º da Lei n.º 9.870/99 não possibilitam a fixação de critérios de cobrança de mensalidades ou anualidades que atentem contra o ordenamento jurídica.

Vejamos o seguinte julgado abaixo:

CONSUMIDOR. ISENÇÃO. PAGAMENTO. VALOR INTEGRAL DA MENSALIDADE DE DISCIPLINAS JÁ CURSADAS.

A Turma reconheceu o direito de ex-aluno do curso de medicina a abater as mensalidades pagas à faculdade sem o desconto das disciplinas que não cursou, seja decorrente daquelas em que já fora aprovado, seja daquelas isentas em razão do curso anterior. No caso, o recorrente fora reprovado em uma matéria na segunda série e em duas matérias na terceira série, bem como fora dispensado de cursar quatro disciplinas em decorrência de ter sido discente de outra faculdade de ciências sociais, contudo teve de pagar a mensalidade integral do semestre. No entendimento do Min. Relator, não é razoável exigir que o aluno pague o valor total da mensalidade, pois não há equivalência na contraprestação da recorrida, na medida em que a carga horária não é proporcional ao valor cobrado. Tal conduta fere a boa-fé objetiva, que deve reger a ação das partes da relação contratual. Destarte, a previsão contratual e/ou regimental que imponha o pagamento integral da mensalidade, independentemente do número de disciplinas que o aluno cursar, mostra-se abusiva por trazer vantagem unilateral excessiva para a fornecedora de serviço educacional. Precedentes citados: REsp 334.837-MG, DJ 20/5/2002; AgRg no Ag 906.980-GO, DJ 22/10/2007, e AgRg no Ag 774.257-MG, DJ 16/10/2006. REsp 927.457-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 13/12/2011.

Neste sentido, a parte requerida não trouxe aos autos provas que justificassem sua prática abusiva nas cobranças perpetradas sobre a integralidade daquele semestre, diante da vulnerabilidade do consumidor.

Entendo, portanto, que houve conduta danosa pela parte ré, o que gera o seu dever de indenização material e/ou moral.

DA QUANTIFICAÇÃO DOS DANOS MATERIAIS E MORAIS

A Constituição Federal, em seu art. 5º, V, parte final, assegura a indenização por dano material, moral ou à imagem. O art. 186, do Código Civil autoriza o ressarcimento do dano suportado, ainda que exclusivamente moral. E, por fim, a Lei Ordinária Federal nº 8.078/90, prevê como direito básico do consumidor a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos.

A indenização por danos morais não tem o condão de reparar o resultado lesivo. Porém, possui a característica inexorável de amenizar os efeitos causados, proporcionando à vítima meios alternativos para atenuá-los.

Contudo, uma vez configurado o dever de indenizar, embora árdua a tarefa do magistrado na quantificação do dano, deve-se observar critérios de razoabilidade e proporcionalidade, circunstâncias que somente podem ser aferidas através do caso concreto, de modo que importa atentar à situação patrimonial das partes.

Com efeito, a indenização não deve ser objeto de mera conjectura fática. Há de se considerar que a reparabilidade não pode ser fútil perante o poder aquisitivo dos postulantes.

Ademais, a quantificação do dano deve estar atrelada ao caráter repressor do processo indenizatório, no intuito de prevenir novas condutas ilícitas que, no caso sub judice, equivale à cautela nas relações de consumo, razão pela qual a quantia indenizatória não pode ser ínfima com relação ao patrimônio da parte requerida a ponto de não prevenir danos futuros.

No que concerne ao dano material com o pedido de ressarcimento do valor pago, impende considerar que o pedido merece total procedência, uma vez que o autor cursou o máximo de disciplina disponibilizado pela ré, por falha desta.

DO DISPOSITIVO:

JULGO PROCEDENTES os pedidos autorais para:

.

1) CONDENAR a parte Ré a pagar à parte autora, a título de restituição, na forma simples, o valor de R$ 6.149,79 (seis mil, cento e quarenta e nove reais e setenta e nove centavos), acrescido de correção monetária contada a partir do ato ilícito, segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e juros moratórios no percentual de 1% a.m., desde a citação (responsabilidade contratual), conforme súmula 43 do STJ, arts. 405 e 406, ambos do CC/02 e art. 240 do CPC;

2) CONDENAR a parte demandada a pagar à parte autora, a título de dano moral, a quantia de R$ 4.000,00 (quatro mil reais), acrescida de correção monetária contada a partir da data desta sentença, segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e juros moratórios no percentual de 1% a.m., desde a citação, conforme súmula 362 do STJ, arts. 405 e 406, ambos do CC e art. 240 do CPC, ao passo em que extingo o processo, com resolução de mérito, nos termos do art. 487, I, do CPC.

Sem custas e honorários advocatícios, nos termos do art. 55 da Lei n.º 9.099/95.

Certificado o trânsito em julgado da sentença e feito o pagamento pela...

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