Classificação da posse

AutorRogério Ribeiro Domingues
Ocupação do AutorAdvogado. Professor de Direito Civil da Universidade Cândido Mendes. Ex-Professor de Direito Civil da Universidade Estácio de Sá
Páginas195-239
195
CLASSIFICAÇÃO DA POSSE
Rogério Ribeiro Domingues1
Resumo: Este estudo tem por objeto a classificação da posse, com o exame de
sua legitimidade e dos vícios que a maculam. Busca também analisar o que é
justo título, necessário à boa-fé, o momento em que cessa a boa-fé, sua relação
com a função social da posse e, por fim, aborda a distinção en tre posse nova e
posse velha.
Palavras-chave: Posse legítima e ilegítima. Posse justa e injusta. Posse de boa
e de -fé. Justo título e erro de direito. Posse nova e posse velha.
CLASSIFICATION DE LA POSSESSION
Résumé: Cette étude a pour objet la classification de la possession, avec
l’examen de sa légitimité et des vices qui l’entachent. L’étude recherche
également à analyser le juste titre, nécessaire à la bonne-foi, le moment qu’ele
cesse, son rapport avec la fonction sociale de la possession et, finalement,
examine la distinction entre la possession nouvelle et la possession vieille.
Mots-clés: Possession légitime e ilégitime. Possession juste et injuste.
Possession de bonne-foi et de mauvaise-foi. Juste titre et erreur de droit.
Possession nouvelle et possession vieille.
INTRODUÇÃO
Nossa experiência de mais de quatro décadas no magistério nos fez ver
a confusão que causa classificar a posse em justa e injusta e de boa- e de -
fé sem preliminarmente abordar sua legitimidade e ilegitimidade, como faremos
neste estudo. Procuramos com isso facilitar o entendimento do tema, já que
1 Advogado. Professor de Direito Civil da Universidade Cândido Mendes. Ex-Professor de
Direito Civil da Universidade Estácio de Sá.
196
vários doutrinadores fazem assertivas incorretas por conta de que a denominada
posse justa, ao contrário do sentido do adjetivo justo, refere-se à posse adquirida
de forma contrária ao direito.
A título de ilustração lembramos que o extraordinário jurista Orlando
Gomes, citando Lafayette, define a posse justa como “aquela cuja aquisição não
repugna o Direito” 2. Essa mesma afirmação faz Carlos Roberto Gonçalves,
acrescentando ser ela isenta de vícios3. Também Clóvis Beviláqua comete a
mesma imprecisão ao dizer que “justa é posse que não for violenta, clandestina
ou precária. É a definição do Código Civil, que a recebeu de Lafaiette, e é clara
e compreensiva, porque, excluindo os vícios comuns da posse, apresenta a
relação jurídica em sua pureza, isto é, legitimamente fundada” 4.
Paulo Nader, com sabedoria, consigna que a terminologia adotada, ou
seja, o binômio justo e injusto, não é a mais adequada, lembrando que justo
“consiste em dar a cada um o que lhe é devido” 5. Já Pontes de Miranda6, com
precisão, adverte que ser justo é proceder conforme o direito, o que supõe
juridicidade no mundo do direito, lembrando que não se pode confundir posse
justa com posse de boa-, tampouco posse injusta com posse de má fé.
POSSE LEGÍTIMA E ILEGÍTIMA
Com efeito, a posse pode ser adquirida sem os vícios da violência, da
clandestinidade e da precariedade, tendo o esbulhador que a adquiriu plena
consciência de sua ilegitimidade, sendo sua posse justa e de má fé, ou seja,
ilegítima.7 Pode ser ilegítima até mesmo sendo justa e de boa-, se o possuidor
2 GOMES, Orlando. Direito Reais. 8ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983. Cap. III - 22, p. 36.
3 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. 11ª ed. São Paulo: Saraiva, 2016. v. 5.
Cap. II- 4, p. 85-86. Posse justa, destarte, é aquela isenta de vícios, aquela que não repugna ao
direito, por ter sido adquirida por algum dos modos previstos na lei, ou, segundo a t écnica
romana, a posse adquirida legitimamente, sem vício jurídico externo (“nec vim, nec clam, nec
precário”).
4 BEVILÁQUA, Clóvis. Direito da s Coisas. 5 ª ed. - atualizada por José de Aguiar Dias. Rio de
Janeiro: Forense, [s/d.]. v. I. Cap. II - § 15, p. 45-46.
5 NADER, Paulo. Curso de Direito Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2006. v. 4. Cap. III - 21, p. 56.
6 MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado do Dir eito Privado. 3ª ed. Rio de Janeiro:
Borsoi, 1971. Tomo X. Cap. II - § 1077-1, p.120.
7 Gonçalves (Op. Cit. Cap. II - 4, p. 88), invocando Marcus Vinícius Rios Gonçalves, assim se
expressa: Nessa trilha, as severa Marcus Vinícius R ios Gonçalves que, se o Código
Civil limita sse os vícios da posse àquel es três, chegar -se-ia à conclusão de que o que esbulhou
a céu aberto, sem empregar violênci a, ou sem abusar da confiança, não tornou vicio sa a posse
que adquiriu.
197
a adquirir sem os mencionados vícios e sem saber de sua ilegitimidade, como
ocorre quando é adquirida de quem não é dono e se passa por proprietário, com
o registro imobiliário pertinente, que firma presunção “juris tantum”de
domínio.
Justino de Andrade8, tratando da posse ilegítima no direito romano,
inclui a posse injusta, o que deixa clara a possibilidade de haver posse ilegítima
sem ser injusta, o que não foi assimilado por muitos dos doutrinadores
modernos.
Portanto, as classificações da posse em justa e injusta e de boa- e de
má fé, pertinem à posse ilegítima, contrária ao direito, pois a posse legítima é
sempre justa e de boa-, não carecendo dessas classificações.
DOS VÍCIOS
Os vícios que inquinam a posse, melhor dizendo, o possuidor, são de
duas espécies: objetivos e subjetivos; os primeiros geram a classificação da
posse em justa e injusta; os segundos constituem a classificação em boa- e má
fé.
POSSE JUSTA E INJUSTA
Sem nos abstrairmos do fato de que estamos tratando da posse
ilegítima, ou seja, contrária ao direito, justa é a posse, nos termos do artigo
1200, do Código Civil, que não for violenta, clandestina ou precária. Logo, a
contrario sensu”, injusta é a posse que contiver qualquer desses três vícios. A
violência e a clandestinidade surgem no momento da aquisição da posse, ao
passo que a precariedade ocorre em um momento posterior, em que uma posse
justa, possivelmente legítima, se transforma em injusta e, por consequência, em
ilegítima também. O esbulho pode ocorrer sem a presença desses vícios, como
Nada mais absurdo, porém, aduz o a ludido autor, acrescentando que o dispositivo em apreço,
ao enu merar os v ícios da posse, não esgotou as possibilidades pelas quais uma posse torna-se
viciosa. Mais simples seria, pois, dizer que posse vicios a quando ho uve esb ulho,
considerando tal expressão com a tomada de posse não permitida, nem autori zada. Inegáv el,
portanto, que o q ue invade, ainda que a céu aberto , e sem incorrer em nenhuma das hipóteses
do art.48 9, do Código C ivil (de 1916; CC/2 002: art. 1200 ), ainda assim terá praticado esbulho,
e ainda assim terá contaminado a po sse por ele adquirida, em relação ao anterio r proprietário.”.
8 ANDRADE, Justino de. Da Posse Comp. São Paulo: Monteiro Lobato, 1924. (Caderno de
Aulas organizado por Sebastião de Lacerda). Cap. XXI, p. 119: “Era especialmente illeg itima ou
injusta a posse eivada de vicio na acquisição, “vitium possessionis”, como a posse adquirida com
violencia, dólo ou abuso de concessão precaria, vis, clam et precária”.

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT