Novos aspectos da responsabilidade do estado: por comportamento omissivo ou comissivo do legislador

AutorProf. Daniel Ferreira
CargoProfessor de Direito Administrativo das Faculdades Integradas Curitiba. Advogado e Consultor Jurídico em Curitiba. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Administrativo e do Instituto dos Advogados do Paraná.
Páginas1-9

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I Agradecimento

Exmo. Sr. Prof. Doutor SÉRGIO FERRAZ, DD. Presidente deste Painel; Ilmos. Srs. Profs. PAULO GARRIDO MODESTO e PAULO ROBERTO FERREIRA MOTTA - colegas painelistas: é com muita honra que tomamos assento neste plenário junto com personalidades tão ilustres e diante desse público mais do que seleto... o que desde logo demonstra o equívoco do convite a nós formulado.1

Referida situação só pode ser fruto da bondade ingênua de nosso mestre de sempre, o Prof. Doutor CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, ou, por outra, deve ser tido como forma ímpar, e pública, de castigo, de sanção, pelo trabalho recentemente imposto quando da orientação e posterior argüição de nossa dissertação de mestrado.

Todavia, como bondade ingênua ou como merecido castigo, só nos é dado agradecer a oportunidade, o que fazemos de pronto, muito embora talvez tivesse sido mais salutar ter declinado do convite pela dificuldade do tema a ser analisado: a responsabilidade do Estado-Legislador ou, dito de outra forma, a responsabilidade do Estado por comportamento comissivo ou omissivo do legislador. Page 2

II Delimitação do tema

Antes de mais nada, oportuno delimitar nosso objeto de estudo, qual seja a responsabilidade dos agentes públicos pelo exercício da função legislativa, aqui compreendida como o "dever-poder outorgado aos agentes legitimamente constituídos de inovar a ordem jurídica com caráter ex novo, primário, tendo por limites apenas os ditames expressos e implícitos constantes da Carta da República".

É claro que também poderíamos adentrar em seara diversa, atinente a outras atribuições constitucionalmente acometidas aos parlamentares, tal qual infelizmente e rotineiramente se tem presenciado no que concerne às Comissões Parlamentares de Inquérito. Contudo, limitar-nos-emos à questão primordial: verificar se uma Lei pode efetivamente causar dano a alguém e, em sendo o caso, se deve ser, ou não, a justa recomposição do dano.

Antes de tudo ...

III Uma questão de ordem

Sem olvidar das lições de HOSPERS, nesta exposição trataremos da recomposição dos danos causados ao patrimônio de terceiros pelo fato das leis, quando juridicamente possível, empregando, indistintamente, os signos indenização, reparação e ressarcimento.

Entretanto, na época oportuna, será efetuada a necessária diferenciação entre as situações decorrentes de atos legislativos inconstitucionais dos constitucionais e, dentre estes, daqueles que ensejam condicionamento de direitos dos que importam em reais sacrifícios.

De igual forma não nos furtaremos a discorrer acerca dos danos decorrentes da inconstitucional inércia dos parlamentares. Essa, com certeza, a pior faceta da responsabilidade do Estado-Legislador a ser devidamente aclarada.

Por enquanto, fiquemos com a evolução histórica desse tipo de responsabilidade estatal superiormente avançada, como assim assinalada por CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO em seu "Curso de Direito Administrativo".2 Page 3

IV Evolução histórica

Como não poderia deixar de ser, em tempos remotos a regra era, tal qual se deu com a responsabilidade estatal por atos administrativos e juridicionais, da irresponsabilidade total.

O primeiro a abordar o tema foi AMARO CAVALCANTI3, em sua obra "Responsabilidade Civil do Estado" - de 1904, na qual já assinalava poder haver responsabilidade em face do Estado-Legislador nos casos em que houvesse reconhecimento de atuação inconstitucional. Fora dessa hipótese só haveria indenização por dano decorrente de lei no caso de expressa determinação nela disposta. Essa, aliás, a postura doutrinária assumida à época pelos países não dotados de controle de constitucionalidade das leis, para os quais jamais poderia ser de se invocar referido ressarcimento perante o Poder Judiciário, sem expressa disposição emanada do próprio Legislativo, sob pena violação do princípio da separação dos poderes. Também essa a razão para inexistir referida possibilidade no Brasil Império (período em que ainda não se adotava aludido controle).

Por sua vez, no início da década de 40, THEMISTOCLES CAVALCANTI4, in Tratado de Direito Administrativo , tratou desse tipo de responsabilidade estatal de forma mais ampla, baseando-se, especialmente, nas referidas situações de inconstitucionalidade, na doutrina e em decisões do Conselho de Estado francês acerca de leis causadoras de dano em face de interdição de atividades (lícita e lícita, mas reprovável, em face de legislação alienígenacasos "La Fleurette" e da Sociedade "Grande Pêche" - decididos em 1938)5. Ademais disso, buscou nas experiências do México e do Uruguai, de monopolização estatal de atividades lícitas (Petróleo e álcool/combustíveis, respectivamente, por volta de 1910), idêntica reparação, só que agora com outro fundamento: violação do princípio da propriedade privada e da livre exploração das atividades econômicas (por outros, em tais casos, reconhecido como o da proibição do enriquecimento sem causa do Estado). Page 4

Contudo, esse mesmo doutrinador negava reparações em quaisquer outras situações, invocando a soberania da Lei para alterar situações jurídicas pré-existentes e que, por isso mesmo, salvo nas hipóteses elencadas, não gerariam direitos adquiridos. No seu dizer:

" ... um dos pontos mais sensíveis das doutrinas sobre a responsabilidade do Estado é aquele que se refere aos atos emanados do Poder Legislativo.

Se esses atos constituem a própria legalidade, a emanação da soberania nacional, através de seu órgão próprio, como encontrar nesses atos "legais" uma fonte geradora de obrigações do Estado?

(...) A boa harmonia dos poderes, a supremacia de cada um dentro de suas funções específicas, são argumentos suficientes para justificar a irresponsabilidade, em tese, do Estado pelos atos legislativos porque estes emanam da própria soberania." 6

Destaque-se, ademais, que a jurisprudência caminhou nesse mesmo passo, tendo o Eminente Des. FREDERICO ROBERTO, do E. Tribunal de Justiça deste Estado de São Paulo, confirmado a responsabilidade civil do Estado em face de imposição tributária inconstitucional. Isto nos idos de 1944, através de restituição de indébito.

Já no início dos anos 80, também defende esse tipo de...

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