Comunidades terapêuticas no distrito federal: 'controle' social e saqueio do fundo público

AutorPedro Henrique Antunes da Costa
CargoPsicólogo, mestre e doutor em Psicologia. Professor do Departamento de Psicologia Clínica e do Programa de Pósgraduação em Psicologia CLínica e Cultura da Universidade de Brasília.
Páginas341-360
COMUNIDADES TERAPÊUTICAS NO DISTRITO FEDERAL: “controle” social e saqueio do fundo
público
Pedro Henrique Antunes da Costa
1
Resumo
O artigo analisou o padrão de financiamento público das Comunidades Terapêuticas (CTs) do Distrito Federal pelo Fundo
Antidrogas do Distrito Federal (FUNPAD). Para isso, agregou fontes documentais, dados governamentais e literatura
acadêmica. Constatou que de 2012 a 2021, aumentou em 364% o número de vagas financiadas nas CTs e em 694% o
valor das verbas liquidadas, e que a média de CTs financiadas por ano foi de nove, demonstrando tendência de
concentração do FUNPAD por poucas CTs. Concluiu que o FUNPAD é, na verdade, um fundo das e para as CTs,
sustentando perspectivas travestidas de cuidado, mas que são: asilares-manicomiais; mormente religiosas; baseadas em
trabalho não pago; com inúmeras violações de direitos; não públicas. Ademais, o saqueio do fundo público se dá por meio
de um conselho gestor responsável pela participação e o controle sociais na área, de modo q ue o controle das CTs se faz
via controle social.
Palavras-chave: Comunidades terapêuticas; saúde mental; álcool e outras drogas; po lítica pública; fundo público
THERAPEUTIC COMMUNITIES IN FEDERAL DISTRICT: social “control” and withdrawal of public fund
Abstract
The pattern of public funding of Therapeutic Communities (CTs) of the Federal District by the Federal District Anti -Drug Fund
(FUNPAD) was analyzed. For this, documental sources, government data and academ ic literature were added. From 2012 to
2021, the number of vacancies financed in the CTs increased by 364% and the amount of funds settled by 69 4%. The
average number of CTs financed per year was nine, demonstrating a tendency for FUNPAD to be concentrated in a few CTs.
It’s concluded that FUNPAD is, in fact, a fund of and for the CTs, supporting perspectives disguised as care, but which are:
asylums; religious; based on unpaid work; with numerous violations of rights; not public. The loot of public fund takes place
through a management council responsible for social participation and control in the area, so that the control of CTs is done
via social control.
Keywords: Therapeutic communities; mental health; alcohol and other drugs; public p olicy. public fund.
Artigo recebido em: 31/10/2022 Aprovado em: 31/03/2023
DOI: http://dx.doi.org/10.18764/2178-2865.v27n1.2023.20
1 Psicólogo, mestre e doutor em Psicologia. Professor do Depa rtamento de Psicologia Clínica e do Programa de Pós -
graduação em Psicologia CLínica e Cultura da Universidade de Brasília. E-mail: phantunes. costa@gmail.com
Pedro Henrique Antunes da Costa
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1 INTRODUÇÃO
Um dos eixos do processo de Contrarreforma Psiquiátrica no país, enquanto conjunto de
retrocessos e desmontes no campo da saúde mental, é a síntese de (re)manicomalização e
mercantilização do cuidado em Comunidades Terapêuticas (CTs), expressando também a ascensão
conservadora e o fundamentalismo religioso (COSTA, 2020; COSTA; MENDES, 2020; PASSOS;
ARAÚJO; GOMES; FARIAS, 2020; PASSOS; GOMES; ESPÍRITO SANTO, 2022; P RUDÊNCIO;
SENNA, 2022). Apesar de heterogêneas, tais instituições não governamentais possuem como pilares
constitutivos a disciplina, o trabalho (não pago) - na forma da laborterapia - e a religiosidade
(INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA [IPEA], 2017). São para Mendes e Costa
(2022), uma amálgama de quatro instituições fundamentais na formação social brasileira: manicômios,
prisões, igrejas e senzalas, afinal, sua “clientela” de internos superexplorados ou em regime de
servidão é predominantemente negra, das franjas mais pauperizadas da classe trabalhadora.
Conforme Bezerra (2018) e Costa (2020), as CTs no Brasil surgem na década de 1960,
numa perspectiva antagônica às suas origens enquanto experiências de crítica e Reforma Psiquiátrica
na Europa. Seu desenvolvimento e ganho de força no país se dão também em decorrência de lacunas
assistenciais para a população com necessidades atreladas ao consumo de drogas que, apesar dos
avanços da Reforma Psiquiátrica brasileira, não foram supridas em totalidade, com “álcool e outras
drogas” sendo tratado dentro do campo da saúde mental com certa marginalidade. Nesse interregno,
num contexto de pânico social construído sobre o crack e sua suposta epidemia por volta dos anos
2009, 2010, as CTs ganham força política junto de uma série de iniciativas manicomiais no campo da
saúde mental, como as internações compulsórias e demais medidas que plasmavam
manicomialização, higienização social e mercantilização.
Em 2011 temos um marco político, com a institucionalização da Rede de Atenção
Psicossocial (RAPS) no Sistema Único de Saúde (SUS), pela Portaria 3.088, que coloca as CTs em
sua estrutura, no nível de atenção residencial de caráter transitório, junto das Unidades de Acolhimento
(BRASIL, 2011a). Vale salientar que elas haviam sido conveniadas no Plano Integrado de
Enfrentamento ao Crack de 2010, que, posteriormente, é reformulado e se torna o Programa Crack, é
possível vencer (BRASIL, 2011b).
A relevância e o ganho de poder das CTs aumentam atrelados também ao ganho de força
política de grupos conservadores, fundamentalistas religiosos no país (FOSSI; GUARESCHI, 2015;
MAGALHÃES; SANTOS, 2022; PASSOS; GOMES; ESPÍRITO SANTO, 2022). Em 2015, dois fatos são
marcantes: (a) cria-se a Frente Parlamentar em Defesa das Comunidades Terapêuticas Acolhedoras e
Associações de Proteção e Assistência aos Condenados na Câmara dos Deputados, que, apesar da

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