O conflito entre reprodução e o desejo

AutorLourdes Bandeira, Hildete Pereira de Melo
Páginas239-254
Niterói, v. 11, n. 1, p. 239-254, 2. sem. 2010 239
O CONFLITO ENTRE REPRODUÇÃO
E O DESEJO1
Lourdes Bandeira
Universidade de Brasília
E-mail: lourdesmbandeira@yahoo.com.br
Hildete Pereira de Melo
Universidade Federal Fluminense
E-mail: hildete43@gmail.com
Resumo: O pensamento feminista atual traz
como uma de su as principais consign as a
reatualiz ação da máxima nosso corpo nos
pertence, que pode ser analisada por diferentes
perspectivas: seja pela mercantilização, seja
por serem as mulheres objeto da violência.
A pílula antic oncepcion al no s di as at uais
comemora 60 anos e este evento, sem dúvida,
dividiu a sexualidade – o desejo e a reprodução
da vida. Esta separação, concretamente, não
livrou as mulheres de uma gravidez indesejada.
Deste conflito entre maternidade e o desejo
derivaram dois focos de luta que organizaram
as mulheres no mundo ocidental: a luta pelo
direito ao aborto e a luta contra a violência
dom ésti ca. E ste tex to busc a rec uper ar,
histori camente , este conflito , que p ersiste
até os dias atuais, com vitórias e derrotas, dos
quais o caso brasileiro pode ser paradigmático.
Palavras -chave : feminismos ; mate rnidade;
anticoncepção; aborto.
1 Este artigo foi escrito a partir da apresentação feita pelas autoras na Mesa Redonda Gênero, Identida-
des e Sexualidades na 62a Reunião Anual da Sociedade Brasileira pelo Progresso da Ciência (SBPC) em
Natal, RN, 21 de julho de 2010.
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Introdução
Este artigo analisa uma das formas pelas quais os direitos humanos construídos
ao longo da história da humanidade, a partir de luta e ação social das mulheres, se
expressaram na segunda metade do século XX. Neste processo os direitos humanos
das mulheres tiveram suas maiores vitórias nas últimas décadas do século passado
nos seguintes eventos: o Programa de Ação da Conferência Mundial dos Direitos
Humanos de Viena (1993), subscrita por 171 países, que reiterou a concepção dos
direitos humanos introduzida pela Declaração Universal dos Direitos Humanos de
1948; a Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento, realizada na
cidade do Cairo, em 1994, que definiu um marco para estas conquistas, pois 184
países reconheceram os direitos sexuais e reprodutivos como direitos humanos. E
consolidando esta vitória das mulheres tal concepção foi reiterada pela Plataforma de
Ação da IV Conferência Mundial sobre a Mulher de Beijing de 1995, que consagrava
os direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais de homens e mulheres. A
plataforma de Ação Beijing passou a se constituir em um dos nortes para o avanço
dos movimentos das mulheres, uma vez que nela se reconheceu e sedimentaram-se
avanços conceituais e filosóficos muito importantes, tecidos por muitas mulheres
anônimas ao longo da história da humanidade e sistematizados nas últimas déca-
das pelos movimentos de mulheres do mundo todo. Lá se consolidou o avanço da
consciência mundial e da massa crítica sobre igualdade, justiça e direitos humanos,
à luz da perspectiva de gênero e do reconhecimento da desigualdade entre os sexos.
Estas recomendações dos organismos internacionais fortaleceram a cidadania
feminina e trouxeram as questões da sexualidade e da reprodução para o centro
do debate das sociedades do planeta,2 ao assinalarem que é necessário respeitar os
direitos reprodutivos, implementando serviços adequados de atenção à saúde da
mulher em todas as fases de sua vida, serviços de planejamento familiar com respeito
à livre decisão dos casais e dos indivíduos, serviços de orientação sexual a crianças
e adolescentes, com respeito ao seu direito à informação e à confidencialidade
(atentando-se aos direitos e deveres dos pais), respeito à vida sexual com harmonia,
liberdade e responsabilidade, livre de coerção.
Nessa direção, este artigo objetiva discutir a vivência da sexualidade e da re-
produção e as fases vividas pelo movimento de mulheres desde o advento da pílula
anticoncepcional no início dos anos 1960 e a rebelião feminina que eclodiu logo depois
na Europa, Estados Unidos e como onda chega às terras da América Latina, África
e Ásia. Neste trabalho esta onda é examinada do ponto de vista nativo. Espera-se
contribuir para a história do feminismo nacional na defesa do direito ao aborto pelo
acesso a contracepção expressos na máxima nosso corpo nos pertence.
2 Sobre o tema, (VENTURA, 2009; ABEP; UNPA, 2009; CORRÊA; ÁVILA, 2003; BARSTED,1998).

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