Conflitos por reconhecimento na modernidade perif?rica entre a igualdade e a distin??o

AutorMarcelo Kunrath Silva - Fernando Canto Michelotti
CargoProfessor do Departamento de Sociologia e dos Programas de P?s-Gradua??o em Sociologia e em Desenvolvimento Rural ? Universidade Federal do Rio Grande do Sul. - Doutorando em Sociologia/ Programa de P?s-Gradua??o em Sociologia ? Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Páginas447-474
Artigo
Conflitos por reconhecimento
na modernidade periférica entre
a igualdade e a distinção
Marcelo Kunrath Silva *
Fernando Canto Michelotti **
Resumo
Este artigo parte do argumento de que a categoria do reconhecimento,
na modernidad e peri férica, se depara com uma configuraçã o social
bastante diferenc iada do contexto no qual foi original mente elaborada,
para discutir o quanto as lutas por reconhecimento podem acabar por
fundamentar e legitimar a desi gualdade social no país. Em paí ses como
o Brasil, o acesso ao reconhecimento social tende a se construir não
pela luta para ser rec onhecido como sujeito portador de direitos, mas,
ao contrário, pela luta para marcar uma distinção que possibilite usufruir
os ganhos materiais e simbólicos associados a esta posição diferencia-
da. Com o intuito de explorar as possibilidades analíticas abertas por
este argumento, o artigo enfoca experiências de organização coletiva
de catadores de materiais recicláveis no estado do Rio Grande do Sul.
Demonstra-se que, em oposição aos discursos e intencionalidades que
orientam a atuação das organizações investigadas, as lutas por reco-
nhecimento que elas desenvolvem são, em grande medida, marcadas
por um esforço para se distinguir de outros que se situam na mesma
condição de subalternidade, estabelecendo uma competição pelo acesso
a determinados bens materiais e simbólicos escassos.
Palavras-chave: modernidade periférica, reconhecimento social, distinção,
catadores.
* Professor do Departamento de Sociologia e dos Programas de Pós-Graduação
em Soc iologia e em Desenvolvimento Rural – Universidade Federal do Rio
Grande do Sul. Endereço eletrônico: mksilva@ufrgs.br
** Doutorando em Sociologia/ Programa de Pós-Graduação em Sociologia – Uni-
versidade Federal do Rio Grande do Sul. E-mail: fcmichelotti@yahoo.com.br
448 p. 447 – 474
Nº 14 – abril de 2009
1. Introdução
O
debate da teoria do reconhecimento social, a despeito de con-
trovérsias e ambigüidades entre os autores contemporâneos
que vêm debruçando-se sobre esse tema, emerge de contextos
sociais nos quais vigora, hipoteticamente, uma noção de reconhe-
cimento fundada sobre princípios universalistas e igualitários. A
perspectiva que predomina é a de que os indivíduos constroem sua
dignidade e autenticidade à medida que experimentam um conjun-
to de direitos e deveres comuns, ao mesmo tempo em que estes
são interpretados como inerentes à própria condição de membros
de uma comunidade de iguais, ou seja, inerentes à condição com-
partilhada de serem cidadãos. Em seu contexto original, então, a
categoria do reconhecimento social compartilha de um princípio de
igualdade socialmente disseminado, cuja incorporação ao substrato
social serviu, inclusive, de base para sustentar reivindicações mais
recentes pelo reconhecimento de identidades específicas, frente
à emergência dos “riscos da sinonímia entre igualdade e homoge-
neidade” (LAVALLE, 2003, p.82). A existência de um parâmetro de
igualdade que rege as relações sociais torna-se a garantia de que
os “diferentes” tenham o direito de ter sua diferença reconhecida
não como um elemento de desqualificação, mas, ao contrário, como
base de dignidade e valorização social. Em se tratando de estratégias
coletivas que se orientam pela busca de reconhecimento social, elas
tenderão, assim, a incorporar a luta tanto pelo direito de todos a
determinados padrões de igualdade quanto pelo direito de terem
suas diferenças valorizadas.
Este artigo propõe-se a discutir a hipótese de que, em con-
textos sociais nos quais imperam altos índices de desigualdade e
inexiste um princípio de igualdade socialmente instituído, a busca
pelo reconhecimento tende a orientar-se não pela universalização de
determinados padrões sociais e legalmente instituídos de igualdade/
diferença, mas, em grande medida, por esforços individuais e/ou
coletivos para acessar e usufruir privilégios associados às posições
diferenciadas que configuram a hierarquia social. Na medida em
que o valor dos indivíduos e grupos sociais na ordem hierárquica
depende da posição por eles ocupada, o reconhecimento social não

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