O Direito como conformação dos conflitos ambientais sob a óptica sistêmica: desafios comunicacionais entre os subsistemas

AutorEzequiel Martins
Páginas251-266

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Introdução

A título introdutório1, o objetivo deste estudo é contribuir, se possível, para o enriquecimento do tema cada vez mais estudado – Direito Ambiental – em diversas perspectivas. O ponto de partida é marcado pelo conceito de sistemas sociais proposto por Niklas Luhmann a fim de verificar o processo de comunicação entre o sistema jurídico e os demais sistemas, sob a perspectiva luhmanniana, pretensão tormentosa quando tomamo-lá sob a paradoxal “entidade sem direito” e “sem validade” normativa2.

Mas é sobre estes questionamentos, desafios, avanços e recuos em face do futuro do direito é que se almeja a legitimação do direito do meio ambiente não fechado e legalista, àquilo que se viu nos últimos anos, nem sob a aplicação do direito civil, o que equivale à margem da lei. Tais preocupações despertaram correntes de entendimento, seja na sociologia, economia, na educação e no direito, campo este o qual tentar-se-á trazer algumas considerações sem qualquer pretensões de suplantar as teorias e teses já desenvolvidas, tendo em vista o enfoque adotado – sistêmico – , face a transdisciplinariedade do Direito Ambiental. Por questões de método, far-se-á uma exposição analítica das obras já produzidas. Por isso, a primeira parte tem o condão destacar a emergência do paradigma ecológico com viés sistêmico e incursões no plano jurídico. A segunda parte,Page 252 centra-se na ideia de sistema social ligado ao direito ambiental com vistas a análise da função do (acoplamento) entre o direito ambiental espraiando-se no pensamento sistêmico, mediante o instrumento (comunicação) próprio dos subsistemas.

1 A ideia de sistema social

Sistemas são construções reais, não abstratas e a sua abordagem sistêmica, é diversa da abordagem sistemática. Enquanto esta é abstrata, pois são estruturas feitas no pensamento, os sistemas são construções de sentido, mas elaboradas como fato social. Para melhor compreensão, cita-se o conceito de Niklas Luhmann para quem:

Por “sistema” no entendemos nosotros, como lo hacen muchos teóricos del derecho, um entramado congruente de reglas, sino um entramado de operaciones fáticas que, como operaciones sociales, deben ser comunicaciones – independentemente de lo que estas comunicaciones afirmen respecto al derecho3

A autopoiesis4, de Maturana e Varela, foi revista a partir de um paradigma eminentemente sociológico, por Niklas Luhmann, que segundo aqueles o conceito de autopoiesis nasceu da seguinte indagação: “Como se pode definir um ser vivo? O que se define a vida?”5. Luhmann encontrou, na teoria dos sistemas, um meio de buscar uma teoria geral da sociedade, ou seja, uma concepção capaz de explicar a imensidão de sistemas sociais classificados em subsistemas6. “A organização é primeira chave para esta compreensão, e Maturana define-a como uma ‘relação entre componentes que definem a identidade de classes de um sistema’ [...] Organização, portanto cria identidade”7. Com relação à estrutura, pode-se dizer que é “definida pela relação dos componentes entre si e forma particular”8. Luhmann, utilizando-se da teoria dos sistemas de Maturana e Varela, lançou a sua autopoiese do social, onde o sistema autopoiético, necessariamente fechado e autorreferente, substituiu a dicotomia aberta entre o sistema e o ambiente.

Esta teoria era necessária, segundo Luhmann, porque as teorias sociais tradicionais já haviam esgotado as possibilidades de entender o meio social a partir das teorias funcionais-normativas e de um substrato antropológico pouco preciso.Page 253 Nesse rumo, somente a percepção da complexidade do sistema social global poderia reduzir a complexidade dos subsistemas da sociedade moderna “sem deixar de ser sistemas autênticos e autônomos”9. Ao contrário de sociedades divididas por classes ou hierarquias, Luhmann entende que as sociedades contemporâneas estão compostas de subsistemas autopoiéticos, ou seja, autorreferenciais e operacionalmente fechados. Com relação a sociedade, Juan Antonio Garcia Amado assinala que “falar da sociedade é falar de sistema, de ordem social e indagar acerca das razões de ser da sociedade equivale a levantar a pergunta que repentinamente aparece em Luhmann: como é possível a ordem social?”10.

Para Luhmann, a autopoiese não é um meio de ser explicado apenas os sistemas vivos (perspectiva biológica), mas também sistemas psíquicos (consciência) e sociais que, no dizer de Lopes Jr, “a autopoiesis de primeira ordem é a que ocorre em nível molecular, na qual se fundamenta a autopoiesis dos organismos superiores, os seres vivos” enquanto a autopoiesis de “segunda ordem ocorre em nível de percepção”11 e, por entender que os sistemas sociais têm a mesma função que os sistemas físicos e psíquicos, os elementos fornecem a “qualidade autopoiética, e não pelo simples fato de os elementos serem autopoiéticos”12, o sistema social “mediante seu sentido, constituem simultaneamente seus limites e suas possibilidades de atribuições de ações”1314. Nesta perspectiva, Luhmann entende os sistemas sociais como autopoiéticos, cuja estrutura fundamental decorre das possibilidades de “comunicações, tão somente de comunicações e de todas as comunicações”15, ou seja, um processo de seleção (acontecer seletivo) que sintetiza informação, comunicação e compreensão, sintetizado por processamento de seleções.

Neste aspecto é que a teoria de Luhmann se separa da teoria de Maturana e Varela. A conservação da autopoiese social dá-se essencialmente pela comunicação e não pelos seres vivos, pois “onde não se opera mediante comunicação não existe sistema social”16. O indivíduo não é componente estrutural da sociedade, mas sim meio psíquico de produção comunicacional que se realiza em seu meio. Esse meio é “a vida orgânica, os sistemas psíquicos dos indivíduos e o substrato físico da matéria”17. Desta forma, não são as pessoas que justificariam a existência dos sistemas sociais, nem a comunicação em termos de “ação comunicativa”, mas sim as possibilidades comunicacionais.

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A relação entre o homem e a sociedade é a relação entre o sistema e o meio. O sistema social não se sujeita ao meio para a constituição de sua estrutura, mas sim depende desta relação para a continuidade de sua autopoiese, “daí que a comunicação não se exaure na dimensão psicológica ou individual”18. A comunicação social ocorre também por meio de pessoas, mas independentemente destes e de suas ações ou intenções. A sociedade seria, um sistema abrangente de todas as comunicações, que se produz autopoieticamente. Sob a perspectiva de Amado, comentando Luhmann, “a sociedade não se compõe de pessoas, senão de comunicações entre pessoas”19. Estes contornos metodológicos também foram utilizados por Luhmann para explicar o Direito como um fenômeno social funcionalmente distinto de outros subsistemas sociais, por exemplo, a economia, a política, etc. Assim como a teoria social, o Direito também deve alcançar um nível de abstração suficiente para resolver a complexidade das relações sociais modernas e, até mesmo, a sua importância no meio social, sob pena de não ser confiável ou estável, segundo Amado:

O direito deverá manter limitações de tempo disponível para as decisões, de número e coordenação entre as normas, etc. A complexidade do sistema será adequada e se poderá dizer, para Luhmann, que é justo, quando o seu grau de complexidade seja o máximo compatível com as consistências das decisões dentro do sistema. O direito poderá aumentar a complexidade mas somente até o ponto em que não impeça que as decisões que nele recaem sejam consistentes, i.e., que se tratem os casos iguais de forma igual. Por exemplo, um direito puramente casuístico, que atendesse a todas as variáveis concorrentes em cada problema que se julga, não cumpriria com esse requisito. E sem ele não seria o direito garantia de expectativas confiáveis e estáveis.20

Para Luhmann, a sociedade se diferencia em vários sistemas funcionais que por sua vez, também são comunicacionais e possuem autonomia, entre eles o subsistema do direito – legal/não-legal, ao sustentar que “Sem comunicação não existem relações humanas nem vida humana propriamente dita”21. O Direito, para Luhmann, seria um subsistema do sistema social. A estrutura de um sistema social tem por função regular a complexidade do sistema, caso em que o Direito teria de abstrair-se crescentemente a ponto de adquirir uma elasticidade conceitual capaz de abranger situações heterogêneas, modificáveis por meio de decisões concretas. Para Luhmann, as estruturas são limites de possibilidades de operação do sistema. São processos de redução ou limitação das relações A estrutura nos sistemas sociais é a consciência. O Direito como subsistema do sistema social é, necessariamente fechado, e, ao mesmo tempo, autorreferencial, e o é por meio do acoplamento estrutural capaz de preservar uma determinada identidade social. Segundo a perspectiva de Amado “O sistema jurídico é, como também já sabemos, autorreferencial, autopoiético: constrói seus elementos a partir de seus elementos, ePage 255 todas as suas operações, processos, e sua identidade mesma, se assentam sobre esses elementos. Isto lhe dá sua dimensão de sistema fechado [...]22.

2 O Direito ambiental como subsistema do sistema social

Ao contrário da sociologia, o Direito seria uma ciência da decisão contingente, mas significativa. Assim, a função do Direito seria preservar a identidade de um determinado sistema social, função esta que não seria suprimida sequer nos casos em que uma determinada norma legal fosse desrespeitada. Sob a influência de Maturana, Luhmann refere que a...

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