Consentimento informado em intervenções médicas envolvendo pessoas com deficiência intelectual ou psicossocial no brasil e a questão das barreiras atitudinais

AutorAna Carolina Brochado Teixeira e Gustavo Ribeiro
Páginas131-153
CONSENTIMENTO INFORMADO EM
INTERVENÇÕES MÉDICAS ENVOLVENDO
PESSOAS COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL OU
PSICOSSOCIAL NO BRASIL E A QUESTÃO DAS
BARREIRAS ATITUDINAIS1
Ana Carolina Brochado Teixeira
Doutora em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ. Mestra
em Direito Privado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC/Minas.
Especialista em Direito Civil pela Scuola di Diritto Civile (Camerino, Itália). Professora
de Direito Civil no Centro Universitário UNA. Coordenadora Editorial da Revista
Brasileira de Direito Civil – RDBCivil. Advogada. E-mail: anacarolina@tmg.adv.br
Gustavo Ribeiro
Doutor em Direito Privado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC/
Minas. Professor Associado de Direito Civil na Universidade Federal de Lavras – UFLA.
Líder do Laboratório de Bioética e Direito – LABB/UFLA/CNPq. Ex-bolsista CAPES/
PDSE. E-mail: gustavoleiteribeiro@gmail.com
Sumário: 1. Introdução. 2. Bases legais do consentimento informado em intervenções médicas
envolvendo pessoas com deciência intelectual ou psicossocial. 3. Relevância do consentimento
informado em intervenções médicas envolvendo pessoas com deciência intelectual ou psicosso-
cial a partir da prática judicial. 4. Barreiras atitudinais à obtenção do consentimento informado em
intervenções médicas envolvendo pessoas com deciência intelectual ou psicossocial. 5. Critérios
para a tomada de decisão em face da impossibilidade de obtenção do consentimento informado
em intervenções médicas envolvendo pessoas com deciência intelectual ou psicossocial. 6. Notas
conclusivas. 7. Referências.
1. INTRODUÇÃO
Frequentemente, af‌irma-se que a saúde é uma condição para o exercício de direi-
tos fundamentais.2 Diz respeito a um estado de bem-estar físico, mental e social, não se
restringindo à ausência de enfermidade. A experiência da def‌iciência não impõe uma
saúde debilitada.3 De acordo com a Relatora Especial sobre Direitos das Pessoas com
Def‌iciência, vinculada à Organização das Nações Unidas, a percepção da qualidade de
vida das pessoas com def‌iciência é mais fortemente impactada por fatores contextuais,
1. O presente trabalho foi realizado com apoio f‌inanceiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científ‌ico e
Tecnológico – Brasil (CNPq) – Processo 426276/2016-7.
2. UNITED NATIONS. Human Rights Council. Report of the United Nations High Commissioner for Human Rights:
Mental health and human rights. Geneva: United Nations, 2017, p. 3.
3. UNITED NATIONS. General Assembly. Report of the Special Rapporteur on the Rights of Persons with Disabilities:
The right to health of persons with disabilities. Geneva: United Nations, 2018, p. 4.
ANA CAROLINA BROCHADO TEIXEIRA E GUSTAVO RIBEIRO
132
como inclusão na comunidade, acesso à educação, oportunidades de emprego e serviços
acessíveis de qualidade, razão pela qual torna-se imprescindível enfrentar as barreiras
arquitetônicas, urbanísticas, comunicacionais, tecnológicas e, especialmente, atitudi-
nais.4 As pessoas com def‌iciência podem desfrutar de uma vida ativa, produtiva, longa
e saudável.
Sabe-se que o direito à saúde envolve o exercício de liberdades e o acesso a prestações
positivas.5 Estas são realizadas de maneira progressiva, levando em conta a disponibili-
dade de recursos econômicos e a elaboração de políticas públicas adequadas. Aquelas,
porém, devem ser consideradas de realização imediata.6
As pessoas com def‌iciência possuem necessidades de saúde como as demais pessoas,7
mas apresentam piores indicadores neste âmbito,8 possuindo uma série de necessidades
não satisfeitas.9 Encontram diversas barreiras para desfrutar de melhores cuidados,
especialmente em razão da carência de serviços médicos inclusivos.10 Estes obstáculos
envolvem dif‌iculdades de transporte, inacessibilidade de edifícios e equipamentos, pro-
blemas na comunicação com os prof‌issionais de saúde, elevados custos de seguros, entre
outros.11 Além disso, podem ser destituídas do poder de gestão sobre o próprio corpo,
em razão do desestímulo à obtenção do consentimento livre e esclarecido.12
A Relatora Especial sobre Direitos das Pessoas com Def‌iciência adverte que as inter-
venções médicas não consentidas representam um dos mais relevantes desaf‌ios no que
diz respeito à garantia do direito à saúde.13 Com efeito, recomenda a abolição de leis e
de práticas que atentem contra a autonomia das pessoas com def‌iciência, com destaque
para a revogação de leis que permitem a coação em serviços médicos, como a internação
compulsória e os tratamentos arbitrários.14
4. UNITED NATIONS. Human Rights Council. Report of the Special Rapporteur on the Rights of Persons with Disabi-
lities: Bioethics and disability. Geneva: United Nations, 2019, p. 4.
5. UNITED NATIONS. General Assembly. Report of the Special Rapporteur on the Rights of Persons with Disabilities:
The right to health of persons with disabilities. Geneva: United Nations, 2018, p. 5.
6. UNITED NATIONS. General Assembly. Report of the Special Rapporteur on the Rights of Persons with Disabilities:
The right to health of persons with disabilities. Geneva: United Nations, 2018, p. 7-8.
7. UNITED NATIONS. General Assembly. Report of the Special Rapporteur on the Rights of Persons with Disabilities:
The right to health of persons with disabilities. Geneva: United Nations, 2018, p. 3.
8. UNITED NATIONS. General Assembly. Report of the Special Rapporteur on the Rights of Persons with Disabilities:
The right to health of persons with disabilities. Geneva: United Nations, 2018, p. 8-11.
9. OTHERO, Marília Bense; AYRES, José Ricardo de Carvalho. Necessidades de saúde da pessoa com def‌iciência: a
perspectiva dos sujeitos por meio de histórias de vida. Revista Interface: Saúde, Comunicação e Educação. Botucatu,
v. 16, n. 40, 2012, p. 219-233.
10. UNITED NATIONS. General Assembly. Report of the Special Rapporteur on the Rights of Persons with Disabilities:
The right to health of persons with disabilities. Geneva: United Nations, 2018, p. 11-12.
11. Entre nós, vale a pena consultar WIEGAND, Bárbara Bowoniuk; MEIRELLES, Jussara Maria Leal de. Saúde das
pessoas com def‌iciência no Brasil: uma revisão integrativa na perspectiva bioética. Revista Latinoamericana de
Bioética. Bogotá, v. 37, n. 2, 2019, p. 29-44; CASTRO, Shamyr Sulyvan; LEFÈVRE, Fernando; LEFÈVRE, Ana
Maria Cavalcanti; CESAR, Chester Luiz Galvão. Acessibilidade aos serviços de saúde por pessoas com def‌iciência.
Revista de Saúde Pública. São Paulo, v. 45, n. 1, 2011, p. 99-105.
12. UNITED NATIONS. General Assembly. Report of the Special Rapporteur on the Rights of Persons with Disabilities:
The right to health of persons with disabilities. Geneva: United Nations, 2018, p. 6.
13. UNITED NATIONS. General Assembly. Report of the Special Rapporteur on the Rights of Persons with Disabilities:
The right to health of persons with disabilities. Geneva: United Nations, 2018, p. 12-14.
14. UNITED NATIONS. General Assembly. Report of the Special Rapporteur on the Rights of Persons with Disabilities:
The right to health of persons with disabilities. Geneva: United Nations, 2018, p. 21.

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT