Validade dos negócios jurídicos, prescrição, decadência e responsabilidade civil após a lei brasileira de inclusão
Autor | Ana Beatriz Lima Pimentel e Raquel Bellini de Oliveira Salles |
Páginas | 179-202 |
VALIDADE DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS,
PRESCRIÇÃO, DECADÊNCIA E
RESPONSABILIDADE CIVIL APÓS A LEI
BRASILEIRA DE INCLUSÃO
Ana Beatriz Lima Pimentel
Doutora em Direito Constitucional nas Relações Privadas pela Universidade de
Fortaleza (UNIFOR); Mestre em Direito Público – Ordem Jurídica Constitucional
pela Universidade Federal do Ceará (UFC); Especialista em Direito Privado pela
Universidade de Fortaleza (UNIFOR); Graduada em Direito pela Universidade de
Fortaleza (UNIFOR). Professora de Direito Civil do Curso de Direito da Universidade
de Fortaleza (UNIFOR) e do Centro Universitário Christus (UNICHRISTUS). Membro
do Grupo de pesquisa Direito Civil na Legalidade Constitucional do PPGD/UNIFOR.
E-mail: abeatrizlp@hotmail.com
Raquel Bellini de Oliveira Salles
Coordenadora do projeto de extensão “Núcleo de Direitos das Pessoas com Deciên-
cia”. Professora Associada de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade
Federal de Juiz de Fora. Mestre e Doutora em Direito Civil pela Universidade do Estado
do Rio de Janeiro. Especialista em Direito Civil pela Università di Camerino – Itália.
Advogada. E-mail: raquel.bellini@ufjf.edu.br
Sumário: 1. Introdução. 2. A validade dos negócios jurídicos celebrados por pessoas com deciência
psíquica ou intelectual ante as transformações do regime das incapacidades no direito brasileiro. 3.
A prescrição e a decadência em relação à pessoa com deciência após a Lei Brasileira de Inclusão. 4.
Pessoa com deciência e responsabilidade civil na experiência jurídica brasileira. 4.1 A responsabili-
dade civil da pessoa com deciência em face do novo regime das incapacidades: entre a autonomia e
a vulnerabilidade. 4.2 O novo perl da curatela com o advento do Estatuto da Pessoa com Deciência
e seu impacto na responsabilidade civil dos curadores. 4.3 A responsabilidade dos apoiadores no
contexto da Tomada de Decisão Apoiada. 5. Considerações conclusivas. 6. Referências.
1. INTRODUÇÃO
13.146/2015 – Estatuto da Pessoa com Deficiência (EPD) ou Lei Brasileira de Inclusão
(LBI) – inauguraram uma nova visão sobre a deficiência e modificaram profundamente
o regime das incapacidades no direito brasileiro, uma vez que as pessoas com deficiência
não são mais consideradas, a priori, como absoluta ou relativamente incapazes. A presun-
ção de sua plena capacidade implica a necessidade de se revisitar e ressignificar diversos
institutos do direito privado, entre eles a validade dos negócios jurídicos, a prescrição
e a decadência e a responsabilidade civil, o que se busca enfrentar neste trabalho, sob a
perspectiva do modelo social, que promove a autonomia e a emancipação da pessoa com
deficiência e, ao mesmo tempo, reconhece sua vulnerabilidade.
ANA BEATRIZ LIMA PIMENTEL E RAQUEL BELLINI DE OLIVEIRA SALLES
180
2. A VALIDADE DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS CELEBRADOS POR PESSOAS COM
DEFICIÊNCIA PSÍQUICA OU INTELECTUAL ANTE AS TRANSFORMAÇÕES DO
REGIME DAS INCAPACIDADES NO DIREITO BRASILEIRO
A previsão de igual capacidade legal para as pessoas com deficiência encartada no
texto da Convenção dos Direitos da Pessoa com Deficiência (CDPD) passou a integrar a
diretriz normativa do Estado brasileiro desde que o tratado internacional e seu Protocolo
Facultativo foram ratificados e incorporados ao Direito nacional com força e hierarquia
constitucionais. A partir de então, a premissa é de plena capacidade civil a todas as pessoas
maiores de 18 (dezoito) anos, independentemente da existência de alguma deficiência.
Na verdade, a norma impõe o rompimento com a sinonímia entre deficiência e
incapacidade civil existente no Direito Ocidental construído sob um padrão de norma-
lidade abstrato ao longo do tempo. A efetiva ruptura com o modelo oitocentista tem sido
realizada – não sem grande resistência – por iniciativa legislativa (LBI) e pela doutrina,
em especial. Nos julgados, ainda são incipientes as decisões que adotam nova postura
sobre a separação entre deficiência e incapacidade.
Historicamente, a incapacitação civil esteve, em regra, vinculada, direta ou indireta-
mente, ao tratamento conferido à pessoa com deficiência1, em decorrência da vinculação
entre o estado de incapacidade e a deficiência. A imbricação de ambas as categorias jurídi-
cas foi feita por meio dos critérios da abordagem do status (status approach), da abordagem
do resultado (outcome approach) e/ou da abordagem funcional (functional approach).2 No
primeiro, a incapacidade decorre de diagnóstico médico, em especial ao que se refere à
deficiência psíquica ou intelectual; no segundo, a incapacidade é decorrente da análise
das decisões tomadas pela pessoa com deficiência diante do padrão considerado ideal
socialmente; por fim, o critério funcional avalia a capacidade com base na possibilidade
de a pessoa compreender o ato praticado e suas consequências de modo independente.
A codificação civil, no Brasil, serviu-se dos três critérios para aferição da incapacida-
de da pessoa com deficiência. Assim, a legislação nacional sempre refletiu a experiência
social padrão e excluía a participação da pessoa com deficiência da gerência da própria
vida ao impor um curador por intermédio da ação de interdição. Não havia reconheci-
mento ao exercício dos direitos da pessoa com deficiência de forma autônoma, mas tão
somente acompanhada ou por meio de substituição de vontade.
Tais restrições eram refletidas na teoria das invalidades que não admitia a prática
dos atos negociais pela pessoa com deficiência que não estivesse assistida ou represen-
tada. Construiu-se a ideia de que dita regra visava, precipuamente, a proteção da pessoa
incapaz e seus interesses. A bem da verdade, a garantia da segurança jurídica que, em
tese, se afirmava existir era, também, em favor de terceiros que propriamente em favor
da pessoa com deficiência. O afastamento, total ou parcial, do incapaz da prática dos
1. MENEZES, Joyceane Bezerra de. A capacidade jurídica pela Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência
e a insuficiência dos critérios do status, do resultado da conduta e da funcionalidade. Pensar – Revista de Ciências
Jurídicas, Fortaleza, v. 23, n. 2, p. 1-13, abr./jun. 2018. Disponível em: https://periodicos.unifor.br/rpen/article/
view/7990/pdf. Acesso em: 10 nov. 2020. p. 2.
2. DHANDA, Amita. Legal capacity in the disability rights in the rights convention: stranglehold of the past or lodestar
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO