Considerações gerais

AutorManoel Antonio Teixeira Filho
Ocupação do AutorAdvogado
Páginas247-306

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Dentre as formas legalmente previstas de resposta do réu às pretensões manifestadas pelo autor, a contestação figura, sem dúvida, como a mais importante. Assim afirmamos porque se o réu deixar, por exemplo, de oferecer exceção ou reconvenção, as consequências danosas para o seu círculo jurídico serão, por certo, muito menos graves do que as derivantes da falta de contestação, conforme procuraremos demonstrar ao longo das páginas seguintes.

Devemos, aliás, desde logo observar que a falta de contestação caracteriza não só a revelia, senão que traz consigo, quase sempre, a aceitação tácita da veracidade dos fatos alegados na petição inicial, segundo o ônus da impugnação especificada, de que se ocupa o art. 341, do CPC.

A contestação representa, por assim dizer, a forma clássica de resposta do réu, sendo, por isso, a mais frequente de todas, inclusive, no terreno do processo do trabalho. Mais do que isso, ela é uma expressão dos regimes democráticos, aos quais repugna a ideia de que alguém possa ser condenado sem haver recebido oportunidade para defender-se. A história política dos povos demonstra que o direito de defesa, em sentido amplo — no qual se inclui o processual — tende a ser coarctado ou cerceado nos regimes de vocação ditatorialesca. Os argumentos dos acusados não convêm aos tiranos.

Vista, a contestação, sob o prisma estritamente processual, podemos afirmar que se traduz na mais alta manifestação do princípio da bilateralidade, segundo o qual o juiz não deve emitir nenhuma decisão acerca de pedido ou requerimento formulado por uma das partes sem ouvir, antes, a parte contrária. Só em situações verdadeiramente excepcionais, expressamente previstas em lei, será lícito ao juiz atender à solicitação de um dos litigantes sem audiência prévia do outro, como se passa, e. g., nos domínios das tutelas provisórias, cautelares. Essa concessão inaudita altera parte da medida, contudo, encontra no caráter “provisório” do provimento de cautela a sua justificativa; afinal, a medida liminar pode ser revogada por despacho ou pela sentença proferida no próprio processo em que foi concedida. O mesmo se afirme quanto à liminar, na ação de segurança.

Nenhum princípio tuitivo do patrimônio jurídico do trabalhador, por mais fortes e inveteradas que sejam as razões históricas e políticas em que se assente, será capaz de justificar eventual eliminação do direito de defesa do empregador. Mesmo nos sítios peculiares do processo do trabalho seria inconcebível a ideia de que a tuteia dos direitos dos trabalhadores pudesse (ou devesse) ser empreendida, na prática, mediante o sacrifício do direito de resposta do empregador.

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Ao direito subjetivo público, do trabalhador, de ver apreciada pelo Poder Judiciário qualquer ameaça ou lesão de direito (Const. Federal, art. 5.º, XXXV), corresponde o do empregador de responder às pretensões deduzidas pelo adversário (Const. Federal, arts. 5.º, V e LV, por extensão). Veja-se, porém, que a lei não exige que o réu responda à ação, e, sim, que lhe seja oferecida a oportunidade para responder, se o desejar. Como anotamos, páginas atrás, se a exigência legal fosse de que o réu efetivamente respondesse estaríamos diante de uma norma absurda, não tanto pelo fato de impor que alguém se defendesse contra a sua vontade, mas, acima de tudo, por propiciar aos maus réus condições de fazer com que o procedimento não tivesse curso, enquanto não resolvesse demover-se de seu intuito de não responder.

Tanto no sistema do processo civil, quanto no do processo do trabalho, portanto, o réu resistirá (estamos cogitando, agora, da contestação) às pretensões formuladas pelo autor se isso for de sua conveniência. O que importa, reitere-se, é a concessão de oportunidade para que se defenda.

Quando falamos em autor e réu não estamos a nos referir, necessariamente, a trabalhador e empregador, segundo essa ordem nominal. Embora, na ampla maioria dos casos, no processo do trabalho o autor seja o trabalhador, e o réu, o empregador, há situações em que essas posições se invertem, passando o empregador a figurar no polo ativo da relação processual, e o autor, no passivo, como se dá, por exemplo, nos (impropriamente) chamados “inquéritos” para apuração de falta grave (CLT, art. 494) e na ação de consignação em pagamento (CPC, arts. 539/549). Essa ocasional alteração topológica, todavia, em nada altera o direito de ampla defesa, constitucionalmente assegurado (art. 5.º, LV) — que, na hipótese, será exercido pelo trabalhador.

1. Etimologia e conceito

O substantivo contestação é originário da forma latina contestatio, de contestari. Para Antenor Nascentes, todavia, o termo provém de contestare, cujo significado é o de contender com alguém por meio de testemunhas (testis) e de provas, embora tenha adquirido o sentido antonímico de refutar.20

Desde há muito os estudiosos se preocupam em enunciar um conceito de contestação; assim, colhem-se, na seara doutrinal, dentre outros, os seguintes: “É a direta contradição do réu à ação do autor” (João Monteiro); “É a negação dos fatos em que se apoia o direito em ação ou a adução de outros que importem o seu desaparecimento”(Affonso Fraga). Os conceitos reproduzidos, no entanto, são, data venia, insuficientes para refietir o verdadeiro alcance da contestação. O de João Monteiro, v. g., peca por aludir, apenas, à direta contradição do réu, como se não fosse possível a ocorrência da denominada “defesa indireta”; o de Affonso Fraga, conquanto tenha o mérito de insinuar a possibilidade de haver defesa indireta, não refere a viabilidade de a contestação ter um objeto meramente processual.

Para nós, a contestação consiste no instrumento pelo qual o réu se opõe, direta ou indiretamente, às pretensões formuladas pelo autor. Justifiquemos o conceito.

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Em regra, a contestação se dirige ao direito material alegado pelo autor, aos pedidos por este formulados (res In iudicio deducta), seja para negar a existência da situação jurídica em que se baseia a pretensão, seja para contrapor um fato que faça eliminar tal situação. Em vários casos, entretanto, o réu, antes de resistir, propriamente dito, às pretensões de direito material do autor, apresenta objeções de ordem puramente processual, como é o caso das preliminares, a que alude o art. 337, do CPC e de alguns dos incisos do art. 485, do mesmo Código. É o que a doutrina tem denominado de defesa processual.

Sendo assim, qualquer conceito de contestação, para ser completo, deve considerar, também, a defesa processual ou indireta. Em suma: a contestação pode ser como objeto não somente a pretensão deduzida pelo autor, de direito material (defesa direta), como o próprio processo (defesa indireta). Na defesa direta, como ficou dito, o réu visa a obter um provimento jurisdicional que rejeite os pedidos apresentados pelo autor; na indireta, ele se dirige ao processo como instrumento pelo qual o autor impetra a tutela da jurisdicional, seja para obter a extinção do processo sem julgamento do mérito, seja para sanar eventuais irregularidades processuais.

Na contestação, o réu não formula pedidos, não deduz nenhuma pretensão, senão que resiste a ela. Sob este aspecto, pode-se asseverar que a contestação não altera as dimensões da lide não modifica, enfim, os lindes objetivos da entrega da prestação jurisdicional, embora deva ser reconhecido que ela amplia o campo de cognição do juiz, pelo trazimento de fatos capazes de modificar, de impedir ou de extinguir o direito em que o autor funda a ação. Os limites da lide são estabelecidos pelo autor, na petição inicial. Somente na reconvenção é que o réu formula pretensões, oportunidade em que se transforma em autor, para os efeitos dessa modalidade reversiva de resposta.

2. Escorço histórico

Não há uma uniformidade doutrinária quanto ao momento em que a contestação surgiu no direito romano. Para alguns, ela já era encontrada no período das legis actiones; para outros, contudo, só apareceu na época do processo formulário.

Uma coisa é certa: a contestação já era conhecida na fase do processo por fórmulas, onde aparecia com as denominações de lis ordmata, iuatctum acceptum, constitutum, etc.

Este processo se caracterizava pelo fato de determinadas fórmulas de ações e de defesas serem elaboradas por jurisconsultos, cabendo aos litigantes pronunciá-las em juízo, na presença do pretor. O rigorismo dessas fórmulas fazia com que se a parte deixasse de mencionar uma única sílaba ou palavra não lhe fosse concedida a ação. Se o fosse, o pretor autorizava o uso da ação, cabendo ao autor formular as suas alegações, e ao réu, responder. Tanto as alegações do autor quanto as do réu deveriam ser comprovadas por meio de testemunhas, derivando daí a denominação de litiscontestação (litis et cum testatio).

A litiscontestatio constituía, por isso, o procedimento por meio do qual se firmava, com testemunhas, o acordo necessário para a formação da instância.

Com Justiniano, a contestação da lide sofreu algumas alterações (mas não deixou de existir), seja quanto à forma, à natureza ou aos efeitos. Basta observar que se estabelecia

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entre as partes um outro contrato, que não afetava a relação jurídica original, em que se baseava a res in iudicio deducta, e que permitia a reparação do erro causado na ação durante todo o curso do processo.

Na síntese de Affonso Fraga, a contar do momento em que se formava a litiscontestatio, surgia um vínculo obrigatório que unia as partes, sujeitando-as a acatar os efeitos que produzia, e que eram estes: a) cada...

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