Formação de consórcio - Escolha de parceiro por empresa estadual - Desnecessidade de licitação

AutorProf. Antônio Carlos Cintra do Amaral
CargoAdvogado em São Paulo. Consultor e Parecerista em Direito Administrativo. Ex-Professor de Direito Econômico na Faculdade de Direito da PUC/SP.
Páginas1-9

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Consulta

A Consulente, empresa estadual, deverá participar de licitação para concessão do serviço de fornecimento de água e esgotamento sanitário no Município de .....

Para participar dessa licitação, pretende ela consorciar-se com parceiros privados. Essa parceria far-se-á em benefício do usuário dos serviços, a quem se pretende continuar prestando serviço adequado.

Indaga se a escolha de parceiros privados, para participar da licitação em consórcio e, caso seja vencedor esse consórcio, constituir com esses parceiros uma sociedade que tenha por objetivo exclusivo a prestação do aludido serviço, deverá ser precedida de licitação.

Esclarecendo que tem a maior urgência em posicionar-se perante essa questão, a Consulente junta os elementos necessários à compreensão do assunto e solicita-me emitir opinião a respeito.

É o que farei a seguir. Page 2

Parecer

A Consulente é uma sociedade de economia mista, integrante da Administração Indireta do Estado.

A Constituição de 1988, em seu art. 22, XXVII, dispunha, em sua redação original, que a União tinha competência para legislar sobre:

"XXVII - normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para a administração pública, direta e indireta, incluídas as fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, nas diversas esferas de governo, e empresas sob seu controle;"

Com a aprovação da Emenda Constitucional nº 19, de 4/6/98, esse dispositivo passou a ter a seguinte redação:

"XXVII - normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1º, III;"

Entendo que a alteração constitucional importou em submeter as empresas estatais, quer sociedades de economia mista, quer empresas públicas, apenas aos princípios da licitação (art. 173, § 1º, III, da Constituição), e não mais às normas gerais de licitação e contratação editadas pela União. Caso entendêssemos o contrário, a Emenda Constitucional nº 19 teria sido, nesse ponto, inócua. A alteração somente tem sentido se a entendermos como retirando as empresas estatais da disciplina de normas gerais editadas pela União. Assim, parece-me que a Lei 8.666/93 passou a não mais aplicar-se às empresas estatais, quer federais, quer estaduais, municipais ou do Distrito Federal.

A questão, porém, não tem relevância para o enfoque adequado da consulta formulada. Qualquer que seja o entendimento que se dê à alteração efetuada pela Emenda Constitucional nº 19, é inequívoco que a Consulente, como empresa estadual, mais especificamente sociedade de economia mista, integrante da Administração Indireta do Estado, tem o dever de licitar. Quer de acordo com as normas da Lei 8.666/93, quer de acordo com os princípios da licitação.

O problema que se põe é: as empresas estatais têm o dever de realizar licitações. Mas, para contratar o quê?

A Constituição dispõe, em seu art. 37, XXI, que:

"XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os Page 3 concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações."

Por outro lado, dispõe no art. 175:

"Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos."

Fica claro, à vista desses dispositivos constitucionais, que o procedimento licitatório deve, em regra, preceder a contratação, pela Administração Pública em geral, de:

  1. obras;

  2. serviços;

  3. compras;

  4. alienações; e

  5. concessões e permissões de serviço público.

    É cediça a noção de que a licitação é um procedimento que tem por objetivo a celebração de um contrato administrativo. O que é um contrato administrativo? Não adianta buscarmos na doutrina estrangeira um conceito universal de contrato administrativo. A doutrina francesa dedica-se à descrição do Direito francês. A italiana, do Direito italiano. E assim por diante. Importa saber o que é contrato administrativo no Direito brasileiro. Todo Direito é Direito posto e vigente em um determinado país.

    Nesse sentido, escreveu HANS KELSEN, no prefácio à sua "Teoria Geral do Direito e do Estado" (trad. de Luís Carlos Borges, 3ª ed., São Paulo, Martins Fontes, 1998, p. XXVII):

    "A teoria que será exposta na primeira parte deste livro é uma teoria geral do Direito positivo. O Direito positivo é sempre o Direito de uma comunidade definida: o Direito dos Estados Unidos, o Direito da França, o Direito mexicano, o Direito internacional."

    No mesmo sentido, diz ALF ROSS ("Sobre el Derecho y la Lenguaje", trad. de...

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