O contador, o medo e a fraude: uma análise a luz das emoções

AutorElionor Farah Jreige Weffort, Rodrigo de Souza Gonçalves
CargoDoutora em Controladoria e Contabilidade (USP) Professora do Programa de Mestrado em Ciências Contábeis (FECAP), São Paulo/SP Brasil / Doutor em Ciências Contábeis (UnB/UFPB/UFRN) Professor-Associado da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (UnB), Brasília/DF, Brasil
Páginas61-78
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Artigo Original
Artigo
Original
Revista Contemporânea de Contabilidade, Florianópolis, v. 19, n. 52, p. 61-78, jul./set., 2022.
Universidade Federal de Santa Catarina. ISSN 2175-8069. DO I: https://doi.org/10.5007/2175-8069.2022.e83221
O contador, o medo e a fraude: uma análise a luz das emoções
The accountant, fear and fraud: an analysis in the light of emotions
El contador, el miedo y el fraude: un análisis a la luz de las em ociones
Elionor Farah Jreige Weffort
*
Doutora em Controladoria e Contabilidade (USP)
Professora do Programa de Mestrado em
Ciências Contábeis (FECAP), São Paulo/SP Brasil
eweffort@fecap.br
https://orcid.org/0000-0001-8960-7308
Rodrigo de Souza Gonçalves
Doutor em Ciências Contábeis (UnB/UFPB/UFRN)
Professor-Associado da Faculdade de Economia, Administração
e Contabilidade (UnB), Brasília/DF, Brasil
rgoncalves@unb.br
https://orcid.org/0000-0003-3768-2968
Endereço do contato principal para correspondência*
Avenida da Liberdade 532, Bairro Liberdade, CEP: 01502-001 - São Paulo/SP, Brasil
Resumo
Com objetivo de investigar o efeito – inibidor ou motivador – da emoção ‘medo’ e a disposição do indivíduo
de participar e denunciar a fraude corporativa, observou-se os ‘medos sociais’ organizacionais em 332
sujeitos, expostos a 3 cenários: participação em fraude; whistleblowing (sem participação na fraude ou
favorecimento) e delação premiada (participação na fraude e favorecimento pela denúncia). Os resultados
revelam que a disposição para participar da fraude está positivamente relacionada aos medos da
‘hierarquia’ e ‘de perder benefícios econômicos na organização’ e, negativamente, aos medos ‘da norma
penal’ e de ‘colocar em r isco a reputação no mercado de trabalho’; para whistleblowing têm-se os medos de
ser desleal com a empr esa’ e ‘da reprovação fami liar e de amigos’ e na delação premiada, os medos ‘de
colocar em risco a reputação no mercado de trabalho’ (motiva) e o ‘de reprovação pelos colegas’ (inibe).
Palavras-Chave: Emoções; Medo; Fraude; Whistleblowing ; Delação premiada
Abstract
In order to investigate the effect – inhibit or motivate – of 'fear' and the individual's willingness to participate
and report fraud, the organizational ‘social fears’ were observed in 332 subjects, exposed to 3 scenarios:
participation in fraud; whistleblowing (without participation in fraud or favouring) and plea bargain (with
participation in the fraud and the benefit of reducing penalties). The results reveal that the willingness to
participate in the fraud is positively related to the social fears of the 'hierarchy' and 'of losing economic
benefits in the organization' and, negatively, to the fears 'of the penal rule' and of 'jeopardizing reputation in
the market'; for whistleblowing, there are the fears of ‘being disloyal to the company’ and ‘disapproval from
family and friends’ and concerning plea bargain, the fears ‘of risking the reputation in the market’ (motivates)
and ‘disapproval by colleagues’ (inhibits).
Keywords: Emotions; Fear; Fraud; Whistleblowing; Plea bargain
Resumen
Para investigar el efecto – inhibitorio o motivador – de emoción ‘miedo’ en la disposición del individuo de
participar y denunciar el fraude corporativa, se observó el ‘miedo’ en 332 sujetos, expuestos a 3 escenarios:
participación en fraude; whistleblowing (sin participación en el fraude o favorecimiento) y delación premiada.
Los resultados revelan la disposición para participar del fraude está positivamente relacionada a los miedos
sociales de la ‘jerarquía’ y ‘de perder beneficios’ y, negativamente, a los miedos ‘de la norma penal’ y de
‘poner en riesgo la reputación’; para whistleblowing se tienen los m iedos de ‘ser desleal con la empresa’ y
‘de la reprobación familiar y de amigos’ y en la delación premiada, los miedos ‘de poner en riesgo la
reputación’ (motiva) y el ‘de reprobación por los colegas’(inhibe).
Palabras clave: Emociones; Miedo; Fraude; Whistleblowing; Delación premiada
O contador, o medo e a fraude: uma análise a luz das emoçõe s
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Revista Contemporânea de Contabilidade, Florianópolis, v. 19, n. 52, p. 61-78, jul./set., 2022.
Universidade Federal de Santa Catarina. ISSN 2175-8069. DO I: https://doi.org/10.5007/2175-8069.2022.e83221
1 Introdução
Nas últimas décadas as fraudes corporativas – espécie de wh ite-collar crime – tem ocupado lugar
de destaque na mídia nacional e estrangeira, em parte atraída pelas estatísticas de criminalidade. Por
exemplo, a ACFE – Association of Certified F raud Examiners (2018, 2020) identificou em pesquisas
conduzidas em 125 países, em 2017 e entre 2018 e 2019, a ocorrência de perdas decorrentes de fraudes
ocupacionais – cometidas por gestores e empregados contra a própria entidade na qual trabalham em
valor superior a US$ 7 bi em 2017 e US$ 3,6 bi entre 2018 e 2019; sendo que os esquemas fraudulentos
com demonstrações financeiras, apesar de representarem apenas 10% dos casos analisados, responderam
pelas perdas mais elevadas. Apesar de nem toda fraude corporativa ser classificada como “contábil” ou de
“demonstrações financeiras”, parte significativa faz uso da contabilidade para encobrir e/ou perpetuar seus
atos; confirmando a relevância da contabilidade como “instrumento”, ainda que neste contexto de forma
negativa.
Mais visíveis, as fraudes corporativas atraíram também acadêmicos. Abundantes os estudos que
buscam identificar red flags indicativas de fraudes (p.ex.; Pincus, 1989; Riahi-Belkaoui & Picur, 2000;
Gullkvist & Jokipii, 2013; Brazel, Jones, Thayer, & Warne, 2015; Taylor, 2021), bem como, aqueles que se
dedicam a analisar fatores motivadores e inibidores das fraudes (p.ex. Duffield & Grabosky, 2001; Singleton
& Atkinson; 2011, Geep, Kumar, & Bhattacharya, 2020).
Além do impacto negativo das fraudes corporativas no patrimônio das organizações, seus efeitos
danosos são muito mais abrangentes. Desemprego, aumento da desigualdade de renda e da criminalidade
geral (Golden, 2021), deterioração da poupança (p. ex. no patrimônio dos fundos de pensão), afastamento
do investidor do mercado acionário e consequente aumento do custo de captação de recursos, entre outros
(p.ex. Rezaee, 2005; Zahra , Priem, & Rasheed, 2005; Sadka, 2006; Levi, 2009, Toms, 2019).
Justifica-se, neste cenário, a preocupação do Estado e das empresas na prevenção e detecção das
fraudes. Dentre as iniciativas, destacam-se leis mais abrangentes, penas mais severas, ampliação das
possibilidades de produção de provas, entre outros, têm sido utilizadas pelos Estados – inclusive no Brasil –
no intuito de reduzir a incidência de fraudes corporativas. Por exemplo, o contador foi incluído
expressamente nos artigos 342 e 343 do Código Penal (Lei nº 10.268/01), em crimes referentes a falso
testemunho. Imbuída do mesmo intuito, a Lei n° 9.613/98 (artigo 11, inc. III) determina a obrigatoriedade das
comunicações de profissionais e organizações contábeis ao COAF sobre alguns crimes. Também voltada à
produção de provas, os controversos institutos da delação premiada e da leniência foram “transplantados”
dos sistemas common law para o sistema brasileiro.
Nas empresas, o desenvolvimento e fortalecimento das estruturas e mecanismos de governança
corporativa, ampliação/sofisticação dos controles internos, crescente presença de mecanismos facilitadores
de denúncia (canal de denúncia, código e treinamento em ética) também exemplificam a preocupação em
reduzir as fraudes corporativas. Segundo a ACFE (2018, 2020) as denúncias são o método de detecção
inicial de 40% das fraudes ocorridas no ambiente corporativo.
Confirmam a necessidade de endereçar as denúncias (e denunciantes) de fraudes as estatísticas
de criminalidade – sobre as quais se assentam parte significativa das pesquisas –porque não contemplam
as ‘cifras negras’ (dark number) e as ‘cifras douradas’. As ‘cifras negras’ abrangem, de modo geral,
ocorrências de crimes não reportados, em virtude de desinteresse ou receio das vítimas em comunicar,
investigações infrutíferas, ausência de punição etc.. As ‘douradas’, por sua vez, são aquelas referentes aos
chamados ‘crimes econômicos’, nos quais as explicações prováveis de ocorrência estão relacionadas, entre
outros aspectos, à falta de interesse do Estado na investigação e punição e, no temor da empresa na
exposição pública da fraude e os riscos daí decorrentes (p.ex. imagem) (Sutherland, 1940; Sutherland,
1945; Holtfreter, Van Slyke, Bratton, & Gertz, 2008; Gottschalk & Tcherni-Buzzeo, 2016).
Por sua relevância, as denúncias também foram objeto de diversos estudos que fazem interface
com a moral, sociologia ou psicologia. em especial wh istleblowing (e.g Clements & Shawer, 2015;
Robinson, Robertson, & Curtis, 2012; Johansson & Carey, 2016; Tsahuridu, 2019). Mais raras contudo, as
pesquisas que abordam os fatores motivadores ou inibidores da denúncia sem (whisltleblowing) ou com
favorecimento (delação premiada) em um contexto de fraude corporativa de natureza contábil (Taylor &
Curtis, 2010; Dinc, Kuzey, Gungormus, & Atalay, 2018).
No contexto de fraudes corporativas não se pode ignorar o efeito que a emoção repercute nas
decisões de participar ou não de uma fraude ou mesmo de denunciá-la, até mesmo em um contexto de
proteção do denunciante (Wainberg & Perreault, 2016; Dinc et al., 2018), pois o medo de sofrer represálias
pode ser maior do que a disposição em denunciar. É nesse sentido que as emoções afetam as decisões
dos indivíduos (Bazerman & Moore, 2009; Damasio, 2000) nas diversas dimensões de sua vida (familiar,
amorosa, profissional etc.), não sendo diferente com as escolhas contábeis, que também guardam relação
com as emoções (Milan, Weffort, Silva, & Cornachione Junior, 2015; Dinc et al., 2018).
Ante o contexto ora apresentado, esta pesquisa tem como objetivo precípuo investigar o efeito
inibidor ou motivador – da emoção ‘medo’ e a disposição do indivíduo em participar e/ou de denunciar a
fraude corporativa. Para propósito de análise, foram observados os denominados ‘medos sociais’ em
ambiente organizacional (Freitas & Dantas, 2014; Rosa, Martinez, & Balassiano, 2015; Henik, 2008). Os

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