A questão da duração do contrato administrativo

AutorProf. Sidney Bittencourt
CargoProfessor dos Cursos de Licitações e Contratos da Pós-Graduação da Universidade Gama Filho, da UCAN (CCCM), da FABES, do COAD, da MATERKO e do CEAP. Mestre em Direito pela UGF.
Páginas1-13

Page 1

I - Introdução e histórico

Dentre as questões mais levantadas em debates, seminários, cursos, consultorias encontra-se, pontificando, a referente ao prazo de duração do contrato administrativo.

Sem dúvida o legislador foi e manteve-se infeliz ao longo desses cinco anos de vida da Lei de Licitações e continua, não obstante a tentativa, sempre infrutífera, de acerto do texto inicialmente mal elaborado.

Diversos autores de escol já produziram estudos de ótima cepa sobre o tema, na tentativa de desatar o nó dado pelo redator do dispositivo que regula o assunto (art. 57 e incisos da Lei 8.666/93), notadamente os professores Antônio Carlos Cintra do Amaral1, Eros Roberto Grau2, Moacyr Simioni Filho3, Leon Frejda Szklarowsky4 e Paolo Henrique Spilotros Costa.5 Page 2

Entretanto, parece-nos que, apesar dos belos trabalhos, persiste a necessidade de aprofundamento dessa apreciação, haja vista as mais diversas formas adotadas pelos órgãos da Administração para o estabelecimento da duração de seus contratos.

Conforme relembra Cintra do Amaral6, o professor Hely Lopes Meirelles, classificando os contratos para uma melhor compreensão do fenômeno jurídico, distinguia prazo de execução de prazo extintivo do contrato, assim posicionando-se: "A extinção do contrato pelo término de seu prazo é a regra nos ajustes por tempo determinado. Necessário é, portanto, distinguir os contratos que se extinguem pela conclusão de seu objeto e os que terminam pela expiração do prazo de sua vigência: nos primeiros, o que se tem em vista é a obtenção de seu objeto concluído, operando o prazo como limite de tempo para a entrega da obra, do serviço ou da compra sem sanções contratuais; nos segundos, o prazo é de eficácia do negócio jurídico contratado, e assim sendo, expirado o prazo, extingue-se o contrato, qualquer que seja a fase da execução de seu objeto, como ocorre na concessão de serviço público ou na simples locação de coisa por tempo determinado. Há, portanto, prazo de execução e prazo extintivo do contrato." 7

A distinção defendida por Meirelles, conforme bem constatou o Prof. Cintra do Amaral8, não foi totalmente incorporada pelas normas recentes que especificam o tema.

Estabelecia o vetusto Decreto-lei 2.300/86, em seu art. 47:

"A duração dos contratos regidos por este Decreto-lei ficará adstrita à vigência dos respectivos créditos, exceto quanto aos relativos:

I - a projetos ou investimentos incluídos em orçamento plurianual, podendo ser prorrogado se houver interesse da Administração, desde que isso tenha sido previsto na licitação e sem exceder de 5 anos ou do prazo máximo para tanto fixado em lei; e

II - a prestação de serviços a ser executada de forma contínua, podendo a duração estender-se ao exercício seguinte ao da vigência do respectivo crédito".

A regra, a nosso ver, a não ser pela inacertada inserção de um prazo máximo para os acordos cobertos pelos recursos do orçamento plurianual, era Page 3 por demais coerente, porquanto permitia que contratos de trato sucessivo (contínuos), importantíssimos para a manutenção dos chamados serviços públicos (conservação, limpeza, alimentação, vigilância, etc) fossem mantidos até o final do exercício seguinte, ainda que, por questões diversas, tivessem sido celebrados, por exemplo, em meados do ano anterior.

Com a sanção da Lei nº 8.666/53, alterações importantes foram implantadas. Acertou-se, felizmente, o problema do limite máximo dos contratos voltados para objetos contemplados nas metas estabelecidas no Plano Plurianual, suprimindo-se o limite absurdo de 5 anos. Por outro lado, tornou-se totalmente confuso o texto da exceção referente aos contratos continuados, fazendo com que modificações de acerto fossem realizadas várias vezes, o que, a aplicação na prática indica, não logrou êxito.

Preliminarmente, antes de adentrarmos na tarefa de apreciação da regra legal disposta, devemos nos conscientizar sempre de que estamos analisando uma regra legal de direito público. Assim, nossa instrumentação deve se cingir às técnicas que regem a interpretação jurídica desse ramo do direito, mais particularmente, para encurtarmos ainda mais o cerco, sobre o direito administrativo.

O grande Carlos Maximiliano9 leciona que a interpretação do direito (e aí, diria, o direito como ciência) deve ser realizada inteligentemente e "não de modo que a ordem legal envolva um absurdo, prescreva inconveniências", a ponto do intérprete alcançar conclusões inconsistentes ou impossíveis.

Quanto a interpretação de normas de direito administrativo, urge relembrar que se faz mister a adoção da técnica de interpretação teleológica, ou seja, procurando-se, sempre, a finalidade de texto positivado, na busca incessante do interesse público. A Administração Pública, e os direitos que a envolva tem por finalidade única satisfação das necessidades coletivas.

Eros Roberto Grau10, relembrando, ensinamentos de Renato Alessi11, alerta que o interesse público, coletivo, cuja satisfação deve ser perseguido pela Administração, não se perfaz simplesmente no interesse da Administração enquanto aparato organizacional autônomo, porém aquele que é chamado interesse coletivo primário, sendo este resultante do complexo dos interesses individuais prevalentes em determinada organização jurídica da coletividade, ao passo que o interesse do aparato organizacional que é a Administração se resumirá simplesmente em interesses secundários que se fazem sentir no seio da coletividade e que podem ser realizados somente na medida em que coincidam, e nos limites dessa coincidência, com o interesse coletivo primário. Page 4

Ainda nas preliminares, relembra-se, também, que o intérprete do direito deve ter como diretriz a interpretação do direito como um todo e não de textos isolados, desprendidos uns dos outros. Ao mesmo tempo, também na interpretação da Lei, como um todo, deve o intérprete considerar todo o ordenamento jurídico que o envolve. Nada, em direito, portanto, deve ser visto com ótica isolada. O texto de um dispositivo deve, com harmonia, encaixar-se com o texto de outro dispositivo da mesma norma, que, por sua vez, também harmoniosamente, juntar-se-á aos demais dispositivos de outras normas legais, formando-se, em conseqüência, o ordenamento jurídico vigente. "Não se interpreta o direito em tiras, aos pedaços. Por isso... um texto de direito isolado, destacado, depreendido do sistema jurídico, não expressa significado normativo nenhum."12

A Lei nº 8.666/93 trata de todos os contratos celebrados pela Administração Pública, sejam administrativos ou não13. No que tange aos contratos administrativos, submetem-se a preceitos de direito público, aplicando-lhes o direito privado subsidiariamente14. Fixado assim, está o critério de interpretação destes contratos.

Apenas como lembrete, frisa-se que a aplicação subsidiária do direito privado é necessário porque repousa na teoria geral dos contratos o alicerce de contrato administrativo. Sobre essa base é que se juntam as prerrogativas que possuem estes contratos, notadamente as cláusulas exorbitantes. Marcos Juruena exemplifica que fatores tais como a bilateralidade, a onerosidade e a comutatividade são extraídos da teoria geral e incorporados ao contratos administrativos, constituindo, assim, limites ao uso, muitas vezes imoral e distorcido das cláusulas exorbitantes, buscando-se dessa forma, as soluções de questões que ultrapassem os limites do Direito Administrativo no direito privado, como, por exemplo, a "indenização".15

II - Apreciação técnico-jurídica da situação

Suplantados os pressupostos, de significativa importância para o que se pretende avaliar, cabe-nos, de plano, por em prática toda essa aparente "babel" de conceitos. Page 5

Asseveramos que a interpretação de um regramento estabelecido em um dispositivo deve ser realizada em consonância com os demais, constantes não só na mesma norma, mas em todo o ordenamento jurídico, portando-se sempre, aí sem exceção, nos princípios basilares que regem o direito.

Conseqüentemente, faz-se necessário um minucioso levantamento das regras dispostas na Lei 8.666/93 e outras normas, inclusive constitucionais, que, de alguma forma, influenciam no rumo a ser tomado na apreciação do art. 57 que, como já dito, trata, com exagerado rigor, da duração do contrato.

Vejamos, então:

  1. os contratos têm sua vigência atrelada ao exercício do crédito orçamentário (caput do art. 57 Lei 8.666/93). O exercício orçamentário (financeiro) coincide com o ano civil, isto é, tem início em 1º de janeiro e término em 31 de dezembro (art. 34 da Lei nº 4.320/64). Tal período pode sofrer alterações através de lei complementar (§ 9º, art. 165, da CF);

  2. as obras e os serviços só podem ser licitados (e, obviamente, contratados) quando houver previsão de recursos orçamentários que assegurem o pagamento das obrigações decorrentes a serem executadas no exercício financeiro em curso (art. 7º, § 2º III, Lei 8.666/93) ou quando o produto delas esperado constar do elenco das metas estabelecidas no Plano Plurianual de que trata o art. 165 da CF (inciso IV);

  3. para que se inicie as licitações de obras e serviços é obrigatória a elaboração, também, de um orçamento detalhado em planilhas que expresse a composição de todos os custos unitários (art. 7º, § 2º, II, Lei 8.666/93);

  4. o art. 167 da Constituição Federal proíbe a instauração de programas ou projetos que não estejam incluídos na lei orçamentaria;

  5. nenhuma compra pode ser realizada sem a precisa indicação dos recursos orçamentários para o seu pagamento, sob pena de nulidade do ato e responsabilidade de quem lhe deu causa (art. 14, Lei 8.666/93);

  6. constitui-se como cláusula obrigatória em todos contratos, a que estabeleça o crédito pelo qual correrá a...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT