Contrato de Trabalho. Subordinação Jurídica. Poder Diretivo do Empregador. Direitos e Deveres do Empregador e Empregado

AutorMelchíades Rodrigues Martins
Ocupação do AutorJuiz do Trabalho Aposentado do TRT da 15ª Região. Mestre em Direito
Páginas27-56

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1. Contrato de trabalho

Várias teorias procuraram estudar a natureza jurídica da relação de emprego, as quais não comportam considerações nesta obra até porque na atualidade a teoria contratual é a consagrada pela nossa legislação laborai e se assenta numa realidade que marca o contrato de trabalho. É certo também que a legislação pátria admite que o contrato individual de trabalho poderá ser acordado tácita ou expressamente, verbalmente ou por escrito, por prazo determinado ou indeterminado, ou para prestação de trabalho intermitente, a teor do art. 443 da CLT, com a redação dada pela Lei n. 1.3467, de 13.7.2017, sendo que esse procedimento é encontrado em muitos casos e nem por isso descaracteriza a sua natureza contratual.

Há, inclusive, determinadas situações, como a contratação por parte da empresa, de empregados qualificados e especializados, ou, então, para o exercício de função de alta responsabilidade, em que as condições para a formação do contrato são estabelecidas após intensas negociações entre as partes interessadas, evidenciando-se, por consequência, que a decisão sobre a aceitação ou não das condições se situa na esfera da liberdade de contratar de cada parte.

Também a ausência de discussão sobre as cláusulas da relação de emprego não é motivo para afastar a natureza contratual do vínculo, pois como nos ensina Russomano "O erro fundamental dos anticontratualistas - como pondera Carnelutti - está em pensarem que a livre discussão das cláusulas seja coisa essencial à existência e à natureza do próprio contrato. Pesam, em sentido contrário, muitos exemplos. Se alguém compra certo objeto em uma casa comercial, submete-se às condições propostas pelo estabelecimento relativas ao preço. A compra e venda que assim se efetua é um arranjo de vontades livres, embora não tenha havido discussão sobre as condições da transação. Existem, aliás, entre as diversas categorias de contratos, os ditos 'contratos de adesão', nos quais uma das partes, pura e simplesmente, adere às cláusulas estipuladas, unilateralmente, pela outra parte contratante. Nenhum jurista e nenhum dispositivo legal deixam de atribuir aos contratos de adesão, pela livre manifestação de duas ou mais vontades, o caráter de verdadeiros contratos"1.

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Dessa concepção posta pelo renomado mestre, compreende-se que as limitações à autonomia privada, ditadas em razão das características das normas trabalhistas, não afastam a natureza contratual da relação de emprego, a qual está em consonância com os termos do art. 442 da CLT, que evidencia a índole contratual dessa relação.

Registre-se, ainda, que o art. 444 da CLT dispõe que "As relações contratuais podem ser objeto de livre estipulação pelas partes interessadas em tudo quanto não contravenha às disposições de proteção de trabalho, aos contratos coletivos que lhe sejam aplicáveis e as decisões das autoridades competentes".

Por tal preceito tem-se a confirmação de que as partes detêm o poder de estabelecer as normas voltadas aos seus interesses, desde que respeitados os princípios próprios do Direito do Trabalho, como o protetor, o da irrenunciabilidade dos direitos do trabalhador, o da continuidade da relação de emprego e o da razoabilidade.

Não se pode, portanto, atribuir à intervenção do Estado nas relações trabalhistas um fator determinante para anular a vontade das partes na formação do vínculo empregatício, uma vez que a presença desse dirigismo contratual no campo do Direito do Trabalho se deu em razão de luta e conquista dos trabalhadores sob a bandeira de situá-los em igualdade com os empregadores, para que então, fundado na livre manifestação de vontade, formalizem verdadeiros contratos de trabalho.

De outra parte, negar a natureza contratual da relação de emprego acarretaria inconvenientes práticos para o próprio desenvolvimento do contrato de trabalho e nos reflexos decorrentes. Assim, em nosso livro CLT, Doutrina - Jurisprudência Predominante e Procedimentos Administrativos (v. 4, jun. 2009), em coautoria com Irany Ferrari, afirmamos que "a relação de emprego é na sua essência um contrato de trabalho. Ainda que num primeiro momento ela possa resultar da inserção do trabalhador na empresa ou de aceitação tácita do empregador, mas ato seguinte é um contrato que se formou. Todas as teorias que procuraram se afastar da teoria contratual, como a acontratualista e anticontratual não lograram êxito. Ocorre que é pela natureza contratual que se explica e se justifica as alterações das condições de trabalho que são feitas no decorrer da prestação de serviços. O mesmo se diz quanto à exigência do cumprimento das obrigações contratadas, principalmente quando mais favoráveis, a teor do disposto no art. 444 da CLT"2.

Lembramos, no entanto, que com a reforma trabalhista (Lei n. 13.467, de 13.7.17) foi introduzido o parágrafo único no art. 444 da CLT, conferindo tratamento especial ao empregado portador de diploma de nível superior e que perceba salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social, com o argumento de que tais empregados estão em condições de estipular com seus empregadores, cláusulas mais benéficas do que a dos demais empregados e que, por essa razão o que foi negociado prevaleça sobre o legislado. Tal disposição acrescida pela Lei n. 13.467, de 13.7.17, reforça ainda mais a natureza contratual da relação de emprego por dar ênfase a vontade das partes na sua celebração.

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Conclui-se, assim, que a natureza jurídica da relação de emprego é contratual. Quanto ao seu conceito acolhemos o de Délio Maranhão, para quem "Contrato individual de trabalho, em sentido estrito, é o negócio jurídico de direito privado pelo qual uma pessoa física (empregado) se obriga à prestação pessoal, subordinada e não eventual de serviço, colocando sua força de trabalho à disposição de outra pessoa, física ou jurídica, que assume os riscos de um empreendimento económico (empregador) ou de quem é a este, legalmente equiparado, e que se obriga a uma contraprestação (salário)"3.

2. Subordinação jurídica

Diversas teorias tentaram explicar a caracterização do contrato de trabalho. Assim foi o da dependência económica, social e técnica, as quais apenas auxiliaram o intérprete no exame do caso concreto. Ademais, o que se coloca em evidência é se as referidas formas de dependência, por si só, ou consideradas isoladamente, conduzem a um critério seguro e mais eficaz para a determinação do vínculo laborai. Sob este ângulo, efetivamente, nenhuma delas contribuíram para isso, obrigando os doutrinadores a encontrar uma adjetivação que pudesse resultar num critério único para que nele fosse baseada a solução de conflitos que tenha por objeto a existência ou não de uma relação de emprego. Neste contexto, e por meio de um processo evolutivo veio a ser firmada uma teoria, que hoj e é a consagrada pela doutrina brasileira e alienígena, a qual situa a dependência ou subordinação como sendo decorrente de um estado jurídico em que coloca a atividade do trabalhador (força do trabalho) sob a tutela do direito e passou a ser denominada de subordinação jurídica.

E foi Paulo Colin quem melhor a conceituou ao dizer que "Por subordinação jurídica entende-se um estado de dependência real criado por um direito, o direito do empregador de comandar, dar ordens, donde nasce a obrigação correspondente do empregado de se submeter a essas ordens. Eis a razão pela qual se chamou esta subordinação de jurídica, para opô-la principalmente à subordinação económica e à subordinação técnica, que comporta também uma direção a dar aos trabalhos ao empregado, mas direção que emanaria de um especialista. Trata-se, aqui, ao contrário, do direito completamente geral de superintender a atividade de outrem, de interrompê-la ou de suscitá-la à vontade, de fixar limites, sem que para isso seja necessário controlar continuadamente o valor técnico dos trabalhos efetuados. Direção e fiscalização, tais são os dois poios da subordinação jurídica"4.

Esse laço subordinativo evidenciado é, sem dúvida alguma, o que melhor identifica a caracterização do vínculo empregatício. Há, no entanto, casos em que esse afirmado critério não é muito claro e conclusivo. Isso porque existem situações fáticas delimitadas numa zona cinzenta, tal como sucede na hipótese de trabalho a domicílio, o teletrabalho e com os trabalhadores exercentes de cargo de confiança e de direção em que a subordinação pode chegar a uma intensidade mínima ou até imperceptível.

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Todavia, ainda assim para as mencionadas hipóteses, prevalece a subordinação jurídica como critério determinativo do contrato de trabalho5.

É que, para justificar a existência do traço distintivo para as situações destacadas, os doutrinadores partiram da premissa de que basta a possibilidade (jurídica) de o empregador dar ordens gerais, de comandar as instruções na direção da atividade alheia, para a configuração da subordinação jurídica. Dentre os autores que assim pensam podemos destacar Arion Sayon Romita, que afirma que "a subordinação não exige a efetiva e constante atuação da vontade do empregador na esfera jurídica do empregado. Basta a possibilidade jurídica dessa atuação. Por isso, a subordinação não deve ser confundida com submissão a horário, controle direto de cumprimento de ordens etc. O que importa é a possibilidade, que assiste ao empregador, de...

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