A contribuição da China para a cooperação sul-sul: o socialismo de mercado

AutorMarina Bolfarine Caixeta
CargoPesquisadora doutora com atuação nos campos da cooperação internacional para o desenvolvimento, políticas públicas (e sociais), gestão de projetos, monitoramento e avaliação, especialmente sobre a Cooperação Sul-Sul
Páginas186-217
Cadernos do CEAS, Salvador/Recife, v. 47, n. 255, p. 186-217, jan./abr. 2022 | ISSN 2447-861X
A CONTRIBUIÇÃO DA CHINA PARA A COOPERAÇÃO SUL-SUL: O
SOCIALISMO DE MERCADO
China's contribution to South-South Cooperation: the market socialism
Marina Bolfarine Caixeta
Centro de Estudos e Articulação da Cooperação Sul-Sul
(ASUL) Universidade de Brasília - UnB, Brasil
Informações do artigo
Recebido em 30/04/2022
Aceito em 25/05/2022
doi>: https://doi.org/10.25247/2447-861X.2021.n254.p186-217
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Atribuição 4.0 Internacional.
Como ser citado (modelo ABNT)
CAIXETA, Marina Bolfarine. A contribuição da China
para a cooperação Sul-Sul: o socialismo de mercado.
Cadernos do CEAS: Revista Crítica de Humanidades.
Salvador/Recife, v. 47, n. 255, p. 186-217, jan./abr. 2022.
DOI: https://doi.org/10.25247/2447-861X.2021.n254.p186-217
Resumo
A ascensão chinesa na presente ordem mundial provoca
transformações significativas no sistema da Cooperação
Internacional para o Desenvolvimento (SCID). Após a
Conferência do PABA+40 em 2019, quando se notabiliza uma
crise da Cooperação Sul-Sul (CSS) com dificuldade de expressar
sua natureza distinta no SCID, entender a experiência chinesa
torna-se relevante. Especialmente investigamos qual é a
contribuição dada pela China para a governança da CSS legada
pelo socialismo de mercado? Com base numa revisão da
literatura científica sobre as particularidades chinesas na ordem
global, lançamos a hipótese de que o socialismo é um sistema
político econômico e social mai s afim aos ideais do Sul e com
maior potencial de contribuição para a realização da CSS. O
presente artigo discute a Nova Rota da Seda e as interações da
China no eixo Sul-Sul, o Estado planejador e uma política estatal
para a CSS, e o socialismo de mercado e sua diplomacia plural e
pública-social para as inciativas de CSS, e conclui que além de a
China introduzir novos paradigmas, princípios e iniciativas,
pode-se reconhecer que o socialismo de mercado chinês
apresenta um avanço neste cenário em relação aos países do
sistema capitalista.
Palavras-Chave: Cooperação Sul-Sul. socialismo de mercado.
China. Nova Rota da Seda. Estado planejador.
Abstract
The Chinese rise in the present world order causes significant
transformations in the International Development Cooperation
(IDC) system. After PABA+40 Co nference in 2019, when a
South-South Cooperation (SSC) crisis was noted, due to the
difficulty in expressing its distinct nature in the IDC system, the
Chinese exp erience becomes even more relevant. We are
especially i nterested in investigating what is the contribution
that the Chinse socialist market economy makes to the SSC
governance? Based on a review of the scientific literature on
Chinese particularities in the global order, our hypothesis is that
socialism is a political, economic, and social system more in line
with the ideals of the South and with greater potential to
contribute to the realization of SSC. This article discusses the
New Silk Road and China's interactions in the Global South, the
planning state and a state policy for SSC, and the market
socialism and its plural and p ublic-social diplomacy for SSC
initiatives and concludes that in addition to China introducing
new paradigms, principles, and initiatives, it can al so be
recognized that Chinese market socialism presents an advance
in this scenario in relation to the countries of the capitalist
system.
Keywords: South-South Cooperation. market socialism. China.
New Silk Road. planner state.
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INTRODUÇÃO
A ascensão chinesa na presente orde m mundial provoca algumas transformações e
impactos políticos significativos. Especialmente o sistema da Cooperação Internacional para
o Desenvolvimento (SCID) tem recebido fortes influências da Cooperação Sul-Sul (CSS)
chinesa, com a introdução de novos paradigmas, princípios e iniciativas. A peculiaridade
chinesa, como país do Sul global, se caracteriza por parcerias políticas estratégicas
(NASCIMENTO e MAYNETTO, 2019), pela cooperação integral (HAIBIN, 2018; BAIYI, 2018);
pela cooperação para transformação estrutural (VIEIRA , 2015; VADELL et al., 2020)
assentada no tripé comércio-investimento-assistência (VADELL et al., 2020), tendo por base
uma diplomacia de tipo ganha-ganha (win-win) e parcerias para benefícios mútuos (YUAN,
2020).
Neste sentido, a presença da China na CSS está menos pautada pelas metas de
desenvolvimento da Agenda 2030 e seus Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)
do que pela integração (cad eias globais de comércio) e cooperação (desenvolvimento
nacional) entre os países, encetado pela Nova Rota da Seda (NRS). Neste período da CSS
posterior à Conferência do PABA+40
1
, assiste-se à uma governança mun dial da CSS
fragmentada entre os países do Sul global e bastante influenciada por interesses e iniciativas
do Norte global, evidente na Parceria Global para o Desenvolvimento Eficaz (GPEDC) que é
uma proposta do Fórum de Alto Nível para a Efetividade da Ajuda da OCDE desde o encontro
de Busan em 2011 (CAIXETA, 2021).
No entanto, o protagonismo chinês neste cenário da CSS tem mostrado desinteresse
nessa fusão da CSS com o regime da ajuda externa estabelecido pela OCDE
2
. A não adesão
de 4 dos 5 países-membros dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) ao GPDEC,
à exceção da Rússia, soma-se ao ceticismo de acadêmicos chineses sobre a legitimidade da
Parceria para orientar a prática da CID pelo Sul global. Há reivindicação por uma nova versão
da perspectiva histórica da cooperação para o desenvolvimento diante de uma ordem
1
Na Conferência das Nações Unidas para celebrar os 40 anos de Plano de Ação de Buenos Aires (PABA),
destaca-se à forte instrumentalização da CSS pela Agenda 2030 dos ODS e à vinculação da CSS à Cooperação
Trilateral, ou seja, marcada pela presença dos países desenvolvidos do Norte global e dos organismos
internacionais nas parcerias de CSS, especialmente no que tange à modalidade da coop. técnica.
2
Conforme descreveram Esteves e Klingebiel (2021), na Conferência de Busan ensaiou -se uma fusão da CSS
com a AOD (Assistência Oficial ao Desenvolvimento) da OCDE, o que tem resultado numa confusão quanto à
expressão singular (a identidade) da Cooperação Sul-Sul - suas normas, a tores e princípios.
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mundial alternativa almejada e estruturada pelo Sul emergente e por diálogos conduzidos no
âmbito do Fórum da Cooperação para o Desenvolvimento (FDC) do sistema ONU (XIAOYUN;
GUBO, 2021).
Também Vadell et al. (2020) defendem que é preciso distinguir a cooperação
entendida como ajuda eis o regime da ajuda externa ( foreign aid) estabelecido após a II
Guerra Mundial - da cooperação descrita em parcerias de benefícios mútuos no que tange
a construção de capacidades por meio da transferência de experiências e tecnologia.
Enquanto a primeira é protagonizada pela OCDE e sua Cooperação Norte-Sul (CNS) de
sentido vertical entre doadores e receptores, a segunda é mais bem representada pela CSS e
seus princípios horizontal e solidário entre países iguais e em prol da busca por benefícios
mútuos. Neste último caso, poder-se-ia enquadrar a China que tem um modelo próprio com
características peculiares. Chinese S SC takes up the postulates of the Bandung Conference
and the eight principles of Zhou Enlai, adapting them to present times, when China is a central
country in the capitalist world system.” (VADELL et al., 2020, p.3)
Assim, a China desperta inquietações tanto pelo alto volume de recursos financeiros
investidos na CSS quanto pela natureza híbrida de suas parcerias que vão desde comércio e
investimentos para a construção de infraestrutura até assistência técnica. Este é o caso da
Nova Rota da Seda, lançada em 2013 pelo governo Xi Jinping em inglês ficou conhecida
como One Belt One Road Initiative (OBOR) ou Belt and Road Iniative (BRI). Este grande projeto
de cooperação e integração dos países tem como objetivo imediato cons truir infraestrutura
para expandir a conexão dos países e continentes aumentando, sobretudo, as relações no
eixo Sul-Sul.
Não obstante, diversos pesquisadores têm se dedicado a analisar as inciativas
chinesas, apontando para algumas incoerências quanto aos princípios da CSS e uma possível
inadequação ao classificar a China como país do Sul global. Senna (2016) analisa, com base
no caso brasileiro, como o subimperialismo pode estar associado à sub-hegemonia nas
formas de cooperação que resultam dependência econômica. Aproveitando-se do status
semiperiférico, países como o Brasil e a China exercitam uma política externa expansionista
e relativamente autônoma no sistema internacional em relação aos demais países em
desenvolvimento para criar uma zona de influência (militar, econômica e política) baseadas
em narrativas disruptivas.

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