Controvérsias sobre a constitucionalidade da reforma trabalhista

AutorCarlos Roberto Barbosa
Páginas41-63
CONTROVÉRSIAS SOBRE A CONSTITUCIONALIDADE DA REFORMA TRABALHISTA
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CONTROVÉRSIAS SOBRE A CONSTITUCIONALIDADE DA REFORMA TRABALHISTA
Carlos Roberto Barbosa(*)
“O que importa num estado constitucional de direito não será tanto saber se o
que o legislador, o governo ou o juiz fazem são actos legislativos, executivos ou
jurisdicionais, mas se o que eles fazem pode ser feito e é feito de forma legítima[...]”.
CANOTILHO
(*) Juiz do Trabalho da 27ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte-MG. Doutor em Direito pela Universidad Complutense de Madrid.
(1) RAMOS, Dival da Silva. Controle de constitucionalidade. São Paulo: Saraiva, 2010.
I — SUPREMACIA DA CONSTITUIÇÃO
O controle de constitucionalidade é um recurso ju-
rídico criado para verif‌i car a correspondência entre os
atos emitidos por quem decreta o poder e a Constitui-
ção, anulando-os quando rompem os princípios consti-
tucionais. Esse controle é uma ferramenta jurídica pelo
qual, para assegurar o cumprimento das normas cons-
titucionais, se realiza um procedimento de revisão dos
atos de autoridade, incluindo normas gerais, e no caso
de contradição com a Constituição se procede a invali-
dação das normas de hierarquia inferior que não tenham
sido elaboradas em conformidade com aquela.
O fundamento desse controle é a manutenção do
princípio da supremacia constitucional.
A Constituição recolhe de maneira geral as decisões
políticas básicas de uma sociedade, estabelecendo como
se deve organizar o Estado, quem pode aceder ao poder
— conteúdo formal — assinalando o catálogo de direi-
tos humanos que as autoridades estarão obrigadas a res-
peitar e procurar — conteúdo material ou substantivo.
Deste modo, a Constituição determina as regras for-
mais e materiais a que os titulares do poder deverão
sujeitar-se, mediante cláusulas escritas ou positivadas. É
por meio destas cláusulas que se deixa ver a natureza da
Constituição: um pacto político que tende a organizar a
sociedade, assim como as instituições constituídas me-
diante as quais se exerce o poder.
Sucede que, toda vez que a Constituição é o resultado
ou ref‌l exo dos fatores reais do poder, ela mesma pode
ser def‌i nida como o conjunto dos mais importantes pro-
cessos políticos da sociedade que se desenvolvem nas
instituições que para tal efeito foram criadas. Nessa tes-
situra, se pode observar que a proteção da Constituição,
entendida como a máxima expressão de vontade de uma
sociedade e como constituinte dos princípios e institui-
ções fundamentais, adquire um papel fundamental no
moderno Estado Constitucional de Direito, já que não
pode haver instituição sem fundamento em um princí-
pio, nem princípio que não possa ser materializado e
protegido por uma instituição ou ferramenta, segundo
seja o caso. A Constituição f‌i xa as formas de expressão
do poder e determina seu controle, sendo um imperati-
vo que todo ato de autoridade, seja judicial, legislativo
ou administrativo, se encontra ajustado aos princípios
fundantes básicos, impondo, em caso de não ser assim,
a sanção de nulidade.
A supremacia hierárquica da Constituição traz como
primeira consequência a rigidez de suas normas.
A rigidez signif‌i ca a inalterabilidade da Constituição
por lei ordinária. É necessário estabelecer um procedi-
mento legislativo específ‌i co para a alteração do texto
constitucional.
O princípio da supremacia hierárquica das normas
constitucionais, mesmo que no plano normagêne-
se, aparece simultaneamente às normas impositi-
vas da rigidez constitucional, ostenta procedência
lógica (a exigência de que a alteração da Constitui-
ção se faça de modo solene provém da supremacia
formal que ela se atribui e não ao contrário) e cro-
nológica (tendo em vista o processo constituinte)
em relação ao princípio da rigidez.(1)
A segunda consequência do princípio da suprema-
cia da Constituição é o controle da constitucionalidade
das leis. É necessário estabelecer um mecanismo para
controlar a compatibilidade dos atos do Poder Legisla-
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CARLOS ROBERTO BARBOSA
tivo emanados à Constituição. A melhor forma de fazer
a Constituição prevalecer sobre os atos legislativos que a
contrariem é por meio de uso de uma sanção de inva-
lidade, que possa inibir, ab initio ou a partir de deter-
minado momento, passado ou futuro, os efeitos da lei
contraventora, retomando a classif‌i cação proveniente
do Direito Romano, na qual as leis perfeitas são aquelas
que determinam a nulidade dos atos praticados contra
as suas disposições.
À jurisdição constitucional compete fazer com que as
sanções de invalidade produzam os seus efeitos, o que
acentua a relação existente entre o controle da incons-
titucionalidade e o sistema sancionatório da inconstitu-
cionalidade enquanto vício.
II — MEIOS DE CONTROLE DA CONSTITUCIONALIDADE
O controle de regularidade constitucional é um ele-
mento essencial para manter a vigência da própria
Constituição, e dotando de equilíbrio os direitos funda-
mentais e as estruturas institucionais determinadas pelo
acordo constitucional.
Os sistemas jurídicos reconhecem a existência de
distintos mecanismos de controle, mesmos aqueles que
distinguem duas correntes: a americana e a europeia. No
que respeita à corrente americana, se verif‌i ca que o ju-
dicial review, ou o controle judicial das normas, é a tese
de não aplicação de uma norma inferior que desconhece
a Constituição. Esse sistema é o que hoje se conhece
como o controle difuso da constitucionalidade de leis,
toda vez que a faculdade de analisar a regularidade cons-
titucional das normas gerais não recai em um só órgão,
mas sim na totalidade de tribunais que conformam o
Poder Judiciário. Esse sistema procura um meio de con-
trole indireto, já que o exame de verif‌i cação ao regime
constitucional se efetua mediante um caso concreto de
aplicação da norma correspondente. Esse meio de con-
trole, ao não analisar em abstrato a norma em questão,
unicamente tem alcance de determinar que a lei não é
aplicável para este caso em particular, desconhecendo
efeitos gerais. Isso demonstra que o controle difuso não
persegue a proteção da totalidade da Constituição, mas
unicamente dos direitos individuais.
Por outro lado, temos o modelo concentrado que é
exercido unicamente por um órgão autorizado para tan-
to, criando-se para esse efeito uma jurisdição constitu-
cional, que contará com diversos meios de controle da
constitucionalidade, cujos efeitos dependerão da natu-
reza dos atos sujeitos ao controle.
O controle de constitucionalidade é repressivo no Ju-
diciário brasileiro e ocorre de forma mista, ou seja, por
(2) O STF, em exame da ADIn n. 652/MA (DJ 04.02.93), Relator Min. Celso de Mello, como questão de ordem, se pronunciou: “EMENTA (...). — O
repúdio ao ato inconstitucional decorre, em essência, do princípio que, fundado na necessidade de preservar a unidade da ordem jurídica nacional, con-
meio de forma concentrada (via de ação) ou difusa (via
de defesa).
O controle difuso de constitucionalidade enseja o
exercício da jurisdição por qualquer membro do Poder
Judiciário, tanto pelos juízes singulares quanto pelos
órgãos colegiados. Em relação a este, a Constituição
Federal exige a chamada cláusula de reserva de plená-
rio, prevista no art. 97 (“Somente pelo voto da maioria
absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo
órgão”), que determina a maioria absoluta dos membros
integrantes do Tribunal pleno ou órgão especial para de-
clarar a inconstitucionalidade de leis ou atos normativos
do Poder Público.
Quanto ao controle concentrado, o Supremo Tribunal
Brasil) é acionado para decidir acerca da constituciona-
lidade ou inconstitucionalidade de lei ou ato normativo
de forma abstrata; ou seja, se a norma indigitada está ou
não se contrapondo à Constituição, por meio das ações
diretas de inconstitucionalidade (ADI); das ações decla-
ratórias de constitucionalidade (ADC), instituídas pela
Lei n. 9.868/99; ou das arguições de descumprimento de
preceito fundamental (ADPF), regulamentada pela Lei
n. 9.882/99.
III — CONSEQUÊNCIAS DA INCONSTITUCIONALIDADE DA NORMA
O equilíbrio e a harmonia entre os Poderes impõem
ao Judiciário somente declarar a inconstitucionalidade
como exceção, quando f‌i car demonstrado que houve vio-
lação ao texto constitucional sem que essa decisão seja
apenas uma opção por determinada linha de interpreta-
ção, pois é mais lógico aceitar que o legislador, ao elaborar
a norma, ou o administrador, na execução dessa mesma
norma, sempre estará obedecendo à Constituição, donde
se conclui que o princípio da presunção de constituciona-
lidade tem como objetivo conservar os atos normativos,
sejam legislativos ou administrativos em concreto, dando
maior grau de certeza e segurança jurídica.
A consequência da inconstitucionalidade da norma
é sua invalidade, porque sendo a Constituição funda-
mento de validade das demais normas do ordenamen-
to jurídico, a validade das normas infraconstitucionais
pressupõe sua compatibilidade e conformidade com a
As decisões proferidas nessas ações têm efeitos ex
tunc (anulam a lei desde a sua criação), erga omnes (va-
lem para todos) e vinculante para todo o Poder Judiciário
e para todos os órgãos da Administração Pública, direta e
indireta, não abrangendo, apenas, o Poder Legislativo.(2)

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