CORAGEM DA VERDADE E PERFORMATIVIDADE CÍNICO-QUEER EM TATUAGEM, O FILME

AutorAndré Luiz dos Santos Paiva
Páginas6-25
GÊNERO|Niterói|v.19|n.2|6|1. sem.2019p.006-025
CORAGEM DA VERDADE E PERFORMATIVIDADE
CÍNICO-QUEER EM TATUAGEM, O FILME
André Luiz dos Santos Paiva1
Resumo: No presente artigo discute-se a performatividade enquanto modalida-
de de coragem da verdade a partir do filme Tatuagem. Apresenta-se o conceito de
coragem da verdade, com foco em sua modalidade cínica. Articula-se o conceito
de coragem da verdade cínica com o de performatividade em Judith Butler, defen-
dendo-se que é a partir da performatividade que a coragem da verdade é exercitada
no discurso de Tatuagem. Por fim, a partir de uma leitura cínico-queer da cena es-
colhida, defende-se que o discurso acerca da utopia do cu apresentado no discur-
so fílmico é o maior ponto de inflexão entre filosofia cínica e pensamento queer.
Palavras-Chave: Coragem da verdade; Cinismo; Estudos queer.
Abstract: This article discusses performativity as a modality of courage of truth,
starting from the movie Tatuagem. The concept of courage of truth is presen-
ted, focusing on its cynical modality. The concept of cynical courage of truth is
articulated with that of performativity in Judith Butler, arguing that it is from
the performativity that the courage of truth is exercised in the discourse of Ta-
tuagem. Finally, from a cynical-queer reading of the chosen scene, it is argued
that the discourse about the ass’ utopia presented in the filmic discourse is the
most striking point of inflection between cynical philosophy and queer thought..
Keywords: Courage of truth; Cynicism; Queer studies.
Introdução
No presente artigo discute-se a performatividade enquanto modalidade de
coragem da verdade tendo como ponto de partida o filme Tatuagem (Direção:
Hilton Lacerda, 2013), mais especificamente uma das cenas de apresentação do
grupo de teatro fictício do filme Chão de Estrelas na qual são defendidas, através
da performance artística do grupo, as possibilidades utópicas do cu.
No momento inicial do artigo apresenta-se, apoiando-se principalmente nos
dois últimos cursos ministrados por Foucault (2010, 2011) no Collège de Fran-
1 Doutorando em Filosofia e Mestre em Estudos da Mídia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte
– UFRN. E-mail: alz.paiva@gmail.com.
GÊNERO|Niterói|v.19|n.2| 7|1. sem.2019p.006-025
ce, o conceito de parresía ou coragem da verdade, com foco em sua modalidade
cínica, corrente de pensamento que Foucault mais se ateve nas obras citadas.
Posteriormente, articula-se o conceito de coragem da verdade cínica com o de
performatividade em Butler (2008, 2002, 1997), defendendo-se que é a partir
da performatividade que a coragem da verdade é exercitada no discurso de Ta-
tuagem, o que possibilita uma releitura da conclusão foucaultiana de que não é
possível o exercício da coragem da verdade a partir dos atos performativos.
Por fim, a partir de uma leitura cínico-queer da cena escolhida possibilitada
pelo encontro entre as concepções filosóficas dos cínicos antigos e as discus-
sões contemporâneas construídas pelos estudos queer, defende-se que o discurso
acerca da utopia do cu apresentado no discurso fílmico é o ponto de inflexão mais
marcante entre a filosofia cínica e o queer, concluindo-se que o corpo ingoverná-
vel que emerge no discurso fílmico guarda correlações importantes com a forma
com que o corpo foi utilizado pelos cínicos e é experienciado pelos queers.
Alguns apontamentos gerais sobre Tatuagem, o filme
Tatuagem é uma obra que pode ser inserida no contexto de uma produção
queer que desponta no cenário cinematográfico nacional de pós-retomada, em
especial no cinema pernambucano, marcado por certa liberdade e ousadia es-
tética; inserção de aspectos políticos não vinculados a ideologias específicas fi-
xas (NOGUEIRA, 2009); e uma forma de produção baseada no que Nogueira
(2014) denomina de brodagem, formato de parcerias que o cinema de Pernam-
buco tomou para si e que muito contribui para que seus filmes não se dispersem
tanto no que se refere às temáticas e estética, diferentemente do contexto geral
nacional. Mesmo assim, é possível afirmar que a obra possui características muito
específicas que a diferencia de outras produções nacionais, tanto do período da
pós-retomada como de outros momentos da cinematografia brasileira:
Tatuagem (2013, Hilton Lacerda) de certa forma se destoa por uma for-
ma narrativa mais clássica e um apelo que atinge um público maior, compro-
vado por sua bem-sucedida carreira comercial nos cinemas brasileiros, além
dos vários prêmios recebidos. Ainda assim, é passível de inúmeros debates,
ao apresentar o corpo como ferramenta de resistência máxima e melhor aca-
bada aos conflitos da sociedade e da arte em si, através de suas várias possi-
bilidades: o embate físico, a relação sexual — a reprodução incluída aí —, a
arte performática, o realizar técnico, etc. (LOPES e NAGIME, 2015, p.16).
Nesse sentido, o filme se vale de características gerais do cinema da pós-re-
tomada, bem como do cinema de temáticas relacionadas a gênero e sexualidade,

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT