Corpo, identidade e a política da beleza

AutorMiriam Adelman
Páginas39-63
Niterói, v. 7, n. 2, p. 39-, 1. sem. 2007 Niterói, v. 7, n. 2, p. 39-, 1. sem. 2007
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CORPO, IDENTIDADE
E A POLÍTICA DA BELEZA1
Miriam Adelman
Lennita Ruggi
Resumo: Perspectivas sociológicas e antropo-
lógicas recentes que focalizam a construção
soc ial do co rpo arg ument am que a
“materialidade do corpo” e sua construção
cultural e simbólica são indissociáveis e devem
ser entendidas dentro do contexto das rela-
ções de poder – principalmente as de classe,
raça e gênero – de uma ordem social particu-
lar. Também podemos ressaltar que, nas socie-
dades “pós-modernas” contemporâneas, ima-
gem do corpo e práticas corporais tornam-se
elementos reconhecidos e vivenciados como
fundamentais para os processos de constru-
ção identitária: são o locus de numerosas lu-
tas nas quais as identidades – e uma ampla
gama de recursos sociais e simbólicos – são
objeto de disputas e negociações. Neste tra-
balho, apresentamos algumas reflexões teóri-
cas norteadoras, assim como alguns aponta-
mentos elaborados a partir do “campo” de
nossas pesquisas empíricas recentemente re-
alizadas, sobre a política de beleza e práticas
corporais em três grupos muito diferentes:
modelos, travestis e transexuais (de homem
para mulher) e mulheres atletas.
Palavras-chave: gênero e corpo; corpo e sub-
jetividade; a política da beleza.
Introdução: Teorizando a corporalidade
Em anos recentes, as ciências sociais vêm reconhecendo a centralidade que as
construções do corpo têm para a formação da subjetividade e das identidades. Este
reconhecimento relaciona-se com a crescente proliferação de preocupações e ima-
gens corporais da nossa “pós-modernidade” e encerra um interessante potencial
para a compreensão de algumas especificidades da “condição pós-moderna”.
1As autoras agradecem a leitura cu idadosa e as sugestões úteis de Elza Aparecida de Oliveira Filha, Fagner
Carniel, Hilton Costa, José Eduardo Leon Szwako e Paulo Jorge Vieira.
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Corpo, identidade e a política da beleza
Como Georg Simmel (SOUZA, 1998), o mais “contemporâneo” dos clássicos
da sociologia, argumentou de forma tão convincente, a construção de noções
normatizadas significativas de aparência e beleza tem um vínculo muito particular
com o modo de vida urbano e moderno, no qual cada indivíduo precisa mostrar
para os outros “aquilo que é”. Esta dialética de representação/identificação imagética
pode ser vinculada a dois processos históricos interdependentes que precedem con-
sideravelmente o interesse das ciências sociais pela problemática do corpo: o au-
mento e difusão do acesso cotidiano às imagens de corpos alheios, intimamente
relacionada ao desenvolvimento dos meios de comunicação; e o aumento e difusão
do acesso cotidiano às imagens do próprio corpo, a ponto de a utilização do espe-
lho, por exemplo, ter-se tornado uma necessidade “básica” naturalizada.
Acrescentado a estes processos históricos um contexto específico de relações
de classe, raça e gênero, teremos boas pistas para entender como as sociedades
ocidentais modernas e pós-modernas desenvolvem alguns códigos e padrões especí-
ficos para atribuir significado à aparência, aos corpos, à sexualidade e à subjetivida-
de. Daí emergem conflitos e lutas particulares, vínculos entre corpos e poder, e no-
ções simbólicas que valorizam muito mais alguns corpos (e alguns sujeitos) do que
outros. A beleza, a aparência, a força física, a fragilidade, a qualidade de ser “sexual-
mente atraente” – todos estes valores e atributos precisam ser compreendidos como
parte de um sistema de relações sociais e culturais, não como características indivi-
duais universalmente valorizadas ou desvalorizadas. E, como bem captou Sojourner
Truth, afro-americana, ex-escrava, ativista abolicionista e sufragista, refletindo sobre
outro momento na história da modernidade, a distribuição social do “capital corpo-
ral” envolve um esquema complexo de posições sociais e expectativas normativas.2
Os diversos problemas que estas “questões do corpo” colocam para a socieda-
de contemporânea, na medida em que constituem um elemento tão significativo
das relações materiais e simbólicas do poder, são atualmente assunto de debate
intenso, em uma ampla gama de disciplinas das ciências sociais e humanas. Trazem
também a necessidade de novas pesquisas sobre as representações e práticas corpo-
rais, focalizando – além dos processos de produção discursiva – os da interação
cotidiana e sua micropolítica.
Dentro do contexto dos debates sociológicos atuais sobre a caracterização das
sociedades ocidentais contemporâneas e orientando nossa pesquisa, é possível arti-
cular uma questão fundamental sobre a corporalidade com base num paradoxo. Por
um lado, pode-se pensar sobre o “projeto do corpo” contemporâneo (BRUMBERG,
1997) como um dos múltiplos desdobramentos da “reflexividade” moderna: possi-
bilidade de moldar o corpo, construindo-o e reconstruindo-o dentro dos processos
2Sojourner Truth (1797-18 83), numa passagem que ficou famosa por sua força retórica e grande lucidez,
compara sua vida como mulher negra e escrava (“não sou eu mulher ?”), na qual a brutalização física exige
dela imensa força e resistência, à da “fragilidade feminina” das mulheres brancas da elite do sul, co nforme
idealizada pela cultura norte-americana da época (em CONBOY; MEDINA; STANBURY, 1997).
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