Covid-19: desafios no apartheid das vacinas

AutorJorge Bermudez, Fabius Leineweber, Luana Bermudez
CargoDoutor em Saúde Pública, Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca ? ENSP/FIOCRUZ/Mestre em Saúde Pública, Instituto de Tecnologia em Fármacos ? Farmanguinhos/FIOCRUZ/Mestre em Saúde Pública, Assessoria da Presidência/FIOCRUZ
Páginas249-278
Cadernos do CEAS, Salvador/Recife, v. 46, n. 253, p. 249-278, maio/ago., 2021 | ISSN 2447-861X
COVID-19: DESAFIOS NO APARTHEID DAS VACINAS
Covid-19: challenges on the vaccine apartheid
Jorge Bermudez
(ENSP/FIOCRUZ)
Fabius Leineweber
(Instituto de Tecnologia em Fármacos
Farmanguinhos/FIOCRUZ)
Luana Bermudez
(FIOCRUZ)
Informações do artigo
Recebido em 13/09/2021
Aceito em 14/11/2021
doi>: https://doi.org/10.25247/2447-861X.2021.n253.p249-278
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Atribuição 4.0 Internacional.
Como ser citado (modelo ABNT)
BERMUDEZ, Jorge; LEINEWEBER, Fabius; BERMUDEZ,
Luana. Covid-19: desafios no apartheid das vacinas.
Cadernos do CEAS: Revista Crítica de Humanidades.
Salvador/Recife, v. 46, n. 253, p. 249-278, maio/ago.
2021. DOI: https://doi.org/10.25247/2447-
861X.2021.n253.p249-278
Resumo
Inicialmente, os autores contextualizam sumariamente a crise
desencadeada pela pandemia e as respostas dos organismos
multilaterais na tentativa de promover ações concretas de
solidariedade. Entretanto, também demonstram as falhas em
promover a equidade e o impacto negativo nos países mais
pobres. São discutidas as medidas propostas nos grandes foros
mundiais contemporâneos. Em seguida, discutem a
propriedade intelectual como barreira ao acesso às tecnologias,
as alterações legislativas possíveis e as possibilidades de
flexibilizar a emissão de licenças compulsórias para assegurar o
acesso a tecnologias relacionadas com a pandemia, deixando
clara a complexidade envolvida nas patentes relacionadas com
a produção de vacinas. O nacionalismo exacerbado e o
aprofundamento da desigualdade são abordados, ao mesmo
tempo em que discutem os movimentos mundiais e a disputa na
Organização Mundial do Comércio di ante de proposta
endossada por mais de cem países de suspensão temporária de
dispositivos do Acordo TRIPS para evitar monopólios de
tecnologias que possam provar efetividade no combate à
pandemia. As falhas em caracterizar as vacinas como bens
públicos diante das disputas comerciais e de mercado também
são discutidas. Iniciativas em curso na região das Américas e no
Brasil são apresentadas, bem como o acompanhamento de
diversas propostas de alteração na lei de propriedade industrial
no Brasil, em sintonia com movimentos de âm bito mundial.
Finalmente são discutidas as perspectivas que enfrentamos
atualmente.
Palavras-Chave: COVID-19. Saúde Pública. Política de Saúde.
Acesso a Medicamentos Essenciais e Tecnologias em Saúde.
Vacinas.
Abstract
Initially, the authors set the context of the Covid-19 pandemic
and the multilateral system responses aiming at solidarity,
although the failures are clear and the impact on poor countries
as well. Intellectual property is discussed as a barrier to access,
the proposals of facilitating compulsory licensing worldwide are
addressed, taking into account the complexity involved with
patent protection and vaccines. Vaccine nationalism and the
worldwide inequality between rich and poor countries is
highlighted, mainly with the ongoing discussion at the World
Trade Organization on a w aiver supported by more than 100
members on technologies related to the pandemic. Initiatives in
the region of the Americas and in Brazil are discussed in the
paper, a follow-up on current discussion with the industrial
property law in Brazil and future perspectives are finally included
in the discussion.
Keywords: COVID-19. Public health. Health Policy. Access to
Essential Medicines and Health Technologies. Vaccines.
Cadernos do CEAS, Salvador/Recife, v. 46, n. 253, p. 249-278, maio/ago., 2021.
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Covid-19: desafios no apartheid das vacinas | Jorge Bermudez; Fabius Leineweber e Luana Bermudez
Impacto da Pandemia, solidariedade ou disputa de mercados?
Desde o mês de março de 2020, quando a Organização Mundial da Saúde declarou a
doença causada pelo novo coronavírus como pandemia, ou mesmo antes, com a detecção
dos primeiros casos de uma nova doença e a Declaração de Emergência em Saúde Pública de
interesse internacional (WHO, 2020a), o mundo entrou em estado d e alerta. Uma série de
manifestações iniciais de solidariedade vieram a público, muitas delas cristalizadas
posteriormente nas iniciativas englobadas no âmbito da Organização Mundial da Saúde, em
especial as denominadas ACT-A (Access to Covid-19 Te chnologies - Accelerator), C-TAP
(Covid-19 Technology Access Pool) e o mecanismo que se destinaria à aquisição das vacinas
potencialmente a ser desenvolvidas e sua distribuição global, COVAX (BERMUDEZ;
LEINEWEBER, 2020; WHO, 2020b). Todos os grandes foros mundiais, incluindo a Assembleia
Geral das Nações Unidas, a Assembleia Mundial da Saúde, a Organização Mundial do
Comércio, os ministros da saúde dos países que compõem o G-7 e o G-20, entre outros,
dedicaram tempo em discussões que apontavam para um grande movimento de
solidariedade global e propunham proteger a população mundial com as vacinas que viessem
a ser desenvolvidas e aprovadas. De imediato iniciaram as discussões viabilizando o
mecanismo conhecido como compras antecipadas (do Inglês “ AMC - Advanced Market
Commitments”), assegurando o financiamento antecipado com o objetivo de acelerar, além
do desenvolvimento e produção de vacinas, sua disponibilidade universal incluindo para
aqueles países sem condições econômicas de adquiri-las.
Entretanto, dezoito meses decorridos do início da pandemia, a avaliação dos
resultados desse conjunto de iniciativas não é das mais positivas e fica claro o aumento das
desigualdades no que se convencionou denominar de um “apartheid das vacinas”
(GHEBREYESUS, 2021; USHER, 2021; ALMEIDA, 2021). É impressionante notar a iniciativa
ACT-A, englobando uma coalizão de dez organizações solidamente estabelecidas, incluindo
a OMS, Unicef, GAVI, CEPI, Fundo Global, UNITAID, FIND, Banco Mundial, Wellcome Trust e
a Fundação Bill e Melinda Gates, não tem conseguido os resultados que se desenhavam no
início da pandemia (BERMUDEZ; LEINEWEBER, 2020; WHO, 2020b).

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