Criatividade, inovação e controle nas organizações

AutorMaria Cristina Sanches Amorim/Ronaldo Frederico
CargoPontifícia Universidade Católica de São Paulo/Endereço para correspondências: Rua Brasílio Machado, 280, ap. 131, Centro, São Bernardo do Campo, SP, 09715-140
Páginas75-89

    Creativity, innovation and organizational control

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Introdução

As relações entre criatividade, inovação e desenvolvimento econômico são crescentemente discutidas, em virtude da importância do conhecimento no processo produtivo capitalista contemporâneo. No mundo do management, organizações e profissionais são estimulados a criar ambientes propícios à criatividade ou à inovação, sem, no entanto, considerar que, em nome de maiores taxas de inovação, intensificam-se os instrumentos de controle sobre o processo, resultado e a força de trabalho. Interessa discutir criatividade e inovação nas organizações como foco privilegiado do controle sobre a força de trabalho, que tem por finalidade última ampliar o retorno sobre o capital investido.

De acordo com Schumpeter (1982), o desenvolvimento econômico depende, em última instância, da inovação tecnológica, da introdução e difusão de novas invenções geradoras de mudanças estruturais denominadas "destruição criativa", em substituição a antigos hábitos de consumo por novos. O empresário inovador é o herói da saga do desenvolvimento econômico, por meio do qual a sociedade tem acesso a padrões de vida mais elevados.

De acordo com Marx (1983a), a inovação é igualmente fundamental para o chamado desenvolvimento econômico, porém, não como resultante do pendor inovador de um grupo de empresários, mas como forma de aumentar a extração de mais-valia relativa do trabalhador, esta, por sua vez, origem do lucro. Dada a competição crescente entre capitais, ampliar a taxa de lucro é condição de sobrevivência das organizações.

Definida como característica da força de trabalho, a criatividade é imaterial, subjetiva e intangível, portanto, como controlá-la, como submetê-la à necessidade da acumulação? Ao capital não interessa qualquer criatividade,

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apenas aquela considerada, no contexto socioeconômico, capaz de resolver problemas relevantes ou criar o novo (GARDNER, 2003). Como solucionar tal impasse? Na incapacidade de subordinar a criatividade, a organização volta-se para seu resultado, a inovação, só considerada como tal quando assume forma de mercadoria, ainda que a mensuração de seu valor seja complexa e potencialmente desestabilizadora do sistema geral de equivalência das trocas comerciais (GORZ, 2005).

Se são infinitas as possibilidades de exercício de poder (FOUCAULT, 2005), nas organizações, as disciplinas são transformadas em modelos de gestão utilizados de acordo com o contexto socioeconômico geral e, em certa medida, também pelos modismos ditados por best-sellers da área. Na primeira década do século XXI, no Brasil, por exemplo, houve predileção pelo Balance Scorecard (BSC) - criado por Kaplan e Norton (1997). BSC e a conhecidíssima Total Quality Management (TQM) expressam parte das tentativas das organizações de controlar a inovação. Quais são as conseqüências do controle da inovação para os indivíduos (ditos executivos) e para a sociedade?

Criatividade e inovação nas organizações

De acordo com a etimologia das palavras, o termo criatividade deriva do latim creare , que significa criar, inventar, fazer algo novo. Inovação vem do latim innovare , que significa tornar novo, mudar ou alterar as coisas, introduzindo nelas novidades, renovar (PAROLIN, 2001).

Nos limites do presente artigo, diferenciam-se criatividade e inovação: a primeira é geração de idéias (por meio de conceitos, teorias e processos que se apresentam ao longo da história) e a segunda é prática, fazer, implementar as idéias geradas pela criatividade. O estudo de ambas recebe contribuições de diversas áreas do saber, como a filosofia, psicologia, sociologia e administração.

Ao dividir cronologicamente as teorias sobre criatividade, tal qual proposto por Wechsler (1998), tem-se, na tradição não-empírica, criatividade como inspiração divina, como forma de intuição (na linha cartesiana) e como loucura. Na abordagem biológica, marcada pela teoria evolucionista de Darwin, é manifestação da força criadora inerente à vida, é força vital, sempre gerando novas espécies, com inesgotável variedade de formas peculiares, sem precedentes e sem repetições. Seu componente principal é a hereditariedade, não sendo possível educar uma pessoa para a criatividade.

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Na abordagem psicológica (SENS, 1998), o behaviorismo centra-se na predição e no controle do comportamento, sendo o processo criativo decorrente de combinações mentais armazenadas por meio das experiências vivenciadas pelas pessoas, ou seja, criatividade é o resultado de uma associação com algo concreto de sua vida. Na Gestalt (ver WERTHEIMER, 1959) a criatividade é a procura de solução para uma gestalt , situação para a qual é necessário encontrar soluções. Na psicanálise (ver KNELLER, 1978), a criatividade resulta do conflito no inconsciente ( id ) provocador de um comportamento de criação ou de neurose. Na psicologia humanista (ver ALENCAR e FLEITH, 2003), três representantes - Rogers, Maslow e Rollo May - apontam que a tendência humana em direção à auto-realização é a força motora da criatividade, sendo indispensável um ambiente que propicie a liberdade de escolha, o livre-arbítrio para cada indivíduo, levando-se em conta as motivações individuais intrínsecas e extrínsecas do meio no qual ele vive. Na abordagem cognitiva, a criatividade se associa a inteligência e à solução de problemas - uma das abordagens mais famosas e utilizadas no campo cognitivo foi criada por Howard Gardner (1994), que questionou a centralidade da inteligência nas competências lógico-matemáticas e lingüísticas, o que resultou na teoria das inteligências múltiplas. As abordagens de Gardner (1994) e da autodenominada psicologia humanista são muito utilizadas nas organizações. A primeira, por ter direcionado seus estudos para a aplicação das múltiplas inteligências dentro dos parâmetros capitalistas, ou seja, a capacidade para criar produtos e solucionar problemas, associando sua efetividade aos resultados financeiros: redução de custos e despesas e aumento de receita. A segunda tanto alimenta o senso comum de que criatividade exige liberdade como contribui para ocultar as relações entre controle e inovação.

A psicologia humanista não explicaria, por exemplo, a produção de Gramsci (1987) e Graciliano Ramos (1980), cujas obras máximas foram produzidas no período do cárcere. Foucault (2005), ao contrário, mostra que ambientes altamente inóspitos (como cárceres e manicômios) não eliminam a criatividade de suas vítimas. Interessa seguir essa última abordagem, sustentando que não há contradições entre aumento de controle e da taxa de inovação nas organizações capitalistas.

As abordagens sobre inovação são baseadas, principalmente, no aspecto concreto de seu resultado, como um novo produto...

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