Religião e criminalidade no Brasil: primeiras evidências sob enfoque econômico

AutorClaudio Djissey Shikida, Ari Francisco de Araújo Jr., Susane Rodrigues Murta
CargoIBMEC - Minas Gerais. - IBMEC - Minas Gerais. - IBMEC - Minas Gerais.
Páginas90-107

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Susanne Rodrigues Murta1

Ari Francisco de Araujo Jr.2

Cláudio D. Shikida3

1. Introdução

A relação entre religião e economia é uma questão tão antiga quanto o início da própria Ciência Econômica (IANNACCONE, 1998). A tese mais popularizada a este respeito é a de Max Weber. Em uma de suas mais importantes obras, “A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo”, este autor apresentou uma explicação para a função da religião sobre as atitudes humanas. Para ele, o protestantismo seria mais favorável às práticas de mercado (capitalistas) do que o catolicismo. Em outras palavras:

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[...] há o fato de os protestantes [...], tanto como classe dirigente, quanto como classe dirigida, seja como maioria, seja como minoria, terem demonstrado tendência especiica para o racionalismo econômico, que não pode ser observada entre os católicos em qualquer uma dessas situações. A razão dessas diferentes atitudes deve, portanto, ser procurada no caráter intrínseco permanente de suas crenças religiosas (WEBER, 2001 [1905], p.21).

Segundo Ekelund et al (1996), a tese de Weber, embora atrativa à primeira vista, sofre de vários problemas. Na visão weberiana, o calvinismo seria um exemplo de doutrina prómercado, embora a doutrina calvinista fosse explicitamente contrária ao capitalismo.

Além disso, mesmo sob o domínio católico, a Europa apresentava focos de capitalismo (ou de “espírito capitalista”) no decorrer dos séculos XIV e XV em diversas regiões como Veneza, Flandres ou Antuérpia. Além disso, os mesmos autores apontam o fato de que países caracterizados por forte presença calvinista nem sempre apresentaram desenvolvimento capitalista, quando não o contrário.

Um contemporâneo de Weber, Werner Sombart4, argumentava que, na verdade, o catolicismo seria a doutrina compatível com o desenvolvimento capitalista. Aliás, a tese central de Ekelund et al (1996) é de que a igreja católica teria não apenas tolerado o comércio e o capitalismo como teria se organizado em bases econômicas para proveito próprio.

A ligação entre religião e criminalidade deriva da abordagem original de Becker (1968). Neste trabalho, Becker argumenta que a motivação de um agente em participar de uma atividade ilícita está relacionada com um problema tradicional de escolha envolvendo risco. O agente, segundo sugere o modelo, pondera a recompensa e a penalidade em se sobrepor ao sistema legal, ou seja, compara o valor esperado dessa loteria com o valor proveniente da atividade legal. Apesar de aderente à evidência empírica, o modelo proposto por Becker (1968) apresenta limitações. Como airma Mocan, Billups e Jody (2005): “differences in individuals’ backgrounds, especially with respect to past participation in criminal activity, necessarily impact their response to incentives. It seems important to address such

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heterogeneity explicitly”. Neste artigo consideramos que a religião pode associarse às diferenças de backgrounds.

Nosso objetivo é estudar, especiicamente, a relação entre criminalidade e religião. Para tanto, além de uma breve revisão da literatura econômica sobre o assunto, utilizaremos o modelo de equações simultâneas proposto em Heaton (2006).

2. Revisão da literatura
Religião, Economia e Atitudes

Para Iannaccone (1998), existiriam três linhas de pesquisa em economia sobre o tema religião: (1) uma que teria foco nos ensinamentos teológicos para a análise de políticas econômicas; (2) outra linha é a que estuda e mensura as conseqüências econômicas da religião; e, ainda, (3) uma linha que teria objetivo de explicar a relação entre as crenças e as atitudes religiosas.

Barro e McCleary (2003) podem ser citados como exemplo da segunda linha de pesquisa identiicada acima. Utilizando dados internacionais e explorando a característica de painel dos mesmos, os resultados sugerem que a religiosidade (deinida por crenças religiosas no céu, no inferno e na vida após a morte) está positivamente relacionada com educação, mas negativamente relacionada com urbanização e expectativa de vida.

No artigo, os autores encontram que um aumento na freqüência do indivíduo na instituição religiosa de religiões como hinduísmo e islamismo tende a reduzir o crescimento econômico. Ao contrário, algumas crenças (céu e inferno, por exemplo) levaria a comportamento favorável ao crescimento econômico. Isso acontece porque tais crenças inluenciam o indivíduo a relacionar suas atitudes com recompensas e punições para o “bem” e o “mal” praticado durante a vida, acarretando em maior honestidade e ética no trabalho. Apesar do contraste dos resultados citados acima, os autores concluem que religiosidade, de forma geral, tende a estimular o crescimento econômico.

No que diz respeito à inluência da religião especiicamente nas atitudes do indivíduo, Guiso, Sapienza e Zingales (2002) utilizam a vasta base de dados do World Values Surveys e encontram resultados que sugerem que, em média, religiões cristãs estimulam de forma positiva as atitudes que levam ao crescimento econômico e acabam por corroborar a idéia inicial

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de Weber. Segundo os autores, isso se dá devido a algumas atitudes que são inluenciadas pela religião, como por exemplo, protestantes coniam mais no sistema legal e possuem menor tendência a sonegar impostos e a receber propinas do que indivíduos de religião católica.

“Se religião forma valores? Até então, como qualquer outra instituição, a resposta é sim. Contudo, em relação a outras instituições, religião mostra estar substancialmente mais avançadas na criação e conservação de valores.” (IANNACCONE, 1995, p.14, tradução dos autores)

Iannaccone (1995) airma que as religiões têm poder relevante sobre a formação de valores e atitudes e suas estimativas sugerem a existência de uma correlação negativa entre as taxas elevadas de participação religiosa e comportamentos sociais considerados problemáticos, como crime, divórcio, delinqüência, dentre outros.

Na tradição das análises de impactos institucionais sobre o desenvolvimento econômico, por exemplo, Helble (2007) e Lewer & Berg (2007) encontraram evidências de que diferentes tipos de religião geram incentivos distintos ao desenvolvimento. Aparentemente, para Lewer & Berg (2007), países com maior diversidade religiosa apresentam maior tendência ao comércio e, portanto, ao desenvolvimento econômico. Já Helble (2007) detalha os impactos de oito diferentes religiões sobre o desenvolvimento econômico (“Hinduísmo”, “Budismo”, “Catolicismo”, “Judaísmo”, “Confucionismo”, “Muçulmanismo”, “Protestantismo” e “(Cristãos) Ortodoxos”) por meio das instituições5.

Religião e Criminalidade

Os resultados encontrados em estudos sobre a religião/crime são ambíguos. Existem estudos que sugerem correlação negativa entre a religião e o crime (entidades religiosas colaboram para o desenvolvimento de atitudes e valores que desencorajam a criminalidade) enquanto outros airmam existir uma relação positiva entre as duas variáveis.

Também existem artigos que encontram como resultado, a nãoexistência de relação importante da religião sobre o crime. Um exemplo é Heaton (2006) a partir de testes em que são utilizados dados cross section de mais de 3000

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condados americanos em um modelo de equações simultâneas. Heaton airma também que a religião é afetada...

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