Crise Bancária e Risco Sistêmico.

AutorAntonio Augusto Cruz Porto
Páginas120-134

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As linhas precedentes permearam algumas características inerentes às instituições financeiras lato sensu, descritas ao intuito de compreender no que consiste o desenvolvimento da atividade bancária e de esclarecer os motivos pelos quais o Estado dedica especial atenção a esse ramo empresarial.

Recorde-se que os Bancos devem funcionar como molas de injeção de liquidez na economia, intercambiando a transferência de ativos financeiros de agentes com saldos e balanços patrimoniais positivos para unidades economicamente deficitárias, ao escopo de impulsionar os setores produtivos. Diante da constatada proeminência da qual se incumbem as instituições financeiras, o Estado as regula ao fito de lapidar uma intrincada teia de instrumentos protetivos, erigidos com vistas à preservação de um ordenado sistema de interações negociais.

Observou-se também que, tal como em qualquer outra área empresarial, os bancos estão sujeitos a sofrer impactos decorrentes dos ciclos econômicos, bem como igualmente se ressaltou a existência de uma série de fatores internos e externos (falhas de mercado50) que podem influir negativamente no desenvolvimento da atividade bancária.

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Em suma, as instituições financeiras estão sujeitas a balanços patrimoniais negativos e, portanto, sujeitas estão a tornar-se insolventes. Para que isso não ocorra - e, reforce-se: assim se age para preservar o Sistema Financeiro e não os bancos individualmente - o Estado edificou o que se costuma nominar de rede de segurança bancária, legitimada pelo seu Poder Ordenador (decorrente da competência regulatória). É assim, também, que "a intervenção estadual na actividade monetária e creditícia, orientando-a em prol dos interesses gerais, integrou aquelas formas de actividade num quadro de interesses públicos, comportando certas limitações à autonomia das empresas bancárias, mesmo que de natureza privada"51, ao passo em que "a actividade bancária reveste a natureza de uma actividade econômica dirigida também para a satisfação de interesses sociais além dos puramente privados"52.

Crises geralmente são sazonais53. Passa o tempo, as tensões retornam e movimentos pendulares de instabilidade aca-

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bam abarcando um ou outro setor da sociedade. A par disso, tem sido comum, sobremais em momentos atuais - dada a conjuntura social a que está submetida a sociedade -, a interconexão de anormalidades políticas, sociais, econômicas e até jurídicas, mormente "em virtude da acelerada queda das barreiras que emperravam o comércio e o investimento internacionais, e graças ao notável progresso dos meios de comunicação"54, fazendo com que os colapsos tornem-se mais profundos, diversificados e de difíceis soluções.

Em outras palavras, uma dada crise na economia nunca vem sozinha. Notadamente, acompanha-a geralmente uma deficiência jurídica de regulação do sistema de mercado, por exemplo. A crise política, igualmente, não se insere no mundo dos fatos sem que, com ela, redundem-se questionamentos acerca da conjuntura histórico-cultural em que o homem-político está inserido, acarretando, muitas vezes, reflexões de conteúdo antropológico55. A crise na segurança pública, igualmente, não raro traz consigo a ponderação sobre a necessidade de instaurarem-se meditações sobre a dotação orçamentária do Estado direcionada ao setor (aspecto econô-

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mico da crise), além, igualmente, de avaliar-se a estrutura do ordenamento jurídico penal.

O fato é, em epítome, que as atuais crises, embora em última análise refiram-se a um determinado segmento específico, quando mais bem aferidas percebe-se que afetam e são constituídas por falhas estruturais havidas em diver-sos ramos da sociedade. Assim, fruto do chamado ‘efeito de contágio’, "as crises financeiras modernas são diferentes daquelas do passado, principalmente devido à maior integração econômica e financeira dos países"56, desbordando geralmente consequências políticas, econômicas, jurídicas, sociais, históricas etc.

E é assim que os modernos tempos ganham contornos ainda mais escaldantes. A tecnologia em plena, profusa e constante progressão permite que as relações políticas, sociais e econômicas se desenvolvam em diferentes localidades e mediante a intercalação de uma série de sujeitos e objetos; a troca de informações ocorre de maneira invariavelmente instantânea, de modo a inexistirem fronteiras físicas que a impeçam de irradiar; a produção em massa, fortalecida pelos insumos angariados em diversas partes do Planeta, transborda de bens de consumo a economia capitalista, ensejando a necessidade de se aumentar os índices de oferta e procura; os Estados Nacionais engendram relações comerciais em velocidades e intensidades jamais antes vistas, tornando, conseguintemente, mais revoltosos os mares por onde navegam os seus unilaterais interesses.

São os sinais da era contemporânea. Assim, não há dúvidas de que o desenvolvimento da sociedade atual desencadeia um intrincado plexo de relações sociais e econômicas embrenhadas no seio da comunidade internacional, fator a ampliar,

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em similares medidas horizontais e verticais, os riscos57e os problemas derivados da contraposição de ideias, objetivos, méritos, princípios e valores. Quanto mais complexas as integrações e conexões sociais, igualmente maior é a chance de sucederem conflitos, crises, danos (potenciais ou efetivos)58.

As crises, sejam elas de natureza financeira, ambiental, social, jurídica ou política, não são movimentos setorizados ou independentes. Revelam-se, noutro cariz, espaços de oportunidade para mutação e transformação estrutural de uma determinada ordem social, defletindo efeitos em todos os aspectos dessa estrutura59. No mercado financeiro, porém, as

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"crises bancárias tendem a gerar maiores externalidades negativas para o resto da economia do que qualquer outro setor financeiro ou produtivo"60, tendo em conta a possibilidade de sucessivos abalos transindividuais, que ultrapassam a pessoa jurídica na qual se localiza o processo patológico-infeccioso, espraiando-se a todos o setor financeiro61. Analogicamente, o mercado bancário corre mais riscos de septicemia, ainda que o foco inicial da infecção possa ter início em apenas uma instituição financeira62.

É o que se costuma nominar risco sistêmico, consubstanciado em um evento súbito e inesperado, cuja propalação tende a prejudicar o sistema financeiro como um todo, de tal forma que as demais atividades econômicas produtivas no resto da economia também demonstrem perda de resultados efetivos.

Apesar da referência à existência de certa ambiguidade no termo, George Kaufman e Kenneth Scott63sustentam que

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o risco sistêmico implica a possibilidade de estragos em dado sistema a partir da lesão a um ou alguns dos componentes conformadores de sua estrutura. No segmento bancário, aludem que a falência de uma instituição, sobretudo em mercados agrupados e homogêneos, pode desencadear a insolvabilidade de outras instituições financeiras ou mesmo em outros mercados, tanto no ambiente nacional quanto internacional ou transfronteiriço.

Systemic risk refers to the risk or probability of breakdowns in an entire system, as opposed to breakdowns in individual parts or components, and is evidenced by comovements (correlation) among most or all the parts. Thus, systemic risk in banking is evidenced by high correlation and clustering of bank failures in a single country, in a number of countries, or throughout the world. Systemic risk also may occur in other parts of the financial sector - for example, in securities markets as evidenced by simultaneous declines in the prices of a large number of securities in one or more markets in a single country or across countries. Systemic risk may be domestic or transnational.

Conforme elucidam Franklin Allen e Richard Herring64, esses choques podem ter origem dentro ou fora do setor finan-

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ceiro, bem como podem incluir falhas súbitas de um participante importante no sistema financeiro, uma ruptura tecnológica em um estágio crítico de assentamentos ou sistemas de pagamentos ou, ainda, um choque político como uma invasão ou a imposição de controles cambiais em um importante centro financeiro.

De maneira geral, o risco sistêmico pode ser vislumbrado a partir do momento em que "o balanço de pagamentos de uma dada instituição é afetado severamente, podendo mesmo atingir níveis de insolvência, evento esse que se propagará a outras instituições financeiras, variando as consequências desde um simples prejuízo...

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