Rede de Proteção do Setor Bancário.

AutorAntonio Augusto Cruz Porto
Páginas134-170

Page 134

O texto caminha, por agora, direcionado à avaliação acerca de alguns instrumentos com os quais se construiu a teia de segurança aos bancos, a partir da evolução de mecanismos de proteção e preservação do Sistema Financeiro. Veja-se bem: o Estado, ao volver os olhos de maneira peculiar às instituições financeiras, o faz objetivando a construção de uma panóplia vertida à proteção da coletividade81e do interesse público subjacente, bem como, por igual, ao alcance do desenvolvimento nacional, nos termos, aliás, programados no artigo 192 da Constituição Federal. Não o faz, portanto, em arrimo ao banqueiro, aos gestores ou aos administradores da empresa, como inadvertidamente se poderia conjecturar.

Rememore-se o que já se afirmou: em sentido macroeconômico, os "bancos são especiais porque há grande relevância dessas instituições no sistema de crédito e como participante

Page 135

ativo nos meios de pagamento"82, uma vez que "tanto o crédito como o sistema de pagamentos representam o verdadeiro oxigênio da economia"83. Por conta disso, o traço distintivo proeminente "dos bancos - e de qualquer outra instituição financeira que combine gerência de portfólios e participação no sistema de pagamentos - é a relativa autonomia para oferecer crédito e, portanto, afetar o grau de liquidez da economia"84, fator a implicar real necessidade de se instituir estruturas de regulação, fiscalização e monitoramento de suas atividades.

Esses mecanismos protecionistas são bastante complexos, sobretudo porque foram construídos e implantados ao longo vários anos, além do fato de encamparem conjuntos norma-tivos oriundos de regramentos internacionais e nacionais, em relação aos quais também houve necessidade de aprimoramento diante das inúmeras crises econômicas pelas quais a humanidade percorreu. Por conta disso, impõe-se advertir: à vista da extensa gama de temas relativos à regulação bancária, cuja análise demandaria, só por só, a abertura de uma nova fenda de estudo, almeja-se, neste tópico, perpassar por alguns dos instrumentos criados pelo Estado, inclusive sob o ponto de vista global, para fins de evitar a insolvência bancária com mote na prevenção de crises de conotação sistêmica, ao largo de se propor o exaurimento de tão dilatado assunto85.

Page 136

De início, há de se ponderar a existência de dissociação epistêmica entre regulação, supervisão e monitoramento bancário. Impende anotar: a regulação se ocupa dos negócios bancários propriamente ditos; a supervisão volta-se à administração de tais negócios; o monitoramento, a seu viés, preocupa-se com a conduta dos agentes quanto aos negócios e quanto à administração, consistindo-se em atividade diária de observação quando uma instituição pode aparentar problemas86.

Em sequência, a teor da doutrina de Luiz Roberto Calado e ainda sob o ponto de vista teórico, é possível distinguir a regulação em positiva e negativa, consoante se encorajem ou desestimulem práticas ou formas de atuação do ente regulado. Quanto à forma de regulação, catalogam-se a regulação direta e indireta, "conforme tenha um papel ativo no estabelecimento ou fiscalização das regras vigentes no mercado, ou simplesmente promova e guie a supervisão das atuações de compliance e auditorias externas"87. Tais definições, porém, não obstante possuam relevância acadêmica, terão aplicabili-dade reduzida aos objetivos a que se propõe este estudo.

Michael Taylor, catedrático da Universidade de Washington, compreende a regulação financeira como um plexo de

Page 137

modelos, práticas, regras e parâmetros que compõem uma espécie de paradigma regulatório. Nesse enquadramento, por primeiro estariam incluídas as políticas públicas, abarcando algumas premissas que visam à identificação da adequação do capital dos bancos ao risco dos seus negócios, bem como a redução dos custos de transação entre os agentes econômicos e a intermediação ou a transmutação dos ativos e passivos. O segundo ponto seria o conjunto de arranjos institucionais que existe para administrar as exigências regulatórias que advêm dos objetivos das políticas públicas, indicando como a regulação está organizada, quais agências e órgãos detêm competência normativa e quais os poderes que lhes são outorgados. Por fim, o elemento derradeiro representaria um sistema de comunicação entre o regulador e o regulado, inserindo nesse campo as informações, os métodos, os parâmetros e os modelos legais para o alcance dos objetivos estabelecidos pelas políticas públicas88.

A partir desta demarcação teórica, visita-se a contextualização normativa brasileira, vertendo-a a realidade que se está

Page 138

a observar. Depreende-se que o estabelecimento das políticas públicas voltadas à ordenação da atividade dos bancos implica necessariamente a análise do texto constitucional e das normas-programa disseminadas em seu bojo. Revela-se, nesta quadratura, que o primeiro elemento consignado por Michael Taylor como pressuposto da regulação bancária detém contornos marcadamente sociopolíticos - já que ligados ao estabelecimento de diretrizes e à formatação de programas governamentais.

Não obstante restar transparente certa carga ideológica na conjugação de algumas políticas públicas, aparenta ser indelével que a planificação estatal não pode escapar das metas-programa consubstanciadas na Constituição, porquanto descende daquilo a que se propôs realizar o Estado por inter-médio do Poder Constituinte. A despeito de inexistir dúvida de que as políticas públicas são norteadas por ideais políticos, não se há de olvidar que o conteúdo ideológico marcante em todo estabelecimento de programas de governo deve manter-se apoiado diretamente nos dispositivos constitucionais. Portanto, no contexto brasileiro, dessume-se importante mensurar que qualquer conformação de normas regulatórias das instituições financeiras deve girar ao entorno do artigo 192 da Constituição Federal, notadamente em órbita dos preceitos programáticos de desenvolvimento nacional e de consagração do interesse coletivo.

O segundo elemento abordado por Taylor - conjunto de arranjos institucionais - resta primordialmente estatuído nas multicitadas Leis 4.595/64 e Lei 6.024/74, por meio das quais se fixa e se estrutura a distribuição de competências norma-tivas, fiscalizatórias, sancionatórias e regulatórias a diversos órgãos inseridos no contexto do Sistema Financeiro Nacional.

Por fim, no tocante ao terceiro aspecto definido por Taylor - sistema de comunicação entre o regulador e o regulado - compreender-se-iam as atividades diretamente realizadas pelo Banco Central em relação às instituições financeiras, ne-

Page 139

las se podendo incluir a fiscalização dos balanços contábeis, o cumprimento das normas de exigência de capital mínimo, o arbitramento de valores-garantia a título de consignação compulsória, dentre outros instrumentos dirigidos ao alcance das políticas públicas alinhadas por programas de governo, mas sem destoá-las daqueles dois ideais prístinos: desenvolvimento nacional e interesse coletivo.

Nota-se, portanto, que os instrumentos de supervisão e regulação das instituições financeiras compreendem um arcabouço de mecanismos jurídicos, políticos e econômicos de salvaguarda da estabilidade do sistema, abrangendo "regras e leis concernentes à retenção de ativos em carteira, exigências mínimas de capital em relação aos ativos, requisitos de disclousure, credenciamento e exames periódicos, mecanismos de proteção a aplicadores e até restrições à concorrência, quando esta é tomada como potencialmente indutora de comportamentos de risco moral"89.

Objetivamente, porém, regulação "vem a ser o processo de ordenação da atividade econômica através da função legislativa estatal que tem como objetivo determinar a conduta dos agentes econômicos sob a inspiração de uma dada política econômica"90. Claramente perceptível, novamente, a verdadeira simbiose entre o direito e a economia, ao passo em que o conjunto de normas (direito) é moldado pela política econômica do Estado.

Fundados os paradigmas teórico-normativos da regulação bancária, fixam-se também alguns pressupostos econômicos, cujo alinhamento traduz a ideia de uma função corretiva das falhas de mercado com vistas a maximizar a alocação dos recursos nos setores produtivos, sob o paradigma da eficiên-

Page 140

cia. Em excelente resenha, a fim de identificar e catalogar os alvos da ordenação financeira, Jairo Saddi91elenca doze espécies diferentes de falhas de mercado, subdividindo-as em três categorias apartadas: de natureza estrutural, de natureza institucional e de natureza comportamental.

A regulação visa à correção das falhas de mercado - denominação ampla que significa forças incontroláveis que, por qualquer razão, deixam de produzir os resultados esperados. Podemos classificar doze tipos diferentes de falhas de mercado, que aleatoriamente agrupamos em três grandes categorias, quais sejam: falhas de mercado de natureza estrutural (dizem respeito às seguintes deficiências: monopólios e monopólios naturais; externalidades; informação incompleta; coordenação e racionalidade processual); falhas de mercado de natureza institucional (abrangem os bens públicos e a moral hazard; planejamento e escassez e racionamento); e, finalmente, as falhas de mercado de natureza comportamental (referem-se às condutas anti-competitivas e às políticas abusivas de preços; aos lucros repentinos; à continuidade e à disponibilidade do serviço; à negociação e barganha desigual).

De maneira geral, a correção das falhas de mercado por intermédio de organismos exógenos ao mercado pressupõe aprioristicamente a incapacidade de o sistema bancário autorregular-se. Portanto, parte-se da primeira premissa de que os bancos tendem a perseguir açodadamente o lucro e, para tanto, expõem-se mais abertamente aos riscos inerentes a toda e...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT