Crise democrática e interseccionalidades da exclusão educacional potencializada pela covid-19 no Brasil

AutorJuliana Cândido Matias, Josemir Almeida Barros
CargoDoutoranda em Educação pelo Programa de Pós-graduação em Educação Escolar/Historiador e Pedagogo
Páginas742-759
CRISE DEMOCRÁTICA E INTERSECCIONALIDADES DA EXCLUSÃO EDUCACIONAL
POTENCIALIZADA PELA COVID-19 NO BRASIL
Juliana Cândido Matias1
Josemir Almeida Barros2
Resumo
A pesquisa objetivou compreend er e analisar o contexto e as rela ções entre crise democrática e as interseccionalidades da
exclusão educacional potencializada pela COVID-19 no Brasil. As indagações são: quais as relações estabelecidas entre
democracia e educação diante d a pandemia?; de que modo a crise de mocrática e social instaurada no Brasil, em época de
pandemia, intensificou a exclusão educacional de crianças e jovens estudantes de escolas públicas? Entre as fontes, a
pesquisa utiliza materiais bibliográficos e dados do Anunário Brasileito de Educação Basíca. Constata que o projeto de
sociedade estabelecido pelo Presidente da República Jair Messias Bolsonaro a partir de 20 19 colocou em risco a
democracia brasileira; instituiu cortes financeiros na Educação e inviabilizou políticas públicas sociais para acesso e
permanência de estudantes em escolas públicas. Os mais prejudicados pelo cenário de exclusão educacional foram
crianças e jovens preto s(as), pardos(as) e indígenas que vivem em famílias que recebem m enos de um salário mínimo por
mês, e moram nas regiões Norte e Nordeste do Brasil.
Palavras-chave: Democracia; educação; interseccionalidade; exclusão educacional; cov id-19.
DEMOCRATIC CRISIS AND INTERSECTIONALITIES OF EDUCATIONAL EXCLUSION POTENTIALIZED BY CO VID-19
IN BRAZIL
Abstract
The research aimed to understand and analyze the context and relationships between the democratic crisis and the
intersectionalities of educational exclusion potentialized by COVI D-19 in Brazil. The questions are: what are the relationships
established between democracy and education in the face of the pandemic?; How has the democratic and social crisis
created in Brazil at the time of a pandemic intensified the educational exclusion of children and young students from public
schools? Among the sources, bibliographic materials and data from the Brazilian Yearbook of Basic Education wer e used. It
notes that the society project established by the President of the Repu blic Jair Messias Bolsonaro in 2019 put Brazilian
democracy at risk; it instituted financial cuts in education and made social public policies un feasible for students to access
and stay in public schools. The most affected by the educational exclusion scenario were black, brown and indigenous
children and young people who live in families that receive less than one m inimum wage per month, and live in the North and
Northeast regions of Brazil.
Keywords: Democracy; education; intersectionality; educational exclusion; covid-19.
Artigo recebido em: 25/07/2022 Aprovado em: 16/11/2022
DOI: http://dx.doi.org/10.18764/2178-2865.v26n2p742-759
1 Doutoranda em Educação pelo Programa de Pós-grad uação em Educação Escolar. Douto rado e Mestrado Profissional
(PPGEEProf) da Universidade Federal de Rondônia (UNIR). Mestra em Educação e Pedagoga. Professora da Secretaria
Estadual de Educação (SEDUC/RO) e da Secretaria Municipal de Educação e Cultura (SEMEC/Rolim de Moura/RO), Brasil.
Integrante do Grupo de Pesquisa Multidisciplinar em Educação e Infância (EDUCA). E-mail: juhmatias.rm@gmail.com
2 Historiador e Pedagogo. Doutorado e Mestrado em Educação. Professor, Pesquisador e Extensionista da Universidade
Federal de Rondônia (UNIR), Porto Velho, Rondônia, Brasil. Integrante do Departamento Acadêmico de Ciências da
Educação (DACED). Docente do Programa de Pós-graduação em Educação Escolar, Mestrado e Doutorado Profissional
(PPGEEProf) e do Programa de Pós-graduação em Educação, Mestrado Acadêmico (PPGE). Vice-líder do Grupo de
Pesquisa Multidisciplinar em Educação e Infância (EDUCA). Vice Presidente da Rede de Pesquisa, Ensino e Extensão em
Educação das Regiões Centro-Oeste e Norte do Brasil e América Latina (RECONAL-Edu). Integrante da Red Temática de
Investigación de Educación Rural (RIER), México. E-mail: josemir.barros@unir.br
Juliana Cândido Matias e Josemir Almeida Barros
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1 INTRODUÇÃO
Franz Kafka (2019), em apenas vinte dias, escreveu a intrigante “Metamorfose”, obra que
se tornou um clássico da literatura mundial. Neste romance, Gregor, o caixeiro-viajante, amanhecera
inseto. Entre o desespero e a negação da realidade, o personagem se debate e busca superar as
limitações físicas a fim de manter a normalidade, a profissão e o sustendo da família. Gregor, mesmo
inseto, não se via liberto de suas funções sociais, tampouco do peso oriundo das relações de trabalho
e sobrevivência:
Mas o que fazer agora? O trem seguinte partia às sete horas; para alcança-lo, teria que se
apressar feito louco, e as amostras ainda não estavam na mala, e ele próprio não se sentia
leve e bem-disposto. E, mesmo que conseguisse pegar o trem, não deixaria de levar uma
descompostura do chefe, pois o contínuo da empresa teria esperado o das cinco [...]. O
sujeito era uma criatura do chefe, sem dignidade nem inteligência. (KAFKA, 2019, p. 12).
O cenário proposto por Kafka, num primeiro olhar, como uma distopia, se apresenta por
confluências, e de algum modo se aproxima da complexa sociedade, da vida cotidiana, todavia, ao
seguir a agonia do trabalhador, que ao acordar longe de sua normalidade, inicia uma batalha pela
manutenção de suas relações de trabalho. A obra de ficção, embora em outro contexto temporal e
espacial, compõe temas a serem problematizados, onde o fator primordial diante do enredo é o que
Gregor, o personagem, um inseto, a todo custo quer manter a normalidade. De modo metafórico diante
de uma grave pandemia de Covid 19 que assola o mundo e o Brasil desde início do ano de 2020, como
manter a tranquilidade da vida cotidiana para ir ao trabalho? Parte significativa da sociedade brasileira
está enfadada pelas ineficiências de um governo neoliberal. O Presidente da República (PR) Jair
Messias Bolsonaro, da extrema direita, apoiado pela burguesia financeira, industrial, agrária, por
militares e demais sujeitos que se deixaram alienar pelas condições imaginárias de uma normalidade
desejada, porém distante da racionalidade e dos princípios que estabelecem as liberdades dos
modernos, se posicionam como os melhores capacitados para a promoção de um governo um tanto
quanto conservador, reacionário, fascista, homofóbico, misógino, confuso e atrapalhado.
O personagem da PR faz pouco caso sobre os problemas sociais e consequentemente se
exime das responsabilidades de instituir políticas públicas sociais a partir das necessidades de setores
sociais. O PR corroborou e corrobora sobremaneira para o cenário de instabilidade econômica
agravada em setores diversos pela pandemia do vírus Covid-19 no Brasil. Em certos pontos a
realidade do Brasil pode ser debatida a partir das agonias do personagem de Kafka: Gregor.
Tal qual Gregor acordara inseto, o mundo acordou em uma pandemia, em que, no Brasil,
foi secundarizada frente às predileções do mercado capitalista, assim, desprezando a vida humana.
Como se estivéssemos presos à distopia protagonizada pelo caixeiro-viajante, no início do Século XX,

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