Cuidado paterno e desenvolvimento infantil

AutorCarina Nunes Bossardi/Mauro Luís Vieira
CargoUniversidade Federal de Santa Catarina
Páginas205-221

Carina Nunes Bossardi1/Mauro Luís Vieira2

    Paternal care and child development

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Introdução

Ao abordar temas referentes ao desenvolvimento humano, não se pode deixar de percorrer algumas discussões realizadas a cerca, dos contextos históricos, sociais e culturais que constituem os cenários em que tal desenvolvimento ocorre e, para tanto, é necessário também sistematizar a compreensão que se tem sobre as pessoas que estabelecem interações dentro desses contextos, ou seja, como está configurado o sistema familiar.

Com este interesse, muitas pesquisas foram realizadas objetivando investigar características que podem exercer influência sobre o desenvolvimento infantil (ALVARENGA & PICCININI, 2007; KELLER, 2007; RUELA, 2006; PIOVANOTTI, 2007; SEIDL DE MOURA et al, 2004; SACHETTI, 2007; LORDELO et al, 2006). Recentemente surgiram esforços e questionamentos mais amplos que podem vir a contribuir com este conhecimento e aborda-se a respeito do impacto das crenças e práticas maternas e das atitudes e envolvimento parentais para o desenvolvimento humano.

Uma preocupação dos pesquisadores é investigar questões que envolvem os relacionamentos familiares e os contextos de desenvolvimento, influenciando e sendo influenciados pela cultura e por fatos sócio-históricos. Começa a se delinear no cenário científico estudos voltados para a compreensão do papel da figura paterna para o desenvolvimento infantil. Segundo Silva (2003) a concepção do que é ser pai no atual cenário familiar está mudando, de um papel tradicional, de provedor do sustento econômico, atuando indiretamente no desenvolvimento infantil, para um pai mais ativo nos cuidados com o filho. Assim caracteriza-se o crescente interesse em se estudar o comportamento paterno.

Neste artigo de atualização pretende-se percorrer temas que aparecem relacionados ao desenvolvimento infantil, à existência da função paterna e sua influência no cuidado e educação das crianças. Segundo Piccinini e colaboradores (2001) diversas perspectivas podem ser adotadas para abordar os temas que envolvem o desenvolvimento infantil, bem como o sistema de crenças e valores parentais.

Os aspectos aqui abordados terão como base a perspectiva evolucionista para compreensão do desenvolvimento humano. Segundo tal perspectiva, as diferenças e semelhanças entre os papéis que homens e mulheres assumem frente a parentalidade e a criação dos filhos, podem ter ume explicação evolutiva. Essas explicações têm origem desde a escolha do parceiro,

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passando pela história reprodutiva de homens e mulheres até as funções assumidas pela mulher durante e depois da gestação, que se diferenciam das funções exercidas pelo companheiro homem (SILVA & BRITO, 2005).

A Psicologia Evolucionista, por meio de uma perspectiva interacionista, propõe que os fenômenos sejam compreendidos levando em consideração o nível ontogenético e filogenético da espécie humana, ou seja, estudá-los de um modo mais abrangente, onde o ontogenético refere-se ao desenvolvimento do ser humano a partir de seu nascimento e o filogenético corresponde ao desenvolvimento da espécie, trazendo, portanto, explicações de uma história evolucionista (VIEIRA & PRADO, 2004).

Parte-se do princípio de que o modo como pais e mães irão desempenhar suas funções e responsabilidades com o lar e com as crianças vai depender de fatores biológicos e culturais em constante interação e tanto um quanto o outro irão desenvolver comportamentos específicos no cuidado com os filhos e, para acessar tais comportamentos utiliza-se os conceitos de investimento parental.

Investimento parental e cuidados parentais

Em termos da perspectiva evolucionista, parte-se do pressuposto que existem dois níveis de análise que devem ser considerados para se compreender um comportamento ou um sistema comportamental (VIEIRA et al., 2009). Um deles são os fatores causais próximos (variáveis que modulam o comportamento durante a ontogênese). Outro são os fatores causais últimos, ou seja, que implicações as estratégias comportamentais (intencionais ou não) tem em relação a sobrevivência da indivíduo e dos seus descendentes (aptidão direta) ou de membros aparentados (aptidão inclusiva), tendo por consequencia a perpetuação da espécie.

Especificamente no caso dos cuidados parentais, os fatores causais próximos seriam as condições psicológicas, culturais e sociais que modulam a forma com que mães e pais se engajam no cuidado, proteção e estimulação dos seus filhos. Em termos de consequência para a sobrevivência, deve-se levar em conta também os fatores ecológicos. Ou seja, dependendo das condições ecológicas presentes, diferentes estratégias podem ser utilizadas. Por exemplo, em condições adversas, em função de vários fatores (dificuldade de encontrar alimento, disputa por espaço e parceiros para acasalamento), algumas estratégias podem ser mais eficientes do que outras que são funcionais em ambientes mais estáveis, que são denominadas de estratégias "k" e "r" (GUERRA, 2003). Portanto, em função dos diferentes níveis de análises, é importante deixar claro qual é o domínio que se está estudando. Nesse sentido, é importante utilizar conceitos diferenciados para cada nível.

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Embora sejam separados, isso não significa que sejam independentes. Podem sim ter influência um sobre o outro.

Por outro lado, é importante destacar outra divisão em relação aos cuidados parentais, que são os cuidados diretos e indiretos (HEWLETT, 1992; GUERRA, 2003). No primeiro caso podemos mencionar o contato físico e a amamentação. Já no segundo, a proteção contra predadores e ameaças do ambiente externo, bem como o fornecimento de condições materiais e de alimentação. Essa divisão é importante na medida em que auxilia na compreensão de que existem diferentes formas de expressar o cuidado parental. Pode-se dizer que no caso da espécie humana, nos primórdios da evolução o cuidado direto da mãe teve papel importante na sobrevivência da prole. No entanto, em muitas sociedades atuais industrializadas, existem várias formas indiretas de cuidado (KELLER, 2007). Ou seja, os bebês passam menos tempo em contato com as mães e estas investem de modo indireto nos filhos, como por exemplo, trabalhando para dar melhores condições de vida à sua família. Nesse sentido, existe uma complexa relação entre duração do aleitamento e o cuidada materno (QUINLAN et al., 2003).

De modo geral, pode-se dizer que comportamentos, responsividade ou cuidados parentais dizem respeito as ações que pais e mães tem em relação aos filhos (VIEIRA et al., 2009). Fazem parte dessa categoria, dar comida, trocar fraldas, proteger, estimular, educar, etc. Por outro lado, a teoria do investimento parental preconiza que certos comportamentos aumentarão as chances de sobrevivência da prole, mas ao mesmo tempo, diminuirão a probabilidade dos genitores se engajarem na produção de uma nova progênie (TRIVERS, 1972; VIEIRA et al., 2009). Também se deve destacar que existe relação entre o investimento parental e a seleção sexual. Isso significa dizer que o sexo que mais investe na prole é o mais exigente quanto à escolha do parceiro, enquanto o sexo que investe menos investe compete mais ativamente para obter membros do sexo oposto e garantir o sucesso reprodutivo (BORRIONE & LORDELO, 2005; KRIEGMAN, 1999).

Assim, os modos de investimento parental irão variar entre homens e mulheres. Segundo Keller e Chasiotis (2007) a forte ligação entre a mãe e seus filhos, em termos filogenéticos, se dá em função da certeza da maternidade (a exemplo do que acontece com outros mamíferos, a gestação é materna) e das suas conseqüências, como por exemplo, amamentação3. O pai, por sua vez, não tem certeza da paternidade e pode investir mais ou menos em função deste fato. Além da explicação evolucionista, tem-se o fato de que o investimento no

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cuidado com a criança variará em diferentes contextos de acordo com a cultura e com os custos envolvidos (TOKUMARU & BERGAMIN, 2005). Dessa forma, para a teoria evolucionista o investimento parental envolve gasto de energia e, para tanto, há variações entre fêmeas e machos na quantidade de investimento despendido para o acasalamento (oportunidades reprodutivas) e para o cuidado com a prole (cuidado parental), conforme as características de desenvolvimento dos filhotes e das condições ecológicas (LORDELO et al., 2006). Uma das características típicas da espécie humana é o longo período de desenvolvimento e a consequente dependência física e psicológica da criança em relação aos adultos. Nesse sentido, os cuidados dos adultos, que geralmente são fornecidos pelos genitores, se fazem necessários,

Os cuidados parentais são entendidos como sistemas de cuidado a que o indivíduo é exposto durante os primeiros anos de vida e que têm conseqüências importantes no desenvolvimento infantil. A mãe, geralmente, é a figura identificada como referência para o cuidado e interação com o bebê. Os bebês apresentam um conjunto de características que os capacitam para os primeiros contatos e trocas com os membros da cultura, como por exemplo, o choro e outros comportamentos que despertam respostas nos adultos (GUERRA, 2003; SEIDL DE MOURA & RIBAS, 2004). Por outro lado, a visão da maternidade vem se modificando ao longo do tempo. Atualmente, a mãe deixa de ser identificada como figura única na vida de uma criança e o pai começa a estar presente nas discussões (BANDEIRA, GOETZ et al., 2005).

Assim, as funções parentais sofrem a influência de processos biológicos, na medida em que possuem comportamentos universais que evoluíram ao...

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