Afoxés: Manifestação cultural baiana ou pernambucana? Narrativas para uma história social dos Afoxés

AutorIvaldo Marciano de França Lima
CargoDoutorando em História pela Universidade Federal Fluminense.
Páginas89-110
AFOXÉS: MANIFESTAÇÃO CULTURAL BAIANA OU
PERNAMBUCANA? NARRATIVAS PARA UMA HISTÓRIA
SOCIAL DOS AFOXÉS.
Ms. Ivaldo Marciano de França Lima1
Resumo: Inexistentes nas ruas recifenses e olindenses nos anos 1970, os afoxés
constituem nos dias atuais presença efetiva nos eventos do movimento negro e
carnaval pernambucano. Paulatinamente ocuparam espaços na sociedade e cons-
tituem mais de sessenta grupos que realizam atividades anualmente. Ainda hoje,
porém, são questionados por setores da intelectualidade por sua “origem” baiana.
Tal argumento procura deslegitimar o afoxé enquanto manifestação cultural me-
recedora de atenções e recursos do poder público. Mas de onde vieram os afoxés?
Quem são as pessoas que os fazem e onde atuam? Este trabalho objetiva discutir
a história dos afoxés em Pernambuco entre os anos de 1980 a 2000, discutindo a
historiografia e as interpretações que os movimentos negros construíram.
Palavras-chave: Afoxés; Cultura afro-brasileira; Carnaval; Pernambuco
Abstract: Non-existent in the streets of Olinda or Recife in the 1970’s, the “afoxés”
are today an important presence in the events promoted by the Black Movement
and in Pernambuco’s “Carnaval”. Gradually they have occupied a clear space in
the society and they constitute more than sixty groups that carry out activities
annually. Still today, however, they are questioned by sectors of the intellectuality
for its “bahian origin”. Such argument looks for to take the legitimacy from “afoxé”
as a cultural manifestation allowed to attention and resources from the public
power. But where do the “afoxés” really come from? Who are the people who
make them and where do they act? This work will discuss the history of afoxés in
Pernambuco between the 1980’s and 2000. It will also discuss the historiography
and the interpretations that the black movements had build about it.
Key-words: Afoxés; Afro-Brazilian culture; Carnaval; Pernambuco
O carnaval do Recife possui diversas manifestações culturais que se apre-
sentam nas ruas, palcos e passarelas durante os três dias do reinado de momo.
Dentre estas manifestações, os afoxés são as que podem ser consideradas mais
1 Doutorando em História pela Universidade Federal Fluminense. E-mail para contato:
ivaldomarciano@yahoo.com.br
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recentes, pois começaram a aparecer no Recife no início dos anos 1980. Mas o
que são os afoxés? Existem diferentes sentidos para esta palavra, podendo de-
signar a manifestação (um “bloco” carnavalesco), o ritmo e um instrumento mu-
sical. A discussão sobre os afoxés em Pernambuco circula, grosso modo, em
torno da origem dos grupos, e da sua relação íntima com a religião dos orixás
(xangô ou candomblé). A existência dos afoxés em Pernambuco suscitou muitos
debates e polêmicas em torno da legitimidade destes grupos, e se os mesmos
deveriam ou não ser bem recebidos na “capital do frevo”, uma vez que estamos
falando de uma manifestação cultural que não é “originária” destas terras. A
origem dos afoxés é tomada como um dos principais argumentos para se conferir
ou não legitimidade e reconhecimento dos novos grupos que surgem em um am-
biente fortemente marcado pela discussão de autenticidade, legitimidade e pure-
za. Diriam alguns dos mais exaltados intelectuais pernambucanos, guardiões da
tradição, que não se deveria dar espaço a uma manifestação cultural oriunda de
outras paragens. Em contrapartida, muitos militantes do movimento negro per-
nambucano tomaram outros caminhos, e criaram argumentos para bater de fren-
te com esses intelectuais justificando a existência dos grupos de afoxé, seja pela
idéia de que se trata de uma manifestação essencialmente negra, seja argumen-
tando que maracatus e afoxés tiveram uma origem comum. Como se pode obser-
var, a origem dos afoxés está no centro dos debates em questão.
VAMOS ÀS ORIGENS!
A busca pela origem foi a maneira pelo qual diferentes estudiosos analisa-
ram práticas e costumes culturais afro-descendentes na perspectiva de poder
explicá-las em sua complexidade. O início representaria uma suposta pureza ain-
da não corrompida, onde estaria resguardada sua essência, maneira pela qual se
poderia entender tal prática ou costume. Assim, para compreender as manifesta-
ções bastaria saber de sua origem, e este foi o caminho escolhido por vários
folcloristas para explicar os maracatus, a capoeira, e os afoxés, por exemplo.
Essa compreensão, no entanto, percebe as práticas culturais em sua perspectiva
estática e imobilizadora. Ora, se a origem “explica” o presente, não há por que
aceitar as mudanças que ocorrem. A alteração ou modificação em uma prática e
costume, por mais que represente para os “detentores do saber fazer” uma adap-
tação a uma dada realidade ou contexto, será sempre tida como “descaracteriza-
ção” ou deturpação para aqueles que estão presos à perspectiva da busca da
origem e da pureza. A mudança ou a adaptação ao presente, produzida pelos que
fazem as manifestações, é vista como fruto de forças externas, alheias à vontade
dos praticantes, e deve ser combatida pelos “guardiões” da cultura popular e do
folclore, sempre tomados como em perpétuo risco de desaparecimento.

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