O dano moral na órbita do direito do trabalho

AutorEnoque Ribeiro dos Santos
Ocupação do AutorLivre-Docente em Direito do Trabalho pela Faculdade de Direito da USP. Doutor em Direito do Trabalho pela Faculdade de Direito da USP
Páginas119-241

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A finalidade precípua do Direito é a realização da justiça social, e o ordenamento jurídico assegura a cada indivíduo, seja pessoa física ou jurídica, o exercício pleno de seus direitos, sejam eles de qualquer natureza.

Considerando que todos os bens dos homens são tutelados e alcançados pela proteção da ordem jurídica, impõe-se o amparo de todos os direitos, de quaisquer espécies, sejam econômicos ou morais. Assim, se o Direito não protegesse os direitos morais, também não teria sentido amparar os direitos patrimoniais.

Assim, cabe ao Direito reparar todo tipo lesão, seja de caráter material ou imaterial, senão não teríamos um Direito, posto que ele não refletiria a justiça, o símbolo da balança, do equilíbrio. Se o Direito reparasse apenas alguns direitos especiais ou privilegiados, nunca a sociedade alcançaria a tão sonhada justiça social, a irmandade entre as pessoas, cada um exercendo seus direitos e sua liberdade até a linha limítrofe onde começam os direitos alheios.

O patrimônio do homem, que é o objeto do Direito, é constituído do somatório de seus bens patrimoniais, aquilo que pode ser aferido economicamente, aquilo que é tangível, que de uma forma externa se agrega ao homem, bem como aquela parte intangível, imaterial, constituída pelos seus sentimentos, seu caráter, seu pudor, sua honra, o que poderíamos denominar de homem interior.

Logo, o homem na sua integridade é constituído do homem exterior, o ego, ao qual são agregados todos os seus bens materiais ou tangíveis, e do homem interior, daquela parte que não é visível, daquilo que é privativo, que só ele conhece na profundeza de sua alma.

Na verdade, o homem, tendo duas naturezas, uma material e outra espiritual ou divina, possui, por conseguinte, dois patrimônios, um tangível e outro intangível. Embora tenha duas naturezas, na verdade o homem, este ser inacabado, em constante transformação, ou, para Heidegger, em estado de “permanente inacabamento”, é formado por corpo, alma e espírito. Na verdade, os dois últimos habitam e têm o primeiro como seu instrumento veicular e é neste que alguns se esforçam para atingir o seu máximo desenvolvimento e atingir o ápice da excelência, apro-

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ximar-se da condição ostentada pelos deuses do passado, enquanto outros descem ao nível mais baixo da existência humana.

Assim, cabe ao direito a proteção de seu objeto, o homem, em sua plenitude, i. e., em ambos os patrimônios, o material e o imaterial. Em outras palavras, partindo da máxima popular “se alguém pode o mais, pode o menos”, podemos aduzir que se o direito protege o mais, ou seja, o grande contingente de direitos materiais ou patrimoniais, necessariamente também terá de proteger o menos, o direito extrapatrimonial; muito embora não estejamos aqui graduando aqueles direitos.

Com efeito, em termos filosóficos e por experiência, sabemos que o patrimônio moral ou ideal do homem, “o ser”, é o seu patrimônio mais importante, pois ele o acompanha eternamente; na verdade, esse é o seu verdadeiro “eu”, o seu devir, pois é neste que ele se realiza, desenvolve-se, transforma-se, evolui e pode atingir os seus sonhos e anseios de felicidade na terra, a depender de suas escolhas e esforço; enquanto o ter, o patrimônio material, é transitório, provisório, e se extingue para ele, com sua morte, por ocasião da partilha dos bens que ele conseguiu amealhar durante a vida terrena.

É por razões como essas que o estudo do Dano Moral constitui-se nos dias de hoje um dos assuntos de maior atualidade e relevância para o Direito, não apenas no Brasil, como no exterior.

A partir do momento em que os legisladores atentaram para o fato de que o patrimônio do homem não é apenas o econômico, como também o moral, o estudo do instituto passou a tomar a configuração que, aliás, sempre deveria ter tido na órbita das relações entre os indivíduos e entre estes e empresas, e por conseguinte em toda a órbita do Direito.

No Brasil, o estudo do Dano Moral ganha ainda maior expressividade, se levarmos em consideração o fato de termos passado virtualmente vinte anos sob o jugo do regime militar, durante o qual, em seus momentos mais sombrios, a dignidade humana não tinha qualquer valor e era relegada a um segundo plano.

Não podemos olvidar que entre 1964 e 1978 vivemos um período de “alienação” quanto à dignidade humana, quando assistimos inertes e perplexos ao aviltamento da dignidade humana, pelos inúmeros exemplos de desaparecimentos, de cárceres privados, de prisões políticas, torturas, mortes nos presídios, cassação de mandatos, exílios, vilipêndios à existência humana etc.

A Constituição Federal de 1988, cognominada de Constituição Cidadã, veio resgatar, de forma definitiva, a dignidade dos brasileiros. A partir daí, a defesa da honra, da imagem, da reputação e da boa fama passou a ser tutelada pelo Estado, agora com força constitucional, como medida de justiça.

No momento em que passamos a analisar o Dano Moral nas relações de trabalho, e mais especificamente na dispensa do empregado, não obstante o assento constitucional do instituto que estaremos discutindo mais à frente, deparamo-nos com uma matéria profundamente polêmica e controvertida.

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De acordo com Magano,274 o “Dano Moral nas Relações de Trabalho é matéria ainda mais complexa e controvertida, porque até a promulgação da Constituição Federal de 1988, o Direito Brasileiro não contemplava em seu elenco a sua tutela, pelo fato de o dano moral ‘não se constituir em matéria trabalhista’. Controvertida porque até a pouco se discutia qual a Justiça competente para julgar os pedidos de reparação dos danos morais nas relações: se a Justiça Civil ou a Justiça do Trabalho’’.

A Emenda Constitucional n. 45/2005 veio colocar uma pá de cal nessa matéria, ao incluir no art. 114 da Constituição Federal a competência trabalhista para processar e julgar:

“VI – as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho”.

O que foi corroborado, pelo Colendo Tribunal Superior do Trabalho:

“SUM-392. DANO MORAL E MATERIAL. RELAÇÃO DE TRABALHO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO (redação alterada na sessão do Tribunal Pleno realizada em 27.10.2015) – Res. 200/2015, DEJT divulgado em 29.10.2015 e 03 e 04.11.2015 Nos termos do art. 114, inc. VI, da Constituição da República, a Justiça do Trabalho é competente para processar e julgar ações de indenização por dano moral e material, decorrentes da relação de trabalho, inclusive as oriundas de acidente de trabalho e doenças a ele equiparadas, ainda que propostas pelos dependentes ou sucessores do trabalhador falecido.”

E, “N. 439 – DANOS MORAIS. JUROS DE MORA E ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA. TERMO INICIAL.

Nas condenações por dano moral, a atualização monetária é devida a partir da data da decisão de arbitramento ou de alteração do valor. Os juros incidem desde o ajuizamento da ação, nos termos do art. 883 da CLT”.

Se existe um ramo no Direito em que o Dano Moral é fértil em matéria de desenvolvimento e de incidências, é justamente o Direito do Trabalho, pelo fato de as relações entre empregado e empregador serem perenes, de trato sucessivo e contínuo, diuturnas, ensejando maior potencial de oportunidades de perpetração de ilícitos por uma das partes do contrato de trabalho, do que nos contratos comuns do Direito Civil, em que tal fato geralmente constitui uma exceção.

Vasques Villard nos ensina que “se em algum âmbito de Direito o conceito de Dano Moral pode ter alguma aplicação, é precisamente no Direito do Trabalho. O Direito do Trabalho aparece como o ramo jurídico em cujo seio o estudo do Dano Moral deveria alcançar o máximo desenvolvimento, já que nesse direito a proteção

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da personalidade adquire especial dimensão, tanto por sua primordial importância – dado o caráter pessoal e duradouro da relação –, como por ter sido objeto de uma garantia jurídica especial275.

O contrato de emprego é caracterizado por ser de trato sucessivo, de atividade, onde as prestações repetem-se com o curso do tempo, possibilitando o surgimento de danos, tanto ao...

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