Das dificuldades à impossibilidade da execução dos contratos: da adaptação à resolução
Autor | Marcelo de Oliveira Milagres |
Ocupação do Autor | Mestre e Doutor pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) |
Páginas | 37-51 |
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DAS DIFICULDADES À IMPOSSIBILIDADE
DA EXECUÇÃO DOS CONTRATOS: DA
ADAPTAÇÃO À RESOLUÇÃO
Em homenagem ao princípio da comutatividade, não basta que o contrato nasça
equilibrado, é preciso que ele assim se mantenha. É preciso observar o sinalagma fun-
cional.1 Os grandes desafios são a dinamicidade das relações contratuais e os cenários
de riscos e, principalmente, de incertezas. Como bem afirma Ilya Prigogine, no “mundo
que é o nosso, descobrimos em todos os níveis flutuações, bifurcações, instabilidades. Os
sistemas estáveis que levam a certezas correspondem a idealizações, a aproximações”.2
Na tentativa da mantença desse equilíbrio, como justificada exceção aos princí-
pios da força obrigatória e da intangibilidade dos contratos, os canonistas idealizaram
a cláusula recus sic stantibus – redução de contractus qui habent tractum successivum et
dependentiam de futuro, rebus sic stantibus intelliguntur. Os contratos de trato sucessivo ou
a termo ficam subordinados, a todo tempo, ao mesmo estado de subsistência de coisas.
Otavio Luiz Rodrigues Junior3 bem demonstra o resgate dessa cláusula rebus sic
stantibus sob a forma da Teoria da Imprevisão, com a Lei Failliot de 1918, em que os
franceses, em razão dos efeitos econômicos da 1ª Grande Guerra, buscaram restabelecer
o equilíbrio dos contratos.4
Destaque-se, na justificação do PLS 1.179, de 2020, menção expressa à Lei Failliot
como inspiração para o atual Regime Jurídico Emergencial e Transitório das Relações
Jurídicas de Direito Privado (RJET): “A inspiração para este projeto, a qual comparti-
lhamos com o Min. Dias Toffoli, o Min. Antonio Carlos Ferreira e o Professor Otavio
Rodrigues, foi a célebre Lei Failliot, de 21 de janeiro de 1918, que foi apresentada pelo
1. Segundo DELFINI, Francesco. Autonomia privata e contratto: tra sinallagma genetico e sinallagama funzionale.
Torino: G Giappichelli Editore, 2019. p. 10, o sinalagma funcional é muito mais dinâmico que o originário,
inclusive, pelos mecanismos das quais as partes dispõem pelo exercício da autonomia privada. “Il sinallagma
funzionale è invece assai più duttile Perché si tratta di un nesso di interdipendenza ricavato, per induzione dal
particolare al generale, dalla previsione di singoli specifici rimedi per al inesecuzione del rappporto: rimedi di
regola lasciati alla disponibilità delle parti, nel loro esercizio e addirittura nella loro previsione ( o esclusione)”.
2. PRIGOGINE, Ilya. O fim das certezas: tempo, caos e as leis da natureza. Trad. Roberto Leal Ferreira. São Paulo:
Editora da Universidade Estadual Paulista, 1996. p. 57.
3. RODRIGUES JUNIOR, Otavio Luiz. Revisão judicial dos contratos: autonomia da vontade e teoria da imprevisão.
2. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 29-31.
4. Embora o autor tenha ressaltado que “A Lei Failliot não foi a primeira norma jurídica a reconhecer a teoria da
imprevisão Na Itália, o Decreto Real 739, de 27 de maio de 1915, já admitia a intervenção judicial nos contratos.
E os arestos do Conselho de Estado, anteriores a 1918, também demonstravam as fissuras na obrigatoriedade
absoluta dos contratos.” Op. cit., p. 31.
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