Introdução

AutorMarcelo de Oliveira Milagres
Ocupação do AutorMestre e Doutor pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
Páginas3-12
1
INTRODUÇÃO
A Covid-19, doença provocada pelo coronavírus SARS-COV-2, mudou o mundo.
A crise sanitária impactou as relações de vida. A intensidade dessas modif‌icações, con-
tudo, não é uniforme. Diferenças decorrentes, por exemplo, de contextos e de regiões
devem ser consideradas.
A pandemia é uma realidade irreversível. A grande e angustiante pergunta é por
quanto tempo a vivenciaremos, por quanto tempo nossa vulnerabilidade estará expos-
ta e nossa f‌initude será um pensamento recorrente? Nessa perspectiva, as palavras de
Zygmunt Bauman se apresentam atuais: “O medo é mais assustador quando difuso,
disperso, indistinto, desvinculado, desancorado, f‌lutuante, sem endereço nem motivo
claros; quando nos assombra sem que haja uma explicação visível, quando a ameaça
que devemos temer pode ser vislumbrada em toda parte, mas em lugar algum se pode
vê-la. ‘Medo’ é o nome que damos a nossa incerteza: nossa ignorância da ameaça e do
que deve ser feito – do que pode e do que não pode – para fazê-la parar ou enfrentá-la,
se cessá-la estiver além do nosso alcance.” 1
Vivenciamos o medo difuso do invisível. O temor virou rotina. Por óbvio, não temos
o controle de tudo.2 Como adverte Bauman, estamos “todos em perigo, e todos somos
perigosos uns para os outros”.3 Há o intenso medo da morte. “A morte é a encarnação
do ‘desconhecido’. E, entre todos os desconhecidos, é o único total e verdadeiramente
incognoscível. Independentemente do que tenhamos feito como preparação para a morte,
ela nos encontra despreparados. Para acrescentar o insulto à injúria, torna nula e vazia a
própria ideia de ‘preparação’ – essa acumulação de conhecimento e habilidades que def‌ine
a sabedoria da vida. Todos os outros casos de desesperança e infelicidade, ignorância e
impotência poderiam ser, com o devido esforço, curados. Não esse.”4
Tentando superar o medo, podemos f‌icar no presente ou, como destacou François
Ost,5 “nada de f‌inal, nem de ponto f‌inal. De preferência o ponto de pausa, o interlúdio, o
intermédio. A pausa. O tempo de um balanço provisório, como um refrão para melhor
delimitar o jogo do tempo e do direito, pois esta dialética não tem síntese: nada de saber
absoluto que enunciasse a palavra f‌inal”.
1. BAUMAN, Zygmunt. Medo líquido. Trad. Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. p.8.
2. BAUMAN, Zygmunt. Medo líquido. Trad. Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. p. 125: “O que
não somos capazes de administrar nos é ‘desconhecido’, o ‘desconhecido’ é assustador. Medo é outro nome que
damos à nossa indefensabilidade.”
3. BAUMAN, Zygmunt. Medo líquido. Trad. Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. p. 128.
4. BAUMAN, Zygmunt. Medo líquido. Trad. Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. p.45.
5. OST, François. O tempo do direito. Trad. Élcio Fernandes. Bauru: Editora da Universidade do Sagrado Coração,
2005. p.399.

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